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segunda-feira, 7 de agosto de 2023

um homem bonito

 

Jorge Indìveri (foto de família)

Ontem deixou-nos um amigo de muitas décadas. Um homem bonito, que tive a sorte de conhecer. 
Inteligente, generoso, com sentido de humor, que sabia viver com alegria, especialmente quando as circunstâncias pareciam mais negras.
O Jorge era uma dessas pessoas que entra na nossa vida e já não sai. E a sua vida trazia a promessa de muitos mais anos, numa família em que os homens ultrapassam habitualmente os cem. Um século seria ainda pouco para desfrutar da sua companhia e do seu conhecimento.
Quando o visitei pela última vez, falámos do que pretendíamos continuar a fazer nos próximos tempos. O amanhã é garantido, uma promessa para sempre e uma fidelidade que ultrapassa o senso comum. Conhecemos as probabilidades da nossa passagem por este mundo, mas mantemos a sensação de que somos eternos. E, mesmo sabendo o que vai acontecer, nunca estamos preparados para uma perda deste tipo.
Conheci o Jorge há quarenta anos, pela mão de outro amigo querido, o Bruno Pizzamiglio. E uma boa parte da comunidade argentina que se tinha mudado para cá depois de Abril de 1974. Gente com incríveis histórias de vida que esticaram o meu mundo em muitas direcções.
Ao Jorge calhou a tarefa de me tratar de forma não tradicional, numa altura em que a medicina era só a dos hospitais. Três meses e meio de dieta ultra rigorosa mudaram o rumo da minha saúde e da minha vida.
A meio do tratamento, convidou-me para um churrasco argentino que ia contra todas as regras do meu tratamento. Quis saber como conciliava o convite com a dieta que estava a fazer. Não havia problema, segundo ele. Interrompia o tratamento no domingo do churrasco e, na segunda-feira, começava do princípio outra vez. Ainda me lembro da gargalhada de satisfação com que rematou a resposta.
Vou ter muitas saudades tuas, Jorge. E aguardar que o tempo me leve até esse lado e nos devolva a mais uma vida de bom trato e alegrias. Até já.

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

a respeito do respeito

 

Aida (Dombe, Moçambique, 1956)

Hão-de reparar no pormenor do pedaço de madeira estrategicamente colocado à frente do pneu, para evitar deslocamentos desnecessários do jipe. Nada que hoje passasse numa inspecção, mas naquele tempo era a garantia de que os seus utilizadores não ficavam totalmente isolados a mais de duas centenas de quilómetros do lugar habitado mais próximo.
A jovem na fotografia é a minha mãe, Aida, aos 23 anos. Um ano antes tinha saído de Lisboa pela primeira vez para acompanhar o meu pai, Manuel, na sua carreira administrativa em Moçambique. O Dombe, no planalto de Manica, foi o primeiro posto que lhe foi atribuído. Meia dúzia de casas e uma estrada de acesso que chegava a ficar seis meses debaixo de água. 
Era preciso fazer rancho para sobreviver durante essa parte do ano, aguentar os tremores de terra e as trovoadas tropicais, entre outras manifestações naturais como o paludismo, o tifo, a cólera e outras maleitas de que não se chegava a conhecer um nome.
A Aida teve cinco filhas, montou e desmontou casa nove vezes em dezoito anos, conheceu Moçambique de Norte a Sul, protegeu a sua família, amigos e gente de quem mais ninguém queria saber. Também deu abrigo a toda espécie de animais, dos cães e gatos, aos jacarés e javalis, lagartixas e outras criaturas menos vulgares.
Foi sempre a aglutinadora das relações, a pessoa a quem se recorria para estabelecer a ordem e as regras colectivas. Garantiu ajuda e conselhos, reconciliações e festas de família para todas as almas solitárias.
Hoje, quase a completar o seu 88º aniversário, está no hospital onde entrou para ser cuidada e acabou por ser infectada pelo SARS-CoV-2. Isolada da família, é mais um número para as estatísticas. E as informações sobre o seu estado começam muitas vezes com uma referência de toada fadista à sua idade.
Como se quem a ela se refere soubesse a vida recheada e de grandes histórias de sobrevivência por que passou. Como se tudo agora se resumisse a um corpo frágil que precisa de ajuda para se manter.
Sei que dentro desse corpo que resiste está a Aida que quem ama conhece, ainda a guardar a memória que nos alimenta a todos. 
Um povo sem memória não aprende, não beneficia da experiência que tantas vidas cheias transmitem. Nem se dignifica no desprezo pelo imenso contributo que os mais velhos já asseguraram para a vida e a sociedade das novas gerações.
A Aida educou os seus para não esquecer e observar em todos as mesmas e devidas necessidades. E para oferecermos a nossa voz para a defesa dos que não têm quem os defenda. 
Esperemos, por isso, que este relato sirva para nos lembrar que, na saúde e na doença, ninguém perde os seus direitos nem o respeito devido. E é justamente nas crises que isso deve ser assegurado até ao limite de todas as possibilidades. A idade não pode ser um argumento discriminatório para os mais velhos, como já não o é para os mais novos. 
A Aida não precisou que um Estado ou uma religião ou uma ideologia a ensinassem a observar valores humanistas. Sempre tratou todos com o maior respeito. Nem dispensou jamais o respeito pelos que não o manifestavam por ela.

