sexta-feira, 30 de março de 2018

porcos que são feios e maus

by David Archer (Australia), foto daqui
Se todos os porcos fossem cor-de-rosa, entendiam-se algumas confusões. Mas não são, por isso as confusões são ainda mais difíceis de entender. Se é que alguma confusão possui, na sua génese, entendimento envolvido.
Acontece que alguns porcos são transparentes, camuflados, envidraçados, vagos, enviesados. Outros, mais simplesmente, limitam-se a ser o que são, sem mais danos ou enganos associados.
Porcos que nada têm que ver com os orwellianos personagens, cuja estimativa de valor se firma nos deméritos da valorização alheia. É mais uma constatação que nos faz pensar por que razão algumas religiões sugerem que sejam retirados da cadeia normal de alimentação.
Talvez por isso mesmo, dado os tempos que correm, e com a exploração agropecuária a dissolver as qualidades da nossa atmosfera e as propriedades dos nossos corpos, seja de ter em consideração alguma causa e efeito plasmada na bagunça e inversão de valores a que se assiste.
Nem todos os porcos são maus, não senhora. A questão não se põe em termos da mais normal e simples polarização dos termos.  A dimensão real em que se movimentam é que perfaz uma agenda completamente estranha às demais espécies. Cada macaco, desculpem, cada porco no seu galho, seria a consideração mais adequada. O que faz correr um porco nunca será exactamente o mesmo que faz correr uma cobra ou um jacaré. Apesar das aparências, há diferenças, nem que sejam de puro método.
Os patos fazem tanto ou mais chinfrim do que os porcos, no entanto, chamar pato ou porco a alguém não é a mesma coisa. 
Também não é simpática a apropriação machista do mealheiro, se é que realmente surgiu da possibilidade de uma porca ter capacidade para produzir seis milhões de bácoros em dez anos. O que é que o inseminador tem que ver com isso? Já a versão da argila pygg é muito mais credível. No entanto, é significativa a associação ao acumular de riqueza, em substituição da natural abundância expectável em todas as circunstâncias da vida.
Têm mesmo de ser feios e maus os porcos deste mundo? As versões rosa e com asinhas são aparentemente mais simpáticas, mas todos sabemos que a chantagem emocional também tem o seu preço e nem o rosa nem as asas são eternos. Providenciemos, pois, cautelarmente, em relação aos porcos.
Também haveria algo a dizer sobre os porcos azuis ou os verdes, mas fiquemo-nos por aqui.

quarta-feira, 28 de março de 2018

a beleza da democracia


A beleza da democracia é que é um conceito que apenas depende de nós. São as nossas ideias, e até a falta delas, que criam limites ou uma infinidade de soluções dentro desse conceito. Como nas relações, na forma como entendemos viver a nossa vida, é a nossa noção de liberdade que se manifesta, por excesso ou por defeito, para estabelecer os contornos que desejamos serem a marca distintiva do que realizamos.
Grupos, países ou locais são fruto do uso que damos às nossas escolhas. Os ideais, por melhores e mais atraentes que os pintemos nas nossas cabeças, só se mostram nas nossas acções na medida  em que nos permitimos pô-las em prática.
O líderes que escolhemos, não têm de impor as suas ideias, na medida em que são sempre insuficientes em comparação com o vastíssimo leque das de quem os segue. O seu trabalho é ter a visão de conjunto que permita unir e ampliar as opções de todos.
Cascais é a nossa terra, o nosso corpo colectivo, o nosso porto de abrigo e a possibilidade sempre existente de moldar a nossa vida pelos limites cada vez mais extensos que possamos imaginar. Não esperemos que pequeníssimos claustros de cidadãos, por falta de imaginação de tempo ou de experiência prática do que pode ser cada vez mais perfeito, limitem a potencialidade de transformar este território nos nossos sonhos e ideais.
Os partidos não definem a qualidade de vida que nos caracteriza. Somos todos e cada um de nós que definimos essas entidades colectivas e a experiência que podem trazer à nossa existência. Um grupo político, esvaziado de ideias e do coração de quem o compõe só pode traduzir uma realidade empobrecida para o concelho e para os seus munícipes.
Tudo começa e acaba e nós, na força com que acreditamos que podemos criar uma realidade cada vez mais rica e adequada às nossas expectativas, e na coragem das nossas acções nessa direcção.
Todos os dias são oportunidades para mudarmos uma areia na engrenagem e somos duas centenas de milhar de possibilidades para que isso aconteça. Acham pouco?

domingo, 25 de março de 2018

nem por sombras?


Come gather 'round people / Wherever you roam / And admit that the waters / Around you have grown / And accept it that soon / You'll be drenched to the bone. / If your time to you / Is worth savin' / Then you better start swimmin' / Or you'll sink like a stone / For the times they are a-changin'. // Come senators, congressmen / Please heed the call / Don't stand in the doorway / Don't block up the hall / For he that gets hurt / Will be he who has stalled / There's a battle outside / And it is ragin'. / It'll soon shake your windows / And rattle your walls / For the times they are a-changin'. // Come mothers and fathers / Throughout the land / And don't criticize / What you can't understand / Your sons and your daughters / Are beyond your command / Your old road is / Rapidly agin'. / Please get out of the new one /If you can't lend your hand / For the times they are a-changin'. (Bob Dylan, 1964)

Queremos todos mudança e todos nos assustamos com ela. Porque exige honestidade e clareza. Porque nos custa admitir essa parte do nosso carácter que se acomoda às coisas que estão mal e nas quais tomámos parte, nem que seja pela recusa de tomar uma decisão diferente.
Em cima do muro fica o inferno, aquilo que nem é sim, nem é não. A dificuldade em tomar uma posição que, se é certa, mesmo assim suscita a dúvida e nos atormenta; e se é não cria a culpa que nos esmaga.
Os tempos, ou as circunstâncias mudam, mesmo assim. Somos mais de sete biliões de pessoas a tomar decisões, e aqui estou a partir do princípio simplista de que só nós contamos para esta insana complexidade de possibilidades que tudo e todos afecta. Mesmo assim temos a pretensão de saber o que andamos a fazer e que podemos prever um mínimo de desfechos lógicos.
Há, apesar disso, alguma lógica e possibilidade de coerência neste inocente estado de consciência a que nos remetemos? Nem por isso, nem por sombras.
O mais engraçado é que, apesar disso, com mais ou menos consciência, fazemos uma cara séria e assumimos uma postura de quem sabe exactamente o que está a fazer. 
E a mudança continua, independentemente da nossa vontade e do nosso contributo. Porque apenas a consciência muda, na nossa contemplação desta contínua e inatingível complexidade de acções e efeitos.
Portanto, podemos ser exactamente que quisermos, ou sofrer por acharmos que não. Nada disso importa realmente para o resultado final de todas as coisas, neste insignificante papel que desempenhamos individualmente. 
Por outro lado, uma pequena pedra deslocada do seu sítio, pode fazer desabar uma montanha. E as montanhas não estão à espera disso, claro. Por isso, que garantias eternas nos dão também as montanhas, se mais tarde ou mais cedo desabam como tudo o que esmagam? 
As probabilidades são idênticas para grandes ou pequenos e nisso é que está a justiça de tudo.
A memória é uma espécie de manual do jogo da vida, como esta letra do senhor Dylan que, há cinquenta e quatro anos, preconizava a mudança e que tão bem se aplica aos nossos tempos.

sexta-feira, 23 de março de 2018

livros, redes e conhecimento

foto MMF

Esta imagem de uma exposição de há anos, no Porto, de livros guardados atrás de grades, numa visualização daquilo que sempre foi o destino, ou fado, destes objectos e do conhecimento, das ideias que armazenam através do tempo.
A leitura é sempre um passeio novo, por terrenos desconhecidos, virgens e revigorantes. Amplia a nossa visão do mundo e das possibilidades sempre renovadas que os outros nos descrevem. A forma com pensam exemplifica a grande variedade de pensamentos que sete biliões de seres humanos praticam neste planeta a todo o instante, criando infinitas possibilidades e combinações.
Não é fácil imaginar esta rede natural de conhecimento que funciona sem parar e sem ajuda de outro instrumento que não o do nosso pensamento. É a maior rede sem fios do mundo, gratuita, completa e verdadeiramente livre.
Com alguma ironia, as redes também simbolizam prisões, divisões, limites que pomos em prática. Quando abandonamos a visão geral para nos escondermos atrás de protecções imaginárias que, afinal, nos separam com a sua segregação artificial.
Quando falamos uns com os outros, se nos abstrairmos das convenções sociais que nos engaiolam muito mais do que qualquer rede de metal, a troca de conhecimento e de experiências é motivante e libertadora.
Ao ler, entramos também em contacto com o registo escrito de conhecimentos e ideias de quem não está fisicamente presente na nossa vida. Ou quando escolhemos qualquer outra forma de expressão de um ser humano, artística, quotidiana, pensada ou espontânea. 
Há sempre algo extremamente motivante na percepção deste quadro magnífico de que fazemos parte e que impulsiona a nossa experiência neste mundo. Qualquer coisa que nos faz pressentir a divindade colectiva de que fazemos parte. A pertença superior que nada nem ninguém pode alguma vez anular. 
Tudo o resto é ilusão e birra de quem presta mais atenção ao que se passa com os outros do que ao que traz dentro de si.

terça-feira, 20 de março de 2018

página cinco

página 5
Ouvi ontem esta expressão que me encheu as medidas. Refere-se a quem, sabe-se lá por que razão, lê livros, compêndios ou enciclopédias de informação pela rama. Até à página cinco. O que diz parte da introdução ou do primeiro capítulo. Sem jamais chegar a ler a obra completa, muito menos a informação que sustenta a ideia, o contexto, a arquitectura mental em que se insere.
O que importa, para uma imensa parte das pessoas, é a descoberta de um novo conceito que lhes desperta as asas da imaginação. Não necessitam da honestidade do aprofundamento do assunto, não as atrai todo a complexidade de pensamentos que lhes deu origem.
Basta-lhes adquirir um novo conjunto de palavras com que podem brincar, reproduzir como verdades irrefutáveis e impingi-las aos outros como a sua maravilhosa, e nova, filosofia de vida.
Poderíamos pensar que esses fragmentos de conhecimento, que no máximo, equivalem a uma falange cortada por mafiosos à mão de um corpo inteiro, apenas correspondem aos cinco minutos de grau de atenção das pessoas que escolhem adquirir a informação dessa forma. 
Poderíamos ainda descartar a importância do facto de algumas pessoas acumularem essas falanges rapinadas a vários corpos inteiros constituírem um disforme corpo de informação e conhecimento em que as pessoas baseiam a sua vida.
Essa ideia é assustadora, mas real. Partilhamos o mundo e o conhecimento dele com um exército de falanges coladas com cuspo, sorrisos e beatíficas expressões epifânicas. Que, ainda por cima, muita gente difunde liberalmente e te mesmo a grande lata de reproduzir em workshops de dois meios dias como a solução para todos os problemas.
Ou seja, a página cinco é um pesadelo materializado com que convivemos diariamente. Encarar as coisas de forma leve não é o mesmo que encará-las com leviandade. Não admira que haja tanto disparate a produzir-se neste mundo.

segunda-feira, 19 de março de 2018

pai, filho e espírito santo

"Pai" by Paulo Paz


A velocidade dos desejos pessoais aumentou dramaticamente. Talvez porque a efemeridade de tudo está cada vez mais presente e visível nas nossas vidas. Não é como o fast food a substituir as longas jornadas do ser humano para alimentar o corpo físico. Mas é uma premência muito clara sobre as nossas necessidades reais. Haja tempo para entender que a rapidez aqui tem que ver com a obrigatoriedade de evoluirmos para dimensões mais modernas da nossa existência.

"Filho" by Paulo Paz
Estamos habituados a uma linguagem linear, a ir de a para z, do preto ao branco, do menos para o mais. No entanto, se quisermos sobrepor todas essas premissas e multiplicá-las tantas vezes quantas nos apetecer e nos lembrar-nos, explorando cada grau de cada uma delas, e ainda considerar que todos podemos fazer o mesmo, apercebemo-nos da complexidade que rege a nossa realidade. Somos uma multidão a decidir a todo o instante sobre os caminhos da nossa vida. A maior parte do tempo, irados e frustrados pela insuficiência da nossa vontade em se sobrepor às demais. A presunção da nossa divindade, moldada pelo defeituoso conceito da unicidade que praticamos, dá cabo da nossa paciência. Custa-nos substituir a nossa omnipotência de deusinhos tiranos pela mais democrática ideia de peças interligadas do puzzle divino que exige cooperação para se manifestar plenamente.

"Espírito Santo" by Paulo Paz
No final tudo se resume à rendição a uma sabedoria maior, ao espírito livre de todos os pré-conceitos do que somos, individualmente e livre de todos os limites de grupos, clubes e associações que nada mais são do que frágeis imitações do puzzle maior a que pertencemos. Na liberdade que nos cabe para nos ligarmos a esse espírito maior, que partilhamos de facto, está o nosso poder. Apenas aí reside a chave de toda a realidade, sem limites, sem mal-entendidos.

quarta-feira, 14 de março de 2018

escolas livres de excessos


Quando se mexe nos contratos de fornecimento de refeições as escolas, o ideal era mesmo ter a coragem de eliminar, pura e simplesmente, os alimentos que prejudicam a saúde física e mental das crianças e dos jovens.
Estando provado que os refrigerantes, açúcares, fritos e alimentos excessivamente processados, o que raio faltará para que se assuma a necessidade de, nas escolas se proibir o consumo de bebidas e alimentos nocivos à saúde?
Será que o interesse das grandes empresas de sobrepõe com vantagens a um défice de desempenho escolar e a um futuro de maus hábitos, doenças e tratamentos ruinosos?
É uma vergonha, ou muita falta dela, que governantes que se afirmam conscienciosos e defensores do interesse maior dos cidadãos, não se comprometam definitivamente com a saúde e bem-estar dos mais novos, assegurando-lhes um futuro bem mais risonho e promissor.
Isto, claramente, sem prejuízo do livre consumo de toda a sorte de alimentos por adultos informados e apreciadores de açucares e de outras substâncias e paladares universalmente apreciados pelos bons garfos.
Mas não é deliciosamente aliciante pensar em novas gerações de crianças e jovens saudáveis e bem dispostos, com clara consciência de que a ingestão de alimentos menos adequados também é possível dentro de parâmetros mais adequados?
A educação também deve oferecer uma disciplina mais coerente e benéfica para os hábitos pessoais, orientando jovens e pais para uma maior consciência e melhores práticas em relação aos cuidados de saúde física e mental.
Eliminar excessos indesejados das cantinas escolares é uma medida semelhante à proibição de substâncias como o álcool e o tabaco. A indústria alimentar devia ser igualmente disciplinada para orientar a sua oferta adequadamente para as diversas faixas etárias e de acordo com a actual consciência de práticas nocivas à saúde.

sexta-feira, 9 de março de 2018

a liberdade do amor



Falemos hoje de amor. Não a baboseira romântica construída a partir dos contos de fadas ou do felizes para sempre. Ou da fragilidade que nos leva a procurar no outro uma metade, em vez de o entender como uma das muitas peças de um puzzle que continuamos a ignorar e a adiar como uma visão mais realista das nossas relações.
O que procuramos nos outros é uma partilha, uma comunhão, a confirmação de que fazemos parte de um todo indissolúvel. O que habitualmente estraga essa partilha de pares ou mesmo de grupos é a falta de consciência de que, na verdade, ninguém é dispensável no conjunto pela simples razão da riqueza que traz para cada um dos outros. No entanto, a ilusão criada pelo marketing dos amores e dos clubismos exploradores dos limites discriminatórios, tudo reduz a um campo minado de desilusões e fasquias impossíveis.
O amor destas linhas pertence a uma outra esfera. A da dimensão do que nos faz sentir bem, que nos enche de felicidade e esperança. É uma forma de estar que todos os dias sofre duros golpes face aos desinteressantes preconceitos associados ao que nos vendem como amor.
Falamos de escolhas que nos afastam do medo, da paralisação de imaginar o pior e não agir sobre o nosso acertado instinto. De perceber que os outros só nos ameaçam porque nos deixamos levar por todas as parvoíces que também nos martelam a cabeça.
Este amor é a coragem de agir, de acreditar que há sempre uma outra forma de ver as coisas e que, experimentando-a, se multiplicam as nossas hipóteses de acertar e colher os frutos de coisas diferentes.
Hoje, a escolha é a do conhecimento, a desse amor-consciência que nos energiza e transforma a nossa condição de bichinhos assustados na versão, muito mais interessante, de criaturas capazes de viver mais livremente o seu verdadeiro potencial.