quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

continuem a sonhar

foto daqui
Nos idos anos 80, quando ainda era a única via de comunicação entre Lisboa e Cascais, alguns dos troços da belíssima Estrada Marginal estiveram sob ameaça de colapsar devido à erosão provocada pela água do mar.
A construção da autoestrada de Cascais, a partir de Caxias, foi acelerada para acautelar um iminente corte da circulação rodoviária. Na década de 90 a A5 passou a ser a grande alternativa à Marginal.
Agora, por causa do estado degradado da ligação ferroviária da Linha do Estoril, o grande plano é dedicar uma faixa exclusiva da autoestrada aos autocarros.
No entanto, alguns dos defensores dessa medida são os mesmos que se propõem construir mais uns fogos descaracterizados à entrada de Cascais, aumentando com isso a circulação automóvel nuns milhares de unidades, sem outras preocupações que as de 'plantar' mais imobiliário numa das zonas nobres da vila.
Dentro do mesmo obscuro raciocínio surge a venda do antigo hospital de Cascais para acolher o primeiro pólo universitário privado de medicina do país. Numa zona já há muito saturada em termos de circulação e estacionamento.
Farão estas medidas sentido para o benefício dos munícipes? Que capacidade real tem o centro histórico da vila para sustentar este tipo de projecto, quando estudos feitos se pronunciam contra as consequências do mesmo?
A quem interessam estes projectos megalómanos que enchem Cascais de betão e agravam as condições de vida de todos?
Não seriam estes projectos, e outros, como a mega escola de Economia, à beira-mar de Carcavelos, mais úteis no interior do concelho, onde o investimento teria um efeito bem mais benéfico para as populações, diminuindo as assimetrias em relação ao litoral?
Por que razão os cidadãos de Cascais não se pronunciam sobre estas questões, deixam vazios os lugares destinados ao público nas sessões camarárias e da Assembleia Municipal, vertendo todas as escolhas para as mãos de quem devia proteger os seus interesses mas, pelos vistos, não o faz?
Acham que depois destas e de outras aberrações decisórias os turistas vão continuar a chegar aos magotes para visitar o inferninho em que a Costa do Estoril se vai transformar?
Continuem a sonhar...

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

pequenos e grandes náufragos



Uma vez tive de explicar o que era isso da alma do fado, a amigos de diferentes partes do mundo, veio-me a lembrança deste poema de Cecília Meireles (Naufrágio), musicado por Alain Oulman e cantado por Amália.

Pus o meu Sonho no navio / E o navio em cima do Mar / Depois abri o Mar com as mãos (com as mãos) / Para o meu sonho Naufragar // Minhas mãos ainda estão molhadas / Do azul, (do azul) das ondas entreabertas / E a cor que escorre dos meus dedos / Colore as areias desertas // O vento vem vindo de longe / A noite se curva de frio / Debaixo d'água vai morrendo / Meu sonho (vai morrendo) dentro do navio // Chorarei, quanto for preciso / Para fazer (para fazer) com que o mar cresça / E o meu navio chegue ao fundo / E o meu sonho desapareça // [Depois tudo estará perfeito / Praia lisa, águas ordenadas / Meus olhos secos como pedras / E as minhas duas mãos quebradas]

Era o único que tinha na memória, por mor de se me ter atrasado um pouco a Portugalidade. Nada e criada em Moçambique, o género musical era-me quase tão estranho como aos ouvidos de outras nacionalidades. Mas esta letra em particular, que me encheu de incredulidade, ficou para sempre.
A sua tradução provocou a mesma reacção nos meus interlocutores. Em conjunto, interrogámo-nos sobre o possível sentido de ter um sonho e afundá-lo no mar. Ou em qualquer outro local.
Isso, ou a tremenda derrota que habitualmente se canta em muitos fados, como característica de um povo de que se diz ter dado novos mundos ao mundo, é um conceito estranho, ilógico, quase inexpressível.
Mais tarde aprendi a apreciar a fantástica capacidade portuguesa para abraçar todos os extremos, tão ilogicamente quanto possível, o que é, no fundo, uma forma de exprimir a grande tendência nacional para a aceitação.
Pelo meio fica o fado, às vezes brejeiro e leve, outras vezes trágico e desesperado. Ficam essas pessoas que apreciam a vida e a sua dualidade, expressa em poesia e música, ou choro e luto, nas ondas que a vida traz.
Queiramos ou não, o nosso fado são esses sonhos e esses naufrágios que endeusamos num género musical que tão depressa nos ensombra com tragédias, como nos empolga em fantasias.

sábado, 2 de dezembro de 2017

lua cheia


Hoje é dia de lua cheia. Ainda não decidi se vou virar bruxa, lobanil ou rã. Ou, mais simplesmente, se deixo o cardápio em aberto. Se dividir convenientemente a noite, osso ser tudo. Se não me perder para sempre nos prazeres de cada personagem...
É um erro recorrente na nossa vida, acharmos que devemos permanecer um determinado tipo de personalidade, só porque confundimos isso com força de carácter. Mas não é nada disso. Devemos perder o medo de mudar as facetas da nossa personalidade e deixar de exigir aos outros o mesmo.
Hoje é dia de lua cheia e de começar de novo. Hoje e sempre, comecemos muito e vejamos o que dá mais certo. E enquanto dura, vida doçura.