quinta-feira, 30 de junho de 2011

quadrados de loucura e porcos cheios de tinta cor-de-rosa

Pintura de Marion Rose


Há um filme que se chama Efeito borboleta, em que o realizador se empenha em contribuir para a paranóia humana, tentando demonstrar como o bater de asas de uma borboleta na China pode contribuir para um furação algures na América do Norte. Aposto que o funcionário das Finanças que hoje enviou uma carta ameaçadora a uma amiga e artista plástica, não esperava decerto desencadear um efeito borboleta com um simples comunicado de extorsão, perfeitamente legal, caso a senhora não pague uns quantos milhares de euros de dívida à SS (adoro a coincidência das siglas).
Ora, para quem tenta sobreviver do seu trabalho, como qualquer cidadão comum deste país, com a agravante de pertencer a esse exíguo grupo de gente de prática artística, cujo mérito jamais é reconhecido, senão quando se trata de enterrar cinzas e ossadas em cerimónias públicas, em sítios disparatados, alegadamente representativos da vida da criatura fenecida, uma conta calada, nesta altura do campeonato, é de pôr qualquer um com vontade de se atirar do quarto andar e esquecer a existência.
Mas como os artistas, ao contrário do que se diz e pensa, são gente avisada e prática, informada também das escassas probabilidades de êxito de empreendimentos suicidas (embora no cinema vinguem com auras de insuspeitado romantismo), a minha amiga resolveu transformar o desespero em matéria criativa e concebeu de imediato dois extraordinários planos, enquanto fazia dos meus ouvidos o seu caixote de lixo privativo.
Assim, sabiamente, imaginou os Quadrados de loucura e os Porcos cheios de tinta cor-de-rosa, com que está a pensar tomar de assalto uma instituição bastamente representativa, como a Assembleia da República.
À porta de S. Bento tenciona distribuir, como hóstias prontas a consumir, pequenos quadrados de papel (Quadrados de loucura) com inscrições ilustrativas da loucura de cada deputado da Nação, para que ruminem demoradamente nas alucinações que, afinal, não têm capacidade de poupar aos seus concidadãos. E umas almofadas de espuma embebidas em tinta cor-de-rosa (Porcos cheios de tinta cor-de-rosa), onde deverão assentar os respectivos traseiros e sentir, na pele, a incómoda sujidade que consentem diariamente.
Se fosse realizadora, documentaria com certeza cada passo destas ideias e da sua realização prática, segura do êxito cinematográfico que teria em mãos. Como não sou, resta-me contar-vos esta história que, a ter sequência, não deixarei de ilustrar aqui com letras e imagens.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

desinteressante...

Há uma ridícula quantidade de blogs sobre futebol. Bons? Nem por isso. A maior parte das vezes, é uma sorte se conseguimos lê-los sem sobressaltos com erros de ortografia, sintaxe incompreensível, falta de ideias e de clareza. O que fará alguém pensar que pode escrever sobre futebol sem ao menos saber articular o que pode ser uma ideia?
A falta de interesse estende-se a muitos outros blogues, em que as pessoas acham que se safam publicando vídeos e fotografias que não são seus. Não lhes fazia mal nenhum inscreverem-se em cursos de escrita criativa, de fotografia, de artes plásticas. E assim já tinham alguma coisa de seu para postar e mostrar.

sábado, 25 de junho de 2011

a primeira mulher

Assunção Esteves
Não é Eva, mas Assunção, e é a primeira mulher portuguesa a ser eleita para a presidência da Assembleia da República. Não é feminista, mas dedicou a eleição a "todas as mulheres", sobretudo as "oprimidas". Também não é "presidenta", como, depreciativamente, a refere um título do não menos depreciativo "Correio da Manhã".
Foram precisos 101 anos, após a queda da monarquia e das ilustrações da república como uma mulher com as mamocas à mostra (se a República fosse masculina, a ninguém ocorreria, com certeza, retratá-la de pirilau ao vento) para uma mulher conseguir um cargo hierárquico significativo no governo da dita.
Que uma mulher do PSD, em 2011, sinta a necessidade de fazer uma dedicatória como a de Assunção Esteves, na AR, não deixa de ser significativo e um exemplo para as meninas e mulheres portuguesas que continuam a achar que o feminismo é um palavrão e desnecessário. Mesmo quando são sujeitas a abusos de poder por parte dos seus pares masculinos e os desculpam com tolas e débeis atribuições de causa e efeito.
A primeira mulher a votar em Portugal foi Carolina Beatriz Ângelo (primeira mulher a votar no quadro dos doze países europeus que vieram a constituir a União Europeia), em 1911, contornando a lei que só permitia votar aos cidadãos maiores de 21 anos que fossem chefes de família ou que soubessem ler e escrever (ela era médica, mãe e viúva). Para evitar estes contornos, foi modificado o direito, abrangente somente ao sexo masculino.
Só com o decreto-lei 19.694 de 5 de Maio de 1931 é que pela primeira vez, na história política do país, as mulheres foram consideradas como eleitoras. Este decreto, contudo, era bastante limitativo, pois permitia o voto apenas àquelas que fossem chefes de família, ou seja, as viúvas, divorciadas, separadas de pessoas e bens, com família própria e aquelas que estivessem casadas, mas que os maridos estivessem no estrangeiro ou nas colónias. Não obstante só o podiam as mulheres que tivessem completado o ensino secundário ou fossem titulares de um curso superior com certificado.
Nessa altura, as mulheres ganharam também o direito a serem eleitas para a Assembleia Nacional. Nas primeiras eleições legislativas ocorridas no Estado Novo foram eleitas três deputadas, sendo, desta forma, as primeiras mulheres deputadas na História de Portugal.
No entanto, o sufrágio universal feminino só foi alcançado após o 25 de Abril. (Fonte: Wikipédia)
Ser mulher ainda é a pior coisinha que se pode ser na esmagadora maioria das circunstâncias, mesmo na parte ocidental do hemisfério norte, onde as mulheres ainda têm alguns direitos. Não falta, no entanto, quem os refute e ponha em prática a boa velha estratégia do punho-direito-à-face que constitui o primeiríssimo argumento de qualquer pitecantropus erectus accidentallis.

terça-feira, 21 de junho de 2011

o dia mais longo do ano

Foto MMFerreira
Mais horas de luz, no solstício (do latim sol + sistere, que não se mexe) de Verão. Quer dizer que vamos ficar acordados mais tempo? Mais iluminados? Ou parados, como sugere a palavra? Dizem os astrólogos que é quando se começa a sentir a influência do carinhoso caranguejo.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

advento da nova ordem

A política nunca é um tema de eleição neste blogue, pela entediante forma que lhe é dada por quem para si reclama a sua prática. Mas há alturas em que alguns factos nos obrigam a reflectir sobre as mensagens que nos são passadas pelos média, através das máquinas partidárias.
Por exemplo, o facto de, na televisão estatal, os jornalistas se sentirem tão incomodados por terem sido obrigados, por essa fantástica figura política que é Garcia Pereira, a dar tempo de antena aos partidos sem assento na Assembleia da República, demonstra o total desprezo pelas regras democráticas, pelo dever de informar expresso no código deontológico da profissão e pelo dinheiro dos contribuintes, que afinal pagam os ordenados fantásticos que alguns ainda recebem, mesmo sem a qualidade que lhes devia ser inerente.
Outra coisa desinteressante (pela vulgaridade) na política são os ataques pessoais que jamais passam da fanfarronada e têm como alvo o público menos preparado, demonstração óbvia da falta de respeito que os políticos, ditos democráticos, têm pelo que é justo e o que é a sua obrigação, atitude que com certeza replicarão com maior intensidade ao abrigo das câmaras de televisão e microfones.
É degradante o uso da "conspiração da crise" para aterrar as pessoas e para lhes baixar o nível de vida, coisa ainda mais preocupante se considerarmos que é um tiro no pé a muito curto prazo, uma vez que quem não tem dinheiro não compra e, dessa forma, não há economia que recupere. Claro que faz todo o sentido se for para continuar a enriquecer em tempo recorde a meia dúzia de poderosos que governa este tipo de sistema económico, a quem não faz diferença que o colapso se dê a curto, médio ou longo prazo, uma vez que já encheram os bolsos a expensas da falta de intervenção dos governos, sempre dispostos a fazer pagar aos contribuintes individuais a especulação dos que os protegem.
Também não se justifica dizer que um governo, neste caso uma figura consensualmente odiada, Sócrates, tem toda a culpa da crise, uma vez que ela é fruto da primeira crise, que aconteceu nos Estados Unidos e não em Portugal. Isso apenas se entende pela avidez com que a segunda máfia política portuguesa quer ir à fonte, agora que a água do dinheiro e do poder está por acaso ao seu alcance.
Todos os partidos tẽm gente torpe e pusilânime, apenas interessada no benefício próprio. Mas a corja laranjinha tem, desde sempre, conseguido atrair toda a gente que, apesar do seu valor pessoal, não tem nem jamais terá aptidão para fazer escolhas realmente importantes (e, portanto, radicais). A falta de coragem e de espinha dorsal dos "mais ou menos" democratas representa tudo aquilo que não contribui para um orgulho nacional, uma alma poderosa e disposta a grandes desafios.
Aliás, toda a direita que tem vindo a vingar na Europa sofre do mesmo mal e, infelizmente, julga que está chegado o momento de acabar com as socializitites e restaurar a ordem à força no Velho Continente. Se ao menos isso fosse verdade...
Porque o que os pseudo-democratas europeus não conseguem prever, visto que a sua capacidade de governar não vai além dos seus sonhos de lucros fáceis e rápidos, é que o poder que agora conquistam, em tempo de grande crise económica, é apenas a forma de o Universo repor alguma ordem no seu quintal.
A ganharem as esquerdas europeias, todo o esforço seria feito no sentido de atenuar algumas diferenças sociais, apesar do espartilho das grandes corporações económicas. E a verdadeira revolução tardaria mais uns anos. Assim, com a direita no poder e o abismo entre ricos e pobres a atingir proporções descomunais, a imperiosa mudança surgirá naturalmente como o único caminho a seguir.
Às vezes, o único remédio é um pouco mais do mesmo para obrigar o organismo a expulsar definitivamente o mal.
Nestas circunstâncias, se os socialistas perderem as próximas eleições, no domingo, isso será apenas uma forma de acelerar o equilíbrio universal que tão trambolhento tem andado. Até é bom que os meninos e meninas que até acham que são de direita sejam os instrumentos do futuro reordenamento social e sejam eles a colher o ónus das suas fossilizadas convicções.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

dia mundial da criança

Em vez de um quarto cheio de brinquedos - muitos deles feitos por crianças em países em que nem se comemoram direitos nem outras coisas -, este rapazinho moçambicano fez o seu modelo de telemóvel com matope (lama) e usou um pauzinho como antena.
Um brinquedo feito assim, à medida do seu criador, é uma coisa especial. Embora a Europa e a América do Norte celebrem o dia mundial da criança, e haja muitos brinquedos nos quartos de dormir dos mais novos, os pais europeus têm muitíssimo menos tempo de convívio diário com os seus filhos do que os moçambicanos.
Na minha infância, brincávamos fora de casa com os amigos. Hoje, as crianças ficam presas até tarde dentro de casa e só na escola podem socializar e brincar com os outros. É muito difícil fazê-las entender que a escola é um espaço de trabalho, uma vez que não têm outro e, para elas, o recreio é ali.
Perdem-se e ganham-se coisas, quando acrescentamos direitos e brinquedos e perdemos outras qualidades.