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

quando Cascais arde

"Cascais Fire 2018" by MMF
Se juntarmos os pontos e apreciarmos os acontecimentos recentes à luz de uma lógica fora dos preconceitos ditados pelos média ou pela nossa limitada noção de responsabilidades, ficamos com uma visão literalmente incendiária de como chegámos ao ponto de perder seiscentos hectares de pulmão entre Cascais e Sintra.
Em primeiro lugar, para sermos realistas, os nossos pulmões não nos servem de nada sem a grande mancha de verde que a Terra põe à nossa disposição para os usarmos. Em segundo, mas muito pouco secundário neste caso, de cada vez que cada um de nós toma uma decisão, é co-responsável por tudo o que acontece no planeta.
Poderíamos estar a falar do oceano de plástico ou dos fogos da Austrália ou da Califórnia, mas estamos a falar do que aconteceu aqui, no nosso quintal. Na paisagem que reclamamos protegida e, afinal, acabou arrasada porque os nossos "abraços" em slogans não são suficientes para a manter segura. Nem por sombras.
Não fazemos o suficiente para nos manter seguros. Deixar queimar os pulmões verdes e depois sacudir a água do capote a responsabilizar a protecção civil ou governos autárquicos não faz sentido nenhum. Sobretudo se os poucos votantes da região validaram os dirigentes actuais, co-responsabilizando-se portanto com as suas decisões. Ou se permitimos que empreendimentos de luxo, com lucros a curto prazo se sobreponham à vida de qualidade que afirmamos ter neste cantinho de zonas protegidas.
Somos todos responsáveis pelas decisões que levaram ao incêndio que acaba de destruir uma parte da qualidade de vida que alardeamos para esta porção privilegiada do planeta. E temos de compreender a mensagem por detrás do desastre, porque ela é uma projecção do futuro colectivo que preparámos para nós e para as gerações futuras.
Quando seiscentos hectares de floresta ardem, essa é a medida do que arde em todos nós. Arde porque somos negligentes em relação às pequenas decisões de enormes consequências na nossa vida? Arde porque inconscientemente purgamos assim muito do lixo que arrastamos todos os dias em detrimento de posturas e acções mais naturais e honestas? Arde porque ansiamos por renovação?
Arde também porque estes desfechos são tomadas de atenção que devemos entender de forma mais profunda, em momentos que devemos saber decisivos para mudar e viver de forma mais sustentável.
Quando Cascais arde é porque chegou a uma encruzilhada fulcral e cabe-nos a todos, individualmente, escolher o caminho novo e mais certo para a terra em que assentamos a planta dos pés e as raízes da nossa vida.

quarta-feira, 13 de junho de 2018

altares e sardinhas


"Santo António de Lisboa, embora muito festejado e venerado como santo pelo povo, é menos conhecido como um homem de cultura literária invulgar e como um verdadeiro intelectual da Idade Média. Reveladora dessa cultura ímpar, é a sua obra escrita, cheia de beleza e densidade de pensamento, como nos testemunham os seus Sermões, autênticos tesouros da literatura e da história. Vasta, profunda, extraordinária, a respeito da Bíblia. Ampla, variada e bem apropriada nas transcrições dos Padres da Igreja e dos autores clássicos. Impressionante, para o tempo, não apenas pelo conhecimento que revela das ciências naturais e das humanidades, mas igualmente pelo erudito discurso sobre noções jurídicas, como Poder, Direito e Justiça". José Antunes (fonte: Wikipédia)

Os milagres deste santo e de outros não se estendem às sardinhas, peixinhos que vão à vida nas brasas dos bairros típicos de Lisboa ou em Cascais, que o elegeu como patrono. 
Há umas décadas os peixinhos saltavam das redes para os assadores improvisados junto à praia do peixe, agora elevada à dos banhos do presidente nacional. A festa encaixotou-se em barraquinhas que vendem hot dogs e souvenirs, que duram tanto como os ensurdecedores concertos de verão. 
As casinhas dos pescadores também são promovidas a residências pitorescas para alugar à época e a vida segue, sempre com os milagres santificados do progresso imobiliário. 
As sardinhas, unidas, são comidas por muitos Antónios e vendidas como símbolos pitorescos do País dos santos populares. À beira-mar a festa é um sunset com cerveja e música pum-pum-pum, no interior chama-se arraial e recebe artistas pimba.
Quem é que precisa de tímidos milagres ao pé do foguetório da propaganda da festa e da alegria, a beber fruta empacotada em bolsinhas de plástico, detergentes que nos envolvem com aromas descritos por apolos depilados que estalam os dedos à máquina da roupa, de carros de ficção à mão de umas quantas prestações e pensos higiénicos que transformam as jovens em artistas de circos psicadélicas?
A vida é uma festa e a ressaca é tramada. As sardinhas vão para o velho altar dos sacrifícios, com grinaldas e balões, cânticos e muitas palmas. Arraial, ó lusa gente...

quinta-feira, 31 de maio de 2018

Cascais a sonhar alto IV: cores sem festa


Está aí o mês de Junho e Cascais, Capital Europeia da Juventude este ano, não tem no seu programa nenhuma iniciativa dedicada aos jovens LGBTI. Com nenhuma das associações que defendem a não discriminação de pessoas com base na sua orientação sexual. Nem da rede ex aequo, nem da ILGA Portugal, nem da AMPLOS, só para citar as mais visíveis.
Em Junho, mês da revolta de Stonewall em Nova Iorque, escolhida para representar os direitos e a visibilidade deste tipo de discriminação, muitas localidades portuguesas celebram o Orgulho LGBTI, mas não Cascais. Nem no seu ano como capital europeia da juventude.
Aqui continua a a cegueira do reconhecimento de muitos jovens que se debatem com o preconceito dos outros e das ideias que lhes são transmitidas e Lisboa é o local mais próximo para encontrarem a informação e o apoio de que necessitam.
Cascais recebe prémios e louvores de todos os tipos, mas nenhum dedicado a uma comunidade que muito tem feito para o reconhecimento dos direitos de todos. A não verbalização de um problema que afecta todas as sociedades, o silêncio, o olhar para o lado, continua a prevalecer no concelho que sonha alto e se reclama como o mais exigente na qualidade de vida dos seus munícipes e visitantes.
Sem festa, sem cores, sem os jovens que também fazem parte desta comunidade no ano escolhido para os representar.
A luta por uma sociedade mais abrangente e consciente da necessidade de abraçar a diferença nunca foi politicamente correcta, pois exige mudança e todos sabemos a resistência pessoal à fossilização dos costumes.
O que é então esta Capital Europeia da Juventude 2018, sem um movimento LGBTI empenhado, visível e feliz pelo reconhecimento dos seus pares? Passou de moda ou espera-se que passe despercebido? 
Quanto preconceito envergonhado ainda à solta pela versão muito pequena da grande Cascais...

quarta-feira, 23 de maio de 2018

uma oficina de manifestações

Fotografia de Paulo Paz, na OD - Oficina do Desenho
A desenhar, a pintar é que a gente se entende. Literalmente. Investir em tempo para manifestar qualquer coisa que faça sentido e nos entusiasme é ir à origem da vida. Lembrar o propósito que nos trouxe a esta vida e recuperar a capacidade de manifestar o que somos.
Encontrar um local onde mais pessoas entendem o encantamento dessas viagens é entender o poder da partilha, multiplicar o frenesim criativo que nos subtrai à imposição das catástrofes iminentes. 
Ter o prazer de ver criar com riscos, pincéis e conversas sempre interessantes sobre arte e tudo o que a ela se refere é um privilégio. Assistir à transformação de quem entra num espaço dedicado à criação, outro.
A experiência é tudo. O prazer de manifestar o mundo que se desenrola na mente. Se são necessários lápis e pincéis para isso, que se usem. Se são as palavras que tomam o seu lugar, excelente. 
Há sítios físicos em que isso acontece e uma oficina do desenho é disso prova.

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Cascais a sonhar alto III: rivieras

Estoril - Estúdio Mário Novais - foto daqui
Cascais já teve a sua riviera no Estoril, com o seu casino, os seus jardins, as suas praias de veraneio, o seu glamour, histórias de espiões, palácios, corridas de carros, exilados notáveis e personalidades carismáticas.
Vila de pescadores que confraternizavam com nobres e gente de posses, artistas e aventureiros que faziam as delícias do imaginário local, foi infectada pela febre do imobiliário, dos negócios megalómanos e do turismo de massas, o novo Eldorado do século XXI.
Um brilho que agora se quer ver repetido com a possibilidade da instalação de eléctricos em toda a marginal e a futura riviera de Paço de Arcos.
São muitos pozinhos de perlimpimpim, a turvar a visão do que ficará em mais betão em vez das casas e palacetes tradicionais, do caos do trânsito que se agravará com as novas urbanizações de luxo, as universidades instaladas no centro histórico e à beira-mar, o alojamento local transformado em sugadouro de turistas e a arruinar as possibilidades habitacionais da população local.
Onde viverá a força de trabalho que mantém as infraestruturas do concelho? Nos concelhos limítrofes a três horas de transportes públicos da riviera? E sobreviverá da caridade pública, dos bancos alimentares e da segurança social em risco de colapso? E serão os idosos e refugiados clandestinos a assegurar o serviço básico necessário ao concelho? A imigração de jovens e talentos vai ter ministério ou vereação próprios? 
O mais triste é que este cenário dantesco já está instalado e a florescer. E o cenário que se segue é o reservado a todos os eldorados que, como fogos fátuos, se extinguem e deixam cidades-fantasma no seu lugar. Para não falar de fenómenos naturais como a subida das águas que apagarão do mapa marginais e faixas costeiras ainda cheias de promessa turística e imobiliária.
As rivieras são fantásticas. Como fantástica é a incapacidade de ver mais longe e de desviar as atenções de problemas reais e bem mais exigentes. Catástrofes anunciadas que precisam de mais do que operações de cosmética para traduzirem em segurança e confiança no futuro.
Um dia, as rivieras terão o seu epicentro em Manique, em Talaíde, no Murtal ou em São Domingos de Rana. Que se acautelem as ovelhas e as hortas locais. 

terça-feira, 15 de maio de 2018

Cascais a sonhar alto II

O Forte visto por Mário Crispim
Já estou a ver um Salazar vestido de cinzento e olhar escondido pelo chapéu a observar os visitantes ávidos por histórias. As meninas de Odivelas a desfiar os seus sonhos e segredos aos espectadores, oficiais espanhóis a ponderar o domínio da baía e da entrada do Tejo.
São mil e uma possibilidades a explorar no cenário fantástico do Forte de Santo António, grupos de actores inspirados a cativar a imaginação do público. Um grande museu vivo a fazer desfilar muita história da nossa terra.
Nas pausas dos espectáculos, a visita ao interior e exterior da construção, a ouvir as explicações dos oficiais da Marinha mais entendidos nas estratégias da defesa da costa e do País.

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Cascais a sonhar alto

Forte de Santo António - MMF
Sonhar ainda ocupa algum espaço e, apesar da natural propensão humana para descobrir dificuldades na expressão prática do sonho, é por aí que o homem avança, sem outro remédio senão o de construir à medida dos seus castelos construídos no ar.
Neste caso, não sendo um castelo, é pelo menos um forte, símbolo de muita história e de como somos todos capazes de defender o que se acha digno da nossa identidade e do nosso património cultural.
O Forte de Santo António é um desses símbolos, capaz de despertar a nossa imaginação e a nossa curiosidade. Foi isso que se constatou na sua abertura ao público no passado 25 de Abril, quando milhares de pessoas o visitaram e procuraram nas suas paredes sinais da histórias que por ali se passaram. 
A observação desse interesse sobre o forte e a sua utilização ao longo dos séculos inspirou mais um sonho: a possibilidade de se transformar aquele espaço num centro de observação da sua história, através de dramatizações dