domingo, 18 de outubro de 2015

inocência




A memória é um fardo que limita as nossas experiências. Aprendemos e acumulamos memórias que nos ditam, a maior parte do tempo, fronteiras que não devemos ultrapassar. A memória está no passado, onde passamos a maior parte da nossa vida, e quando queremos fugir disso projectamos um futuro que se baseia na nossa aprendizagem. 
Esse futuro, graças à nossa memória, é sempre limitado pela nossa experiência e, portanto, desalentador.
O momento presente não é vivido por falta de inocência. Não somos capazes de ver além do nosso passado e do nosso futuro, sempre balizado pelo minúsculo denominador comum da memória.
Tudo está em aberto e as possibilidades são ilimitadas se deixarmos de lado a pequena experiência do que aprendemos.
A inocência, a liberdade de não nos apoiarmos apenas em memórias, é o encantamento, a paixão e a força de começar do zero, de nos permitem novas experiências.
O apego ao passado acumulado na nossa cabeça tolhe-nos e aprisiona-nos num mundinho limitado e sem interesse.
Apesar do cansaço dessa forma de entender a vida, poucas vezes nos concedemos a liberdade de esquecer de tudo e viver o momento presente, sem afunilar as nossas hipóteses ao já vivido.
A memória não é uma coisa boa quando queremos mudar alguma coisa.
O amor, a empatia, remetem-nos à nossa inocência original. Quando se dão, vemos tudo com novos olhos, acreditamos, nada mais tem importância. A emoção que sentimos é suficiente para pormos de parte todas as memórias, todos os avisos à navegação. Nada mais importa senão o sentimento de que tudo é possível.
Porque amamos e isso anula todas as memórias do que nos faz desconfiar, do que correu mal no passado, dos lugares-comuns que nos travam constantemente.
Amemos portanto o momento em que estamos, com a inocência de um recém-nascido, sem experiências limitadoras, sem aprendizagens castrantes.


terça-feira, 13 de outubro de 2015

amigos

friends, by rumoresdenuvens/maritamorenoferreira - digital painting
Amigos são a nossa terra natal. Fazem parte da solidez das nossas convicções, emoções e certezas. Mesmo quando não estão próximos, nunca deixam o espaço mental que habitamos. Não precisam de ser como nós, nem de concordar connosco em tudo. Existem apenas e não desaparecem. Às vezes nem são próximos, nem muito conhecidos. Mas fazem parte da muralha em que nos apoiamos.



segunda-feira, 5 de outubro de 2015

porcos, para que vos quero?

Pig by Adam Brett









O porco é um dos meus animais preferidos. Até gostava de ter um em casa, por achar que os são uma excelente companhia, além de muito inteligentes. Mas cheguei à conclusão de que já não me apetece viver paredes meias com quem não é capaz de tratar sozinho da sua higiene pessoal. Acredito que limpar a porcaria dos outros não é a minha missão pessoal. Além disso, como explicaria ao bichinho a carne de porco à alentejana?
Sem falar no facto de ter de aprender a grunhir em tempo recorde, para ter de estabelecer uma forma mais ou menos justa de comunicação. Não que espere que os porcos, cães, gatos, cavalos, galinhas ou periquitos façam o mesmo, pois o preconceito de ter de ser eu a estabelecer o elo mais justo entre nós é meu e não deles. Quem nasce burro acaba a pastar.
No fundo, o impulso do relacionamento é um furacão com artes de atracção quase inexplicáveis. Por que razão hei-de procurar uma relação com um porco, com contornos tão abaixo do que considero uma partilha equilibrada? E, no entanto, ela desenha-se como possível no momento em que ponho os olhos no bichinho.
O porco não é, claramente, o único objecto desta compulsão. Até uma inanimada caneca de café tem artes de me arrancar afeição. É mais do que apego e manifesta-se nas mais surpreendentes circunstâncias, até naquelas em que a lista de desvantagens se desenrola vertiginosamente na nossa cabeça no instante em que emerge essa urgência de contacto com o exterior.
Porcos, para que vos quero?
Só pode ser um bug, ou o vírus do plano divino, em que tudo está ligado e não temos outro remédio que o de aceitar que todos os porcos suscitam em nós empatia e uma sensação de pertença que vai bem além dos nossos preconceitos.
Venham de lá esses porcos...