domingo, 15 de novembro de 2015

(des)vantagens do terror

"Guernica" - Pablo Picasso

A pergunta necessária é: quem beneficia com o terror? A resposta lógica dificilmente será a do extremista perseguido e abatido pela polícia, por forças especiais em grutas miseráveis e isoladas, ou por drones comandados por satélite. Nem sequer os alegados estrategas e financiadores apanhados na controladíssima rede fiscal e bancária do planeta.
Portanto, quem beneficia realmente com a propaganda do terror. Serão extremistas, sim, mas os que têm em mente o controlo absoluto de pessoas e bens, esses em cuja ilusão o poder é uma propriedade muito acima do que o seu corpo e a sua vida alguma vez poderão gozar.
O cidadão comum é apanhado na rede do medo induzido, que o fará concordar com as medidas extraordinárias de uma restrição cada vez maior das suas liberdades, em nome de uma guerra santa que não é sua, mas de quem apenas deseja acumular mais poder e riqueza.
As guerras nunca foram santas, até porque as duas palavras, em perfeita lógica, se contradizem. Ou se tem uma guerra, ou se tem a santidade. E, como já dizia Giordano Bruno, a batalha entre a luz e a escuridão tem um desfecho lógico e inevitável, pois a luz acabará sempre com a escuridão, sendo a contrária impossível.
Os imperadores do poder e do terror sonham, por isso, com uma glória muito aquém das suas possibilidades. O que fazem tem instantes contados, mesmo que a sua crença contrarie as leis fundamentais do universo.
Graças aos extraordinários meios de comunicação que lhes proporciona a tecnologia, a sua propaganda chega à maioria esmagadora dos habitantes do planeta. A grande ópera mundial da tragédia está sempre disponível e a ser alimentada. O que pode ser mais importante do que um grande perigo, um alerta internacional, um acidente de proporções gigantescas?
A consciência de que há vida além da tragédia aparece ofuscada. Mas é uma chama que não se apaga. Enquanto estamos vivos podemos sempre recuperá-la e restabelecer a luz e a lógica das nossas propostas.
Os grandes senhores, como a escuridão, têm instantes contados e, depois deles, a vida segue. A ópera deixa cair o pano e podemos regressar a casa para o sossego das nossas rotinas.
Mais ainda: há um instante também para o terror atingir o seu ponto máximo e provocar uma reacção de sentido inverso em cada um de nós. O excesso de propaganda acelera todos os dias esse sábio mecanismo de defesa em todos os nós.
Há vida além do terror e todos nós o sabemos. O momento em que assumimos isso conscientemente é que difere um pouquinho de pessoa para pessoa. Mas vamos sempre a tempo.



domingo, 18 de outubro de 2015

inocência




A memória é um fardo que limita as nossas experiências. Aprendemos e acumulamos memórias que nos ditam, a maior parte do tempo, fronteiras que não devemos ultrapassar. A memória está no passado, onde passamos a maior parte da nossa vida, e quando queremos fugir disso projectamos um futuro que se baseia na nossa aprendizagem. 
Esse futuro, graças à nossa memória, é sempre limitado pela nossa experiência e, portanto, desalentador.
O momento presente não é vivido por falta de inocência. Não somos capazes de ver além do nosso passado e do nosso futuro, sempre balizado pelo minúsculo denominador comum da memória.
Tudo está em aberto e as possibilidades são ilimitadas se deixarmos de lado a pequena experiência do que aprendemos.
A inocência, a liberdade de não nos apoiarmos apenas em memórias, é o encantamento, a paixão e a força de começar do zero, de nos permitem novas experiências.
O apego ao passado acumulado na nossa cabeça tolhe-nos e aprisiona-nos num mundinho limitado e sem interesse.
Apesar do cansaço dessa forma de entender a vida, poucas vezes nos concedemos a liberdade de esquecer de tudo e viver o momento presente, sem afunilar as nossas hipóteses ao já vivido.
A memória não é uma coisa boa quando queremos mudar alguma coisa.
O amor, a empatia, remetem-nos à nossa inocência original. Quando se dão, vemos tudo com novos olhos, acreditamos, nada mais tem importância. A emoção que sentimos é suficiente para pormos de parte todas as memórias, todos os avisos à navegação. Nada mais importa senão o sentimento de que tudo é possível.
Porque amamos e isso anula todas as memórias do que nos faz desconfiar, do que correu mal no passado, dos lugares-comuns que nos travam constantemente.
Amemos portanto o momento em que estamos, com a inocência de um recém-nascido, sem experiências limitadoras, sem aprendizagens castrantes.


terça-feira, 13 de outubro de 2015

amigos

friends, by rumoresdenuvens/maritamorenoferreira - digital painting
Amigos são a nossa terra natal. Fazem parte da solidez das nossas convicções, emoções e certezas. Mesmo quando não estão próximos, nunca deixam o espaço mental que habitamos. Não precisam de ser como nós, nem de concordar connosco em tudo. Existem apenas e não desaparecem. Às vezes nem são próximos, nem muito conhecidos. Mas fazem parte da muralha em que nos apoiamos.



segunda-feira, 5 de outubro de 2015

porcos, para que vos quero?

Pig by Adam Brett









O porco é um dos meus animais preferidos. Até gostava de ter um em casa, por achar que os são uma excelente companhia, além de muito inteligentes. Mas cheguei à conclusão de que já não me apetece viver paredes meias com quem não é capaz de tratar sozinho da sua higiene pessoal. Acredito que limpar a porcaria dos outros não é a minha missão pessoal. Além disso, como explicaria ao bichinho a carne de porco à alentejana?
Sem falar no facto de ter de aprender a grunhir em tempo recorde, para ter de estabelecer uma forma mais ou menos justa de comunicação. Não que espere que os porcos, cães, gatos, cavalos, galinhas ou periquitos façam o mesmo, pois o preconceito de ter de ser eu a estabelecer o elo mais justo entre nós é meu e não deles. Quem nasce burro acaba a pastar.
No fundo, o impulso do relacionamento é um furacão com artes de atracção quase inexplicáveis. Por que razão hei-de procurar uma relação com um porco, com contornos tão abaixo do que considero uma partilha equilibrada? E, no entanto, ela desenha-se como possível no momento em que ponho os olhos no bichinho.
O porco não é, claramente, o único objecto desta compulsão. Até uma inanimada caneca de café tem artes de me arrancar afeição. É mais do que apego e manifesta-se nas mais surpreendentes circunstâncias, até naquelas em que a lista de desvantagens se desenrola vertiginosamente na nossa cabeça no instante em que emerge essa urgência de contacto com o exterior.
Porcos, para que vos quero?
Só pode ser um bug, ou o vírus do plano divino, em que tudo está ligado e não temos outro remédio que o de aceitar que todos os porcos suscitam em nós empatia e uma sensação de pertença que vai bem além dos nossos preconceitos.
Venham de lá esses porcos...



sexta-feira, 25 de setembro de 2015

o valor real de não se ser santo

emotion - rumoresdenuvens
Para que serve o nosso estudo e a nossa compreensão da espiritualidade se, como os outros tão prontamente observam, não conseguimos ser tão espirituais como isso?
A primeira questão que se põe é a formulação da pergunta. Porque o conhecimento da espiritualidade é uma necessidade que se sente e se põe em prática. Mas o facto de sabermos que somos seres espirituais não anula em nada a experiência material ou manifestada pela qual estamos a passar.
Apesar de entendermos que somos espírito, ficamos a saber que escolhemos esta experiência de um mundo de manifestações que não parecem tão espirituais como isso. Mas que o são e está tudo relacionado, tudo ligado de uma forma que é impossível desfazer.
Esta experiência é diferente, sim, mas também tem tudo que ver com o espírito que somos. E a nossa compreensão do espiritual não tem que ver com a imagem dos santos e outros conceitos preconcebidos que abundam por aí.
Não experimentamos coisas diferentes para ser santos, mas sim para apreciarmos a diversidade e expandirmos a experiência com todas as voltas e reviravoltas que surgem pelo caminho, criando a parti daí novas oportunidades de nos expandirmos.
O conhecimento espiritual é uma ajuda suplementar, que nos permite apreciar a beleza dessa criação e dessa expansão contínua, sem o peso do julgamento dos preconceitos. É isso que ganhamos com a aprendizagem da forma como funciona o espírito, não uma aura dourada e circular em cima da cabeça, como a dos santos da Igreja.
Todas as experiências contam, das melhores às piores. Os santos que conhecemos tiveram as suas, porque foram ditadas pelas suas escolhas pessoais. E a nossa liberdade está em escolhermos também o que nos parece mais interessante e que não tem de ser, obrigatoriamente, caminhar sobre a água e ser muito bonzinhos para toda a gente, a todo o instante.
No final, entende-se que a nossa experiência é única e jamais mensurável pela experiência dos outros. Que, por isso, não devemos copiar ninguém, mas seguir aquilo que nos faz sentir melhor. 
Que é importante sabermos que estamos sempre no sítio e no momento certos, e que o melhor é não passar a vida inteira com a crença no contrário. É isso que nos permite viver o presente e não ficar reféns de felicidades futuras. Ou de desgostos passados.


terça-feira, 25 de agosto de 2015

bruxarias e outras vilanias

Vintage Halloween Postcard
É claro que a bruxaria é uma coisa feminina, provavelmente desde que a primeira mãe pôs a mão sobre um filho para lhe acalmar uma qualquer dor. Como poderia não ser?
O resto saiu da imaginação colectiva, em que as curadoras se transformaram nos demónios de todas as dores e tragédias, visto que a mente humana parece não ser capaz de distinguir entre quem conjura e esconjura o mal.
O que não fica claro é como as pessoas que usam microondas, telefones de última geração e carros topo de gama pagam para a donas de casa vulgares para lhes recomendarem chás, missas e lhes tratarem de amarrações e outras confusões.
Será assim tão difícil acreditar no trabalho que elas próprias fazem, nas suas cabeças, a imaginar sozinhas toda a espécie de males e traições, vinganças e protecções é mais do que suficiente para subsistir nesse mundo de encantamentos e perigos criado individualmente e sem outras ajudas? 
Que maiores bruxarias que as das nossas cabeças serão os outros capazes de produzir, em comparação com as vilanias imaginadas de cada vez que alguém nos magoa ou contraria?
Tristes e inseguros bruxos e bruxas, fechados nos seus universos de magias imaginadas dos outros contra si, que requisitam e consomem avidamente a validação de actos que atribuem aos outros e, afinal, brotam de si mesmos... 
Mais, as pagam a preços comparáveis aos das cirurgias mais avançadas, também necessárias pelos preconceitos que igualmente adoptam sobre si próprios.
É um sistema de pensamento muito popular, assim como o das sociedades que imaginam perigos e conspirações para as quais criam medidas de defesa desnecessárias, que acabam por se estabelecer como normas que encasulam os indivíduos em sistemas paranóicos de defesas que se tornam ataques à sua capacidade de criar enquadramentos mais positivos e funcionais.
O preconceito é assim, uma ideia feita desnecessária, limitativa e perfeitamente substituível por outras com maior capacidade de expandir a felicidade e outros bens positivos.



sexta-feira, 21 de agosto de 2015

saltos no escuro

"Vertigem" de Fabio Giampietro

Careço de alguma coisa que não está às claras por aí, que não é óbvia, nem específica. Que me impele em direcções contrárias a todo o bom senso, a toda a certeza. É uma vertigem, uma ansiedade que troca as voltas a qualquer plano anteriormente gizado. 
Isso torna-me previsível, nas palavras de quem se incomoda com as constantes guinadas dos meus impulsos, vistos pelos olhos de quem gosta de se ater a caminhos usados e descobre a previsibilidade no meu imprevisível. 
Na verdade, é a busca do imprevisível que me captura e me afasta das tramas calculáveis. O apelo incontrolado de todas as outras possibilidades ainda por criar é, cada vez mais, o meu motto
Esvaziado de perigo, surge em intensidade crescente num mundo em que os modelos previsíveis esgotaram há muito a capacidade de nos encantar. Os modelos de pensamento comuns têm o efeito de multiplicar a infecção do tédio e do desânimo.
A tristeza não é um caminho, mas um sinal. De que temos de perseguir essa inclinação para outras dimensões que não nos exponham a mortes prematuras.
Careço pois do que não está por aí e que apenas depende de mim para ser criado. E é nessa vertigem desconhecida, nessa inclinação para me lançar no que ainda não existe que se desenha o alargar da minha experiência.
Prefiro um salto no escuro e na turbulência ao sufoco de limites a que se associa absurdamente a segurança, pois a falta de ar e de tudo não é um conceito de vida nem de felicidade. Nem que se teime em transmitir como bom para os outros.


segunda-feira, 10 de agosto de 2015

verdadeiro poder


Imagem daqui
Quando pensamos em poder, a imagem que nos ocorre de imediato é a de força, de qualquer coisa física potencialmente avassaladora e, se possível, até cerramos as mãos e retesamos os músculos, no nosso aprendido hábito de resolver tudo pela potência física, pela reacção que acreditamos capaz de derrubar todos os obstáculos, pela nossa crença orgulhosa em que podemos e devemos resistir até à última gota das nossas possibilidades.
O verdadeiro poder, no entanto, não está nos limites da força física que, por definição, têm um fim jurado assim que outras forças maiores se manifestam.
A subtileza, o que erroneamente não julgamos como força, é o poder autêntico. Quando nos afastamos da manifestação da força e do físico, quando entendemos que a fluidez contorna todos os obstáculos, e compreendemos que a força e o poder vêm da harmonia e do não engajamento na reacção, que nos toma tempo e energia esgotáveis, aí estamos a apontar na direcção certa.
Ficar livre para descobrir os caminhos de menor esforço, que unem em vez de desunir pela competição, é um passo inteligente para praticar a verdadeira força, o verdadeiro poder.
Se não mudarmos os nossos hábitos limitativos para a visão correcta, os triunfos serão sempre limitados e inconstantes. As consequências imprevisíveis pelos resultados que nos frustram, de tão afastados da verdade e do desejável.
O verdadeiro poder reside na capacidade de nos orientarmos pela leveza, pelo que é naturalmente fácil e compensador. É um ganho mental e, portanto, não sujeito às vicissitudes de um mundo físico moldado por ideias redutoras e geradoras de esforços que jamais sentimos compensadores.
Por isso nos confrontamos agora com um mundo caótico, regido por leis que não seguem a subtileza criativa. E, no entanto, privado da emoção que nos guia na direcção certa ou errada, o universo é criativo e acompanha com fidelidade o nosso constante desejo de evolução. Assim, obedece cegamente à nossa errónea noção de poder, esmagando pela força tudo o que se materializa.
Mais do mesmo e não o paraíso que desejamos, visto que o investido se resume às limitações da força bruta em que preferimos acreditar, em vez de exercermos a subtileza da inteligência e da fé no que decorre facilmente de não passar a vida a tentar derrubar montanhas usando a matéria em que são pródigas e superiores.
Há um outro mundo além da montanha, que não se atinge nem sequer com a força de explosivos ou outros engenhos similares. Apenas porque não são subtis, nem necessários. O mundo além da montanha atinge-se com inteligência e vontade de ver as coisas de outra forma, de desistir do orgulho que nos impede de partilhar com os outros o que é de todos, o que nunca deixou de ser propriedade universal.
Em algum ponto do nosso percurso perdemos esse bom senso vital que nos permite viver em paz, sem o medo constante da perda, sem a fé de que temos sempre tudo aquilo de que necessitamos, para respirar, fruir e aumentar todas as nossas experiências.
Que poder têm os outros sobre nós nessas circunstâncias? Onde está então o verdadeiro poder?





quarta-feira, 5 de agosto de 2015

o assédio e a outra maneira de ver

imagem daqui

O assédio, ou o medo em todas as suas versões (incluindo a da raiva e a da reacção não assertiva), tornou-se o valor-guia de todas as interacções. Mesmo buscando desesperadamente por alguma coisa diferente, pouca gente se lembra da gentileza e do seu poder, de que a partilha é um acto de amor e que a sua prática o dissemina. Afinal, ovelha mansa mama do seu e do alheio.
Há outra maneira de ver as coisas, é possível sentir e agir de forma diferente. Mas quanto é que estamos dispostos a investir nisso e desistir das vinganças, das razões do nosso umbigo, do orgulho e da teimosia para apostar na tranquilidade e na boa relação com tudo e todos?
Trabalho de buda, de santo, dirão. Mas é uma escolha, se não suportamos mais o conflito e as suas devastadoras consequências na nossa vida. 
Achar que ainda aguentamos, que temos de aguentar, quando tudo já se desmoronou à nossa volta, quando já somos incapazes de olhar em volta com uma centelha mínima de esperança, é suicídio, não coragem.
A bravura está aqui em desistir do sistema louco e caótico que nos impõem e permitir que outros valores, que outras ideias tomem o lugar das que nos enlouquecem. 
Somos capazes disso? Estamos suficientemente esgotados para permitir finalmente que uma sensação de alívio nos preencha e dê os primeiros passos para restabelecer a paz dentro de nós? Queremos realmente isso?
Acho que queremos. Apenas não sabemos ainda como. Há que fazer a pergunta. Abrir a janela e gritar: como é que faço, como é que me livro deste sistema de pensamento que me sufoca? 
Tem de haver outra maneira de ver as coisas. E há.






sexta-feira, 31 de julho de 2015

o sufoco das ideias feitas

Remendos -- by MMF
Neutro (do latim neuter, neutra, neutrum = "nem um, nem outro: símbolo de indeterminação, com o mesmo significado usual) refere-se a algo que, por si, não toma partido de qualquer dos lados duma disputa. Aquilo que é imparcial, indiferente. Também dito neutral. (Wikipédia)

E se tudo fosse neutro? E se andássemos para aí a atribuir qualidades mais ou menos de acordo com o que fomos treinados toda a vida para o fazer, em vez de atribuir a tudo as qualidades que mais nos beneficiam?
Por exemplo, quando achamos que alguma coisa é boa ou , agradável ou desagradável, bonita ou feia, a que nos reportamos? A ideias e conceitos que temos na memória, aprendidos de acordo com convenções que nos vêm dos outros, da educação, do socialmente estabelecido.
Como no caso do elegante ou deselegante, um corpo perfeito ou imperfeito, de acordo com a moda que, como todos sabemos, é uma coisa volúvel e impermanente.
Se esquecermos esses pré-conceitos, se abrirmos os olhos como um bebé recém-nascido, sem memória desses ensinamentos, veríamos as coisas de uma outra forma, com uma abertura capaz de nos surpreender.
As ideias e conceitos que nos são passados até podem ajudar-nos a funcionar socialmente dentro de um milhão de condições que rapidamente se tornam demasiado limitativos para agradar a toda a gente. Eventualmente, ao fim de algum tempo, todos nós acabamos por experimentar insatisfação e infelicidade com esse acumular de condicionantes que nos abafam.
Voltar a considerar a neutralidade como o princípio de todas as coisas, abrindo lugar a novas formas de ver e apreciar as coisas, não só é possível, como refrescante e um meio de descobrir soluções e outras formas de viver sem os compromissos mentais a que nos sujeitamos sem questionar.
No final, quantos de nós estão dispostos a rever os seus conceitos e ideias pré-adquiridas, ou a exercitar a sua capacidade de os reconhecer?



quinta-feira, 30 de julho de 2015

não é fácil, nem está certo

Cycle of Greed - by Anthony Rosbottom
Não é fácil. Não é mesmo nada fácil despertar logo pela adolescência para um apetite incontrolável pela fama, pelo dinheiro e pelo poder. Os excessos hormonais não são bons conselheiros, nem equipam as pessoas para fazer o penoso caminho de se juntarem a um partido político e passarem por todas as humilhações inerentes durante o melhor tempo das suas vidas, fazendo todo o tipo de trabalhos básicos, que mais ninguém quer fazer, só porque se é o último a chegar.
Estar presente para não perder o lugar, dia após dia, a aguentar longas horas com o único fito de subir na vida, esquecendo o que ela realmente é. Aturar intermináveis reuniões, congressos, campanhas e iniciativas, a ouvir sempre as promessas de quem não tem a mínima intenção de as cumprir, viver na sombra das mentiras dos outros, a dizer yes, yes, yes e a mostrar uma admiração e uma fé inexistentes. Tudo na mira de um futuro de lucros.
Assistir de camarote a todas as combinações trapaceiristas, colaborar na elaboração de embustes e rasteiras, aprender como extrair o pior dos outros para benefício próprio. Não pode ser bom, não pode favorecer um crescimento feliz e saudável, numa altura da vida em que o carácter pessoal está exposto e capaz de beber todas as influências.
Acabar como porteiro de um ministério, ou a zelar pelas mais intrincadas burocracias, códigos, regras e consequências, numa qualquer assessoria até alguém pôr um pé em falso, para então subir um degrau mais na penosa carreira política. Estar constantemente a convencer os outros de que a submissão canina e a falta de princípios conferem o direito a um ordenado e a uma posição nas listas.
Não é fácil a reles vida de um político em ascensão. Pelo contrário. É um aprendizado do medo, do poder apenas como abuso sobre os outros ou humilhação e perda. Para ganharem, os políticos acreditam que todos os outros têm de perder. E que têm de ganhar sempre mais e mais, porque o contrário é forçosamente perder.
Por isso, por que se indignam as pessoas que neles votam e depois os insultam nas redes sociais? Como podem acreditar que seres humanos, moldados nesses termos de abuso e de violência psicológica, podem ser governantes diferentes e demonstrar bom fundo, justiça, caridade e capacidade de gerir os bens públicos com as práticas anti-democráticas mais bem consolidadas nas suas mentes, nas suas vontades e na memória de cada célula dos seus corpos?
Não é possível que essas pessoas se tornem, de repente, credíveis e merecedoras de um único voto. Votaríamos nós em cães treinados para nos atacar e para nunca obedecer à nossa voz de comando?
Também não é humano condená-los depois de termos atado firmemente uma venda e votado numa lista com os seus nomes, ou deixado de votar num sistema para agora o acusar de não funcionar. A responsabilidade é de cada um de nós.
Como também somos responsáveis por permitir que esses pobres diabos sejam formados em grupos que funcionam como seitas, bandos de junkies e associações criminosas. Se fossem os nossos filhos, irmãos, amigos, não faríamos de tudo para evitar a sua perda e ruína? 
Votar neles é mantê-los em casa sem trancar as portas e esperar que tenham a força suficiente para não esvaziar os porta-moedas e levar o televisor da sala para trocar por uma nova dose.
Como alcoólicos, drogados e outras vítimas de adições várias, essas pessoas têm de ser encaminhadas para uma reabilitação. E a Procuradoria da República devia investigar a actividade de todas as associações criminosas que produziram a sua falta de carácter e dependência.
Isso sim, é o que devia fazer-se, em vez de entregar o destino das riquezas do País, a produção de leis e o policiamento a essas pessoas de diminuída capacidade para praticar o bem para si e para os outros.



  

terça-feira, 21 de julho de 2015

contraste

Jumble of bikes, by Mike Rubbo

"Contrast is the difference in luminance or color that makes an object (or its representation in an image or display) distinguishable. In visual perception of the real world, contrast is determined by the difference in the color and brightness of the object and other objects within the same field of view." [https://en.wikipedia.org/wiki/Contrast_(vision)]

O contraste é uma experiência, uma escolha que se impõe quase permanentemente. Até à exaustão, ao ponto de não o desejarmos mais. Mas não é o contraste que cansa. É o julgamento que dele fazemos, a não aceitação e, portanto, a falta de capacidade para o receber. 
Sem ideias pré-concebidas, o contraste é uma fonte de inspiração, uma reciclagem de energias. Sem ele, a nossa visão perde o interesse, acinzenta-se e cai em depressão. 
A norma, que ninguém sabe o que é e que não passa de um conceito elaborado a partir de uma noção de ordem/limites que nos reduz, estabelece o confinamento do contraste, sugerindo que o exagero é negativo, que nem oito nem oitenta, que há uma fronteira da qual não se deve passar. Pese embora o facto de nunca alguma vez se ter visto uma fronteira, a não ser a dos copos de água e de outros recipientes para conter porções de qualquer coisa, todos sabemos que a porção faz parte de um universo sem limites e sempre em expansão. 
Confunde-se, sem base lógica real, a experiência do contraste como nefasta sem exagero, sendo que o mesmo se aclama quando aplicado a determinadas buscas, mas não a outras.
A universal mania de estabelecer limites que são aceitáveis nuns casos e noutros não é apenas um reflexo de ideias que se impuseram como verdades, mas que mudam e evoluem com grande desprezo pela qualidade absoluta da verdade: a sua incontestabilidade total.
Aceitar que alguns contrastes são mais aceitáveis do que outros é admitir que a verdade pode mudar e deixar de o ser, em vez de reconhecer que os limites que nos impomos não podem ser verdadeiros, apenas porque a verdade é ilimitada.
Nada, além das fronteiras ou prisões criadas dentro das nossas mentes, nos impede de corrigir os nossos conceitos e voltar ao gozo gratificante dos contrastes.



segunda-feira, 20 de julho de 2015

ler traz felicidade

Desenho daqui

A leitura traz felicidade e isto não é uma afirmação vã. Basta pegar num livro quando estamos transtornados e começar um parágrafo para experimentar de imediato uma realidade diferente da que nos pôs naquele estado.
Quando não consigo meditar e, através dessa prática, readquirir o meu equilibro, leio. Ou desenho, ou pinto, ou ouço música. Às vezes vejo um filme. Algumas pessoas ligam a televisão e vêem novelas. Outras recorrem a palavras cruzadas, sudokus, grandes questões matemáticas ou da física. Ou numa mais corrente forma de concentrar a atenção como a jardinagem, a cozinha ou o arranjo de uma torneira.
Todos nós temos, sem nenhuma forma especial de aprendizagem, estas formas de nos concentrarmos numa tarefa que nos desliga de um momento difícil para nos mergulhar num outro espaço e tempo em que a realidade tem um ritmo e uma tonalidade muito mais apaziguadoras.
Não consigo meditar é uma expressão sem significado para quem tem consciência de todos estes pequenos instrumentos de acesso imediato à paz e à felicidade.
Ficar em sossego, bem sentado, a prestar atenção à respiração, ao movimento do ar que entra e sai do nosso corpo é tão bom como pegar num livro e mergulhar num outro espaço mental, ou cozinhar com atenção um prato que nos apeteça no sossego da cozinha.
É tão bom como ouvir um concerto e deixar que as emoções corram de vez com o nosso constante esforço para julgar tudo e todos à medida do que tão bem nos treinaram para fazer e tão mediocremente molda as nossas vidas.
Ler traz felicidade e contacto com o mundo dos outros. É o nosso veículo de transporte mental para vidas, viagens, sonhos e aventuras que existem em outras cabeças e que podemos partilhar instantaneamente.
Ler livros é uma obrigação quando tudo o resto que é preparado para nosso consumo se limita a pacotes de regras, leis e notícias cuidadosamente formatados para nos amargurarem a vida e nos manterem sob o efeito do medo, a droga mais mortífera e livremente traficada dos nossos dias.
Leio com consciência de que quem escreve produz uma diversidade e uma abundância de oportunidades a que dificilmente se tem acesso num mundo aparentemente desesperado e desertificado pela falta de ideias, de nobreza e de entusiasmo pela aceitação de outras formas de ver, sentir e pensar.
Fico mais feliz assim, sabendo que o que os livros me trazem são as ideias de quem vive mentalmente muito mais do que parece possível e que partilha comigo essa riqueza extraordinária.


sábado, 27 de junho de 2015

os meninos grandes que não partilham o recreio



O problema dos Portugueses e dos outros países é a pequena distorção do conceito de democracia que foi introduzida na prática política de quem se faz eleger pelos outros. Não é necessário ter uma maioria absoluta para governar, visto que isso diz respeito às ditaduras e não às democracias.
Em algum ponto da sua luta pelo poder, os agentes políticos esqueceram-se do que estão a fazer e do que representam. Usando a capa da democracia, instalaram a ditadura dos grandes partidos e querem mantê-la exigindo maiorias para não terem de negociar as melhores soluções para todos. Com a maioria, impõem as suas soluções e está tudo bem.
Ora, se as pessoas elegem representantes de três grandes partidos e ainda mais alguns de mais meia dúzia, todos eles deviam estar presentes na Assembleia da República, no Governo e nas Autarquias. Todos eles deviam participar das decisões e soluções, para que de facto se respeitasse a totalidade dos votos vertidos em urnas.
Dessa forma não se verificaria a ditadura dos grandes e dos seus interesses e todos seriam obrigados a considerar todas as soluções e a encontrar a melhor moldura para todos os portugueses e não apenas daqueles que conseguem ver-se representados nos órgãos de governação.
Isso não acontece e o resultado é a pior das soluções para todos, incluindo os ricos e poderosos beneficiados com as suas alianças temporárias com os partidos poderosos. O sistema favorece desta forma as iniquidades e a corrupção, assim como as perseguições políticas e policiais dos heróis e vilões, assim que a liderança muda.
O problema do senhor António Costa, assim como do senhor Passos Coelho, do senhor Paulo Portas e outros senhores, que há muito tempo deixaram de crer na democracia e apenas viram nela um trampolim para as suas ambições pessoais, é apenas a enorme falta de respeito que têm pelo princípio da igualdade entre todos os seres humanos e a sua incapacidade pessoal de encontrarem soluções em conjunto com os líderes de outras ideias para a governação.
Os seus preconceitos sobre quem deve governar o País são moldados pelo seu receio constante de perder o poder a que nunca tiveram direito, por ter sido obtido pela mentira de que acreditam nos ideais democráticos. Mas, no fundo, nenhum deles suporta sequer a ideia de negociar com outros que lhes possam roubar o protagonismo e o poder que amealharam de forma ditatorial, aos empurrões a quem não usa as mesmas armas, nem quer impor-se pela força.
Os seus projectos de governação, não são, por isso mesmo, aceitáveis nem viáveis. Continuarão a servir apenas os seus interesses e não os dos governados. A melhor solução é a que a todos serve e isso não é o que querem, pois nos seus projectos há sempre quem ganhe e quem perca. O investimento em todos é uma porção vazia na cabeça e nas intenções deste tipo de políticos.
O problema é que os movimentos que se assumem como alternativa também sofrem da mesma privação, de tão moldados ainda aos usos e hábitos partidários. Não produzem soluções aceitáveis porque a sua preocupação é derrubar o poder e, isso conseguido, ficam com o poder no mesmo figurino existente. Tudo o que sabem é o que não querem e não preconizam o que rela mente deve ser feito.
Se as pessoas votam em cinco partidos, esses mesmos cinco devem integrar todos os órgãos de governação, participar e assim validar o acto eleitoral e a vontade das pessoas que através dele expressam a sua vontade. Se dezoito são votados, então são dezoito, ou dezassete, se um deles tem apenas o voto do vizinho do lado, a governar e a colaborar para soluções que a todos abranjam e beneficiem.
Essa é a democracia desejada e não há ninguém que não se sinta frustrado e desesperançado depois de participar num acto eleitoral, verificando que o seu investimento político vai ser desprezado e, se possível, perseguido e aniquilado, apenas porque não é suficientemente forte. 
Que raio de estado de direito permite que estas pessoas vivam em terror após as eleições e que os seus direitos passem a valer menos que os dos outros por causa disso? Que lei valida este tipo de abuso durante quatro anos e permite que se instale uma caça às bruxas durante esse período? Nenhum e nenhuma que de facto defenda o interesse dos cidadãos, independentemente da raça. do sexo, da religião e, certamente, das suas convicções políticas...
A única solução que uma crise exige é a que serve todas as pessoas e elaborada por todos os seus representantes. Porque a crise é um conflito tremendamente mal avaliado, sobretudo se os instrumentos que a provocaram são os mesmos que se voltam a utilizar para tentar encontrar a solução. Isso faz sentido? Então porque não mudam o que realmente interessa? 
Quando estamos a falar de serviço público não estamos a falar dos meninos maiores que empurram os mais pequeninos no recreio. Estamos justamente a falar de evitar que os meninos grandes fiquem com recreio e as brincadeiras só para eles, que é o que acontece com os políticos actuais, que vestiram a farda mas passam o dia a fugir das suas obrigações, de tão ocupados que estão em garantir e exercer o seu poder, em vez de praticarem a democracia.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

os piratas da informação


Hoje, ao consultar o Público online, aparece-me uma janela como a da figura. Ou seja, a página da web de um órgão de comunicação social, utiliza software malicioso que controla as visitas à página, não anuncia que o faz, nem pede autorização para tal.
Que suposta isenção pode ter um órgão de comunicação social que pratica o que deve denunciar sobre os outros? Que dizer dos artigos em que supostamente denuncia más práticas e iniquidades? Que valor tem a informação que veicula?
Os cursos de jornalismo das universidades há muito que deviam ter sido extintos, visto que o código deontológico do jornalismo é um conceito igualmente extinto e ultrapassado. Quando a comunicação social, ou o quarto poder, se transforma descaradamente numa máquina de propaganda de interesses e abdica da sua função original, nada há que justifique a confiança na informação que propaga. Muito menos quando ignora sistematicamente injustiças, direitos e o livre acesso à informação.
Na verdade, a preciosa informação que o Público disponibiliza online está disponível por toda a net, noutros órgãos de comunicação social e pelas redes sociais, por quem queira armar-se em jornalista ou dar a sua opinião sobre actos e factos.
Poderia dizer-se que não é o mesmo, que não há isenção ou cuidado com verificação das fontes, da veracidade da informação, etc., etc. Mas o mesmo ocorre com os agentes informativos actuais e/ou oficiais. A descrença já feriu de morte a confiança dos consumidores de informação oficial. A manipulação é por demais conhecida para garantir a sua credibilidade.
Há décadas que os meios de comunicação social se esforçam por encontrar uma solução paga ara os seus conteúdos online. Mas tentar a sua implementação com piratices diz tudo sobre as suas verdadeiras intenções.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

o dia dos portugueses

Camões no Retrato Pintado a Vermelho do pintor português de origem espanhola Fernão Gomes
As coincidências são todas significativas e não é por acaso que o poeta da língua portuguesa, Camões, foi escolhido para representar o 10 de Junho, Dia de Portugal e das Comunidades. A propaganda política é, neste caso, uma doninha com um barrete frígio (que afinal vem da Turquia e dos seus heróis e não é um exclusivo da revolução francesa) e que ostenta a bandeira das quinas enquanto estabelece insidiosamente o retrato do português a celebrar: um artista sem o reconhecimento da sua época, um morto-de-fome, um falhado.
Esta é a representação dos portugueses que agrada à propaganda, o desgraçado que se vai buscar ao banco de ossadas e se reabilita na medida da caridadezinha, desligado dos outros, que são poderosos e só se dão em alianças com os poderes externos, com os estrangeiros que também nos desdenham e afinal nos querem comprar.
Ninguém acredita na sobrevivência de um país de apenas dez milhões, que empurra a sua juventude e a sua força de trabalho para o exterior. Já todos falam no seu desaparecimento e planeiam a ocupação do seu território por vários conluios de gente mais habilitada para gozar as belezas do País do que os pouco merecedores portugueses.
Essa é a arquitectura mental com que se celebra este Dia de Camões. Sem qualquer respeito pela vontade dos Portugueses. Até porque a sua integridade física está ferida de todas as formas de exploração e iniquidade possíveis de imaginar. Nunca um povo foi sujeito a um plano de aniquilação tão perfeito e continuado, sem qualquer hipótese de denúncia contra os seus algozes.
A maldade é, felizmente, escassa. Porque trabalha com base na destruição. Nada cria, apenas consome o que já existe.
Ao contrário do amor dos verdadeiros Portugueses pela sua identidade, pelo que representam. E isso é a criatividade, a vontade de ultrapassar as mesquinhas barreiras físicas que lhes impõem.
A verdadeira força está na inspiração que ilumina as sua capacidade mental, à imagem e semelhança do sol que brilha por cá como em nenhum outro lugar (as coincidências continuam a ser significativas), na fé que irrompe nos instantes cruciais e nos faz mover montanhas, dar a volta ao mundo e subsistir a todas as tentativas de aniquilação.
Não é por acaso que as fronteiras portuguesas são das mais persistentes. É pelo amor dos Portugueses e pela sua crença essencial de que os milagres acontecem e não há adamastores que lhes resistam. É porque o Bem infecta qualquer mal e podem vir Chineses, Russos, Brasileiros e outras hordas por cá à conquista, que não lhe resistirão.
O vórtice português é um caso único, como já em tempos reconheceram os romanos e outros invasores. Nem os Miguéis de Vasconcelos, nem outros colaboracionistas, idos e actuais, terão alguma vez qualquer hipótese de aniquilar este mágico Portus Cale, ou Porto do Graal, ou Portugal.
Apesar da negativa orientação emprestada aos seus destinos pelas elites que acham que a vida é um privilégio da matéria e, portanto, dos fortes e poderosos, os Portugueses sabem, no seu íntimo, que é a integridade do espírito que os guia. E a integridade não divide; antes, fortalece todos numa união imbatível. É esse o carisma de Portugal e a atracção fatal de quem tem a sorte de connosco contactar. 

segunda-feira, 25 de maio de 2015

verão de alta temperatura

Freiria - 2015 (Foto: MMF)
Começou o tempo bom e não é preciso ser sábio nem bruxo para prever onde o termómetro vai subir este verão em Cascais. Com eleições à porta, os patrões municipais vão investir forte e feio nas actividades de feira e de alienação das massas, para que não se afobem os defensores de outros PDM e os que não se conformam com o mau caminho dado aos dinheiros públicos.
Porque é verão e ano de eleição, muitos serão os contemplados com trocas de votos por favores vários, promessas e outras diatribes em que já ninguém acredita. Mas a mira da recompensa imediata, contra a hipótese de recompensa nenhuma, é um ganho a muito curto prazo que serve perfeitamente os desesperados.
Música pimba e bebidas fermentadas são a primeira linha de infantaria contra a consciência do absurdo aumento das taxas municipais, a vista grossa às grandes empresas que dominam os bens essenciais a que todos temos direito, e afinal se tratam como bens de consumo de luxo, parquímetros nas praias do povo, enquanto os que os podem pagar frequentam as piscinas privadas, etc.
Estranho mundo este em que se tornou legal roubar desaforadamente o que a todos pertence, graças a um sistema eleitoral que há muito devia ter sido revisto para não permitir que umas dezenas de milhares governem impunemente a maioria, enquanto se desencoraja a participação, a literacia, a crença na justiça e a esperança.
Entretanto, um presidente de todos os portugueses promulga leis que favorecem as empresas de apenas um punhado deles (e de muitas multinacionais), e goza temporadas na residência de verão da Cidadela de Cascais, com absoluto desprezo pelas necessidades daqueles a quem jurou defender e proteger.
Outros propõem-se subtrair ainda mais às pensões dos poucos portugueses que sustentam três e quatro gerações de familiares desempregados, ou reduzidos a salários que nenhum organismo público fiscaliza como promotores de exploração, pobreza e novas formas de escravidão e sujeição, a pretexto de desequilíbrios gatunos promovidos pelos mesmos.
São estas figuras e funcionários por nós pagos que esperam, numa qualquer viagem mental alucinada, convencer os eleitores de que continuam a merecer os seus votos. Por quanto tempo, não se sabe, pois o verão ameaça ser de alta temperatura em muitos sectores.
Cascais, com a sua vocação de concelho modelo para o resto do País, não escapará certamente a estas conjunções de irresponsabilidade e negação dos prováveis resultados práticos desta bandoleirice política.
No fundo, todos os portugueses e cascalenses sabem que merecem mais, e que são mais do que a massa anónima e amedrontada que os seus pseudo-dirigentes acreditam que podem manobrar indefinidamente a seu belo prazer.
Todas as ditaduras são a termo certo e esta em nada difere de qualquer outra, em género ou resultados.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

o abuso dos gigantes


Na passada semana fui pagar uma conta de electricidade à EDP de Cascais. Tirei uma senha, esperei, fui atendida e eis que, para pagar, me mandam para uma máquina. Como não existe anúncio prévio de que se tira senha e se espera para depois se fazer o que tem de ser feito numa máquina, não se entendendo sequer a existência de funcionários ao balcão que depois têm de sair do seu posto para fazerem as operações pelas pessoas, e antevendo ainda as dificuldades de gente sem aptidões informáticas e/ou com idade para ver a sua vida facilitada e não complicada por uma qualquer empresa que o entende conveniente para si, mas não para os seus clientes, pedi o livro de reclamações.
A funcionária atendeu prontamente o meu pedido, escrevi a reclamação, preenchi todos os dados que me eram pedidos e devolvi o livro. Eis que a funcionária saca de um post-it amarelo e pede o meu número de contribuinte. Neguei-me a fornecer-lho, visto que o livro de reclamações não mo exige.
Hoje, para meu espanto, liga-me uma outra funcionária da EDP, soit disant, uma vez que utilizou um número de telemóvel da NOS, a pedir-me de novo o número de contribuinte. Razão alegada: a reclamação não pode seguir porque não tenho conta aberta na EDP e precisam dos meus dados para tal...
Em que momento a EDP ou qualquer outra empresa recolhe os dados do livro de reclamações e os utiliza para enriquecer a sua base de dados, com um cheirinho a ameaça velada no caso de alguma coisa dar para o torto?
Quantas pessoas caem nesta armadilha das empresas que se sentem todas-poderosas e não gostam de perder de vista quem contra os seus abusos reclama?
Não há vergonha, não há honra, não há honestidade, não há estado de direito para quem sofre este tipo de bullying. Que terá a ERSE a dizer ao gigante chinês que decide quem liga e desliga os interruptores?
Imagino o que passam idosos e outros cidadãos menos protegidos em Cascais e no resto do País. Talvez seja altura de mostrar que existe um David para cada Golias...

terça-feira, 14 de abril de 2015

corações que não batem

Foto MMF
A certa altura entenderam as finas cabeças dirigentes que o centro das cidades devia ser preservado, afastando-se dele o trânsito e aumentando taxas e estacionamentos pagos para que as pessoas entendessem, de uma vez por todas, que o que de bom ali existia tinha de ser apreciado e, como tal, o seu usufruto taxado de acordo com o seu valor.
Cascais, cujo centro foi até há apenas um par de décadas um coração palpitante onde todos se encontravam e trocavam utilidades várias, transformou-se numa área que ninguém, além de desprevenidos turistas, frequenta.
Um cidadão de Cascais desce e sobe a rua Direita, o Largo Camões, a Valbom ou o Visconde da Luz ocasionalmente, quando algo de premente a isso o obriga e, se tem a infelicidade de parar para um café, paga-o como se de um ignorante estrangeiro se tratasse.
O centro passou a ser um local em que os quarteirões se transformaram em gigantescas rotundas, com o trânsito a passar atabalhoadamente da entrada para a saída do burgo, sem muitas alternativas para parar ou estacionar, a menos que se tenha uma carteira cheia e capaz de assumir o pagamento mínimo de um carro parado nos locais de estacionamento que invadiram tudo, tornando impossível que uma rua tenha alguma vez dois sentidos.
Não se julgue, no entanto, que o centro melhorou exponencialmente com estas medidas, porque quem tenta por ali passar de carro vê-se em palpos de aranha para se desenvencilhar do trânsito, com um surpreendente número de carrinhas e camiões de descargas a dificultar a passagem a qualquer hora e em qualquer lugar.
As caravanas de autocarros turísticos que estacionam em todas as vias também são uma praga que, com certeza, merecia melhor solução do que ocupar a frente da baía e da Cidadela, ou outros locais com vista que deviam ser mantidos livres para usufruto de todos.
Não foram pensadas as melhores soluções para o centro histórico de Cascais e, surpreendentemente, o poder instituído e a oposição insistem, depois de provas dadas em contrário, que impedir um fluxo normal de cidadãos a essa área esvaziou-a de interesse, uma vez que não são os edifícios, as calçadas, as palmeiras e a beira-mar que fazem a beleza de um local, se não os seus observadores e a empatia que criam com os locais.
O centro de Cascais tornou-se, portanto, o Shopping Cascais, onde as pessoas estacionam de graça, fazem compras, tomam café, comem o que lhes apetece, passeiam sem torcer os tornozelos na calçada esburacada, pagam as suas contas e regressam a casa em segurança. Ou o espantoso Cascais Vila, casado com o tenebroso terminal de autocarros e a inexplicavelmente suja e insegura passagem subterrânea que vem da estação de comboios.
Quando impedidas de gozar de forma livre um local, as pessoas encontram outros e fazem muitos quilómetros para se afastarem do que as sufoca.
O centro histórico da vila mais bem cotada do País tornou-se numa passagem para turistas e carteiristas, estes últimos na sua condição oficial de delinquentes ou de policiadores do bem público maior, que já ninguém sabe exactamente o que é nem onde está, depois de curtas e inexplicáveis passagens por cofres públicos.
Tentar obrigar as pessoas a pagar por uma riqueza, uma beleza e uma história que são elas que fazem, enquanto observadoras e participantes desses fenómenos, é um conceito fútil e, portanto, destruidor.
O coração das cidades só bate através do coração dos seus cidadãos. Impedi-los de se sentirem bem e livres nos centros que eles criaram e a que deram vida é fazer fugir a alma de qualquer local.

terça-feira, 7 de abril de 2015

adoradores do inútil a precisar de ajuda

Ilustração: MMF
Recebo, há duas semanas, chamadas da EDP Comercial que começam com uma pergunta despropositada sobre as vantagens que posso ter na minha factura de luz. Antes disso eram as chamadas das Águas de Cascais, a explicar a sorte que tinha por comunicar a leitura do contador e só pagar a água de dois em dois meses.
Na ignorância de quem escreve estes scripts embrutecidos e embrutecedores para os pobres diabos que tentam ganhar a vida com o marketing telefónico, resta-me lembrar os vampiros dos serviços públicos essenciais que os meus dados não são deles, muito menos para me assediarem e aborrecerem com questões idiotas.
Além de não terem o direito de comprar os meus dados, nem de me assediarem a horas impróprias com as suas campanhas, nada do que é meu lhes pertence para coisa nenhuma. Muito menos para me venderem serviços que mais não são do que simples estratagemas para nos porem a pagar coisas de que não precisamos.
Muito pior se torna a coisa quando compreendemos que o Governo e o Estado, entidades que sustentamos com os nossos impostos de muitíssimas formas, e que só existem para nos proteger e defender, também participam na compra e venda de dados de toda a espécie, da mesma forma que qualquer empresa sedenta de lucros põe isso em prática.
Antes dos grandes interesses económicos se assumirem tão descaradamente eram apenas considerados pelo que realmente são: uma voracidade anormal pelo armazenamento de lucros (ou poderes) que nunca terão capacidade para usar na totalidade e, portanto, desperdiçam. A ambição desmedida só dá origem a perdas igualmente desmedidas. Portanto, inúteis em género e quantidade.
Se é para isso que traficam os nossos dados, eles não vos pertencem logo à partida, nem nunca pertencerão. E isso é apenas mais uma parte da grande inutilidade que vos orienta. Pena é que o nosso dinheiro não seja gasto a impedir-vos de cometer crimes contra os outros e contra quem os pratica, visto que o resultado final é tão desolador que quem deles participa só pode estar doente e a precisar de ajuda.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Michel Houllebecq e o extremismo dos média



David Pujadas (22 Heures) faz desta entrevista uma espécie de inquisição ao trabalho do escritor. Ao que parece, ser um autor de grande sucesso obriga o romancista Michel Houllebecq a justificar todas as "intenções" da sua ficção.
Nesta sociedade obcecada com o controlo das ideias, o "grande jornalismo" perdeu de vista a sua vocação original para assumir o papel das grandes tendências deste século: ao indivíduo é exigido que se retrate sempre que se afasta da ideia decidida pelo establishment, enquanto aos políticos e figurões dominantes se sugere, timidamente, que nos elucidem sobre as suas determinações.
David Pujadas não ouve o entrevistado, ignora sistematicamente as suas respostas, tendo logo de início estabelecido que Michel Houllebecq gosta de ser polémico, e durante as suas intervenções, tem o cuidado de olhar com frequência para a câmara e assegurar que ele é a estrela da entrevista e que as suas palavras são dominantes durante a mesma.
Truques de algibeira para desacreditar o papel do escritor e a sua obra, que é uma das mais lidas actualmente. David Pujadas chega ao ponto de confundir o autor com asa suas personagens, como aquelas pessoas que, na rua, abordam os actores das telenovelas e os confrontam com os defeitos e qualidades das suas personagens.
Triste espectáculo o desta entrevista, em que o escritor é acusado de dar um presente a Marie Le Pen, com a publicação do seu último romance "Soumission", lançado este ano. Mal se ouve a resposta de Michel Houllebecq, afirmando que nem considera o "extremismo" descrito como tal.
Na realidade, ninguém está interessado em saber as razões do escritor quando tenta dar veracidade às suas personagens. O importante é convencer os seus leitores de que é um extremista e impedir os futuros leitores de comprarem a sua obra ou, fazendo-a, que a leiam sem os preconceitos do regime instituído.
No fundo o establishment sabe que o domínio das ideias é o único e verdadeiro poder, sendo pois de extrema importância condicionar o pensamento de todos através de conceitos que não são, nem inteligentes, nem verdades universais, mas apenas castradores e consubstanciadores do verdadeiro extremismo e do verdadeiro terror: a ideia de que as ideias têm de ser limitadas e que a violação deste facto constitui um perigo e, portanto, um crime.
O extremismo limita e, nesse aspecto, a ordem mundial a que estamos sujeitos é de uma castração ímpar. Michel Houllebecq pensa tão livremente quanto pode, escreve da mesma forma e, como muito bem diz, o que as pessoas pensam é com elas. E não há regime que possa impedir esse facto, embora as tentativas sejam muitas, repressivas e a maior tolice de que um ser humano é capaz.

sexta-feira, 27 de março de 2015

Artemisia Gentileschi: uma história de grande actualidade



Num meio dominado por homens, a pintora Artemisia Gentileschi teve de provar a sua inocência como vítima de violação por parte de um pintor contratado pelo pai para lhe dar aulas. Uma história de grande actualidade, visto que apenas uma ínfima percentagem de mulheres consegue, nos dias de hoje, ver os seus direitos plenamente reconhecidos. E em que o feminismo é um termo ainda vergonhoso para qualquer dos géneros, especialmente para o feminino. A obra de Artemisia Gentileschi deixa antever toda a revolta que deve ter sentido e os seus fantásticos dotes artísticos.

terça-feira, 24 de março de 2015

absolutamente felizes

Melucha, Marita, Ana Margarida (foto: M.V. Moreno Ferreira - Vila Paiva de Andrade, Gorongosa)
Usamos o passado para calcular o futuro e, dessa forma, devíamos fixar-nos em momentos absolutamente felizes, como este, de uma infância vivida sem a pressão de memórias desagradáveis. Dessa forma não envenenávamos o presente e evitávamos o pavor de futuros que só desatinam na nossa cabeça.

quinta-feira, 19 de março de 2015

dia do pai, dia da mana


Tudo começou em Vilanculos (ou Vilankulos, segundo a moderna grafia moçambicana), há cinquenta e quatro anos. A quarta de cinco manas nasceu em casa, que na altura era um sítio mais seguro do que o hospital local. O médico contou com a ajuda de um parteiro especial, o meu pai. Por isso celebramos a dobrar esta data.

sábado, 7 de fevereiro de 2015

os Peter Pan e os maus argumentistas

Greek Finance Minister Yanis Varoufakis, speaks on his phone during the vote for the president of Greece’s parliament in Athens. Photograph: Petros Giannakouris/AP
As portuguesas votariam em massa num Varoufakis, sim senhores. Votavam na careca, na ausência de gravata, na roupa casual, no sorriso sempre bem disposto. Votariam nele até começar a usar óculos, fatos cinzentos, gravatas estúpidas e até abandonarem a crença de que tudo pode ser diferente, assim o queiramos acreditar.
O Syriza pode seguir o mesmo caminho que os outros, pode ficar enterrado no poder muito maior do que a vontade local, mas também pode gabar-se de ter ressuscitado a esperança e a fé de quantos querem acreditar que tudo pode ser diferente. Os seus dirigentes-Peter Pan estão a encantar os pobres e oprimidos, os que ainda anseiam sonhar e não se vergar aos entediantes interesses financeiros alheios.
Enquanto os gregos sonham e esperam que um milagre se abata sobre as suas rebeldes cabeças, os portugueses asistem, impávidos, à esperteza suicida de políticos, bancos e empresas que sobem preços, despedem, manietam os cidadãos e, com ar de heróis de BD nonsense, declaram que estão a endireitar a vida do País.
Porque todo o acto é voluntário, mesmo se inconsciente, acredito que os cidadãos lusos têm em mente uma espécie de solução final, não de campos de extermínio, mas de deixar o caminho livre a quem tão bem se extermina por si só. Porque no final de todos os impostos e novas regras hitlerianas de uma economia que se tornou pirata e corsária contra si própria, com todos os seus alucinados anoezinhos da engenharia financeira a correr todos para o mesmo lado, os portugueses estão preparados para assistir ao fim do mundo com uma sandes de atum e um copinho de água da companhia tirada da torneira de uma repartição pública.
A escolha de capítulos a assistir é magnânima: bancos a chorar as centenas de milhares de casas vazias subtraídas às famílias, empresas cheias de intenções de produção sem consumidores à vista, governantes com polícias de todo o tipo à espera de cair sobre cidadãos que nem sequer têm como quebrar a lei.
É o cerco virado para si próprio, tropas de assalto preparadas para se abater sobre coisa nenhuma, pois não resta o que roubar, apreender, confiscar.
Cabboum!, diria o último quadrinho da BD nonsense, e: The End!
Há gente mesmo incapaz até de criar bons argumentos...

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

apologia: qualidade de vida

Sistema informático de senhas do Centro de Saúde de Cascais
Na semana a seguir ao Natal uma alergia nos olhos da minha mãe fez-me ligar para o número da Saúde 24, um serviço que funciona bastante bem e nos encaminha criteriosamente para os serviços médicos mais adequados a cada caso. O Centro de Saúde de Cascais foi o indicado, na ocasião.
Lá chegadas, a primeira imagem foi a que se reproduz acima, com o maravilhoso aparato tecnológico das senhas de atendimento engalanado com cordel, rolo de senhas e folhinhas coladas a fita-cola, uma delas escrupulosamente escrevinhada à mão. (E reparem nos fios à direita, enrolados e à mão de semear, como convém em termos de segurança...)
As pessoas chegadas ao balcão, pois não eram só as senhas apenas que não funcionavam. O sistema informático em baixo, incapaz de receber os faxes do Saúde 24; nem os telefonemas se aguentavam. Médicos não havia, à excepção dos que se passeavam à espera de casos específicos, imagina-se, uma vez que para os casos como os da minha mãe e de outros, não havia. Estavam na hora do almoço alguns, enquanto os outros não se sabia se atenderiam.
As funcionárias, à falta de argumentos, repetiam incessantemente o que podiam fazer, que era explicar que não havia atendimento, pelo menos até chegarem médicos ou qualquer milagre caído do céu. Ao pedido do livro de reclamações reagiram defensivamente, como se a culpa fosse sua. Mas não era e a queixa foi feita, mesmo com pouca confiança nos resultados que daí podem advir. Se não se faz é o mesmo que concordar que tudo fique na mesma e isso é, no mínimo, incoerente e fútil.
Novo telefonema para a Saúde 24 remeteu-nos para as urgências do Hospital de Cascais que, como é sabido, não tem urgência de oftalmologia. Daí, com alguma sorte, encaminhar-nos-iam para as urgências oftalmológicas do Hospital Egas Moniz e, se não tivéssemos mesmo sorte, repetir o processo para as urgências do Hospital de Santa Maria.
Resolvemos não arriscar e recorremos à CUF, onde ficámos três horas, como mais umas dezenas largas de pessoas, também elas fugidas de outras inexistentes soluções. Lembrei-me dos tempos idos do pós 25 de Abril, em que nem a desorganização das infra-estruturas básicas obrigavam a condições tão desesperantes.
Agora, com tanto glamour e tanta festa, tanto prémio e tanta comemoração, tanto artigo elogioso, Cascais, o concelho da riqueza e da qualidade de vida, não tem um centro de saúde operacional, nem um serviço de urgências que cubra a oftalmologia ou outras especialidades que assegurem reais situações de necessidade.
E isso é que é pobreza, porque ela se mede, não pela quantidade de pessoas de baixos ou inexistentes rendimentos, mas pela incapacidade de administrar e bem gerir o património comum e público. Apesar das subidas constantes de taxas e impostos municipais, dos discursos floreados e da propaganda das instituições. 
Igual sinal de pobreza é investir insanamente no marketing político e empresarial sem ajuizar os resultados da comparação natural que o cidadão comum faz entre o que lhe tentam impingir e as suas carências reais. A consciência de todos evolui e é sinal de escassez intelectual acreditar que só a propaganda vai resultar no apaziguamento das incongruências e das assimetrias abismais que se sentem a todo o instante. 
No final, a luz triunfa sempre, uma vez que a sombra é impossível sem ela e a contrária é, simplesmente, impossível.



segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

tudo sobre M.O.M.


Crises, desastres, ameaças, terror, políticos, poder. Tudo M.O.M. Ou seja, Mentira, Ocultação, Manipulação. É uma realidade de que estamos todos cada vez mais cientes. E não é o fim do mundo, nem especialmente desesperante.
Porque, mais importante que M.O.M., é uma pequena e consistente ideia: espírito é pensamento. E espírito é o que permanece, além da vida e das suas agruras e outros passageiros males contra os quais podemos usar o pensamento/espírito, ou a fonte de todas as coisas.
Porque todos nós somos M.O.M., não apenas os maus. Aliás, qualidades boas e más são o uso que entendemos dar a cada coisa em que pensamos. Ou seja, somos nós e apenas nós os agentes do M.O.M. Escolhemos a cada instante atribuir qualidades específicas a tudo o que nos rodeia, segundo os preconceitos, ou ideias prévias que consideramos serem inerentes a isto ou àquilo.
É claro que alguns agentes M.O.M. fomentam esses preconceitos ou ideias pré-definidas do que as coisas são, sobretudo se querem que acreditemos em crises, desastres, ameaças e terrores. O medo, julgam os M.O.M., é uma fonte de poder. Com medo, fazemos tudo o que nos dizem para fazer.
Por isso se criam guetos, minorias, grupos religiosos e outras gavetinhas cujo único propósito é distrair-nos e desviar-nos da verdadeira origem ou fonte do poder: o pensamento, o espírito ou o que quer que queiram chamar à matéria-prima em que de facto consiste a nossa natureza.
Imaginem as coisas que poderíamos fazer se não existissem M.O.M. a atulhar-nos a vista com problemas e apocalipses diários, prementes e, aparentemente, inevitáveis.
Sem os M.O.M., o pensamento é livre, assim como a sua expressão. Ou a sua materialização nas nossas vidas. Seria completamente M.A.M. (Maravilha Atrás de Maravilha). Sem a rede de complicações que nos impigem diariamente, o pensamento ocupar-se-ia exclusivamente do que lhe interessa: moldar as nossas vidas sem medo, sem interferências, sem ruído entre pensamentos e pensamentos.
Os M.O.M são como os filtros de um fogão, entupidos de gordura e de nojos. É preciso mantê-los limpos para se continuar a viver sem os ascos que provocam.
Entendendo os M.O.M., que não podemos alterar por terem origem nos pensamentos dos outros, resta-nos o óbvio: alterar o que pensamos e levar o nosso espírito para longe dos filtros sujos. Compreender que a vida é possível sem a escolha do pensamento oleoso que insiste em nos fazer escorregar e cair. Não somos só M.O.M., mas isso também está na nossa cabeça e distrai-nos de todos os nossos objectivos.
Pensar com mais simplicidade e aceitar que temos essa escolha é a melhor forma de usar a nossa liberdade e escolher a experiência que desejamos. Sejamos isso também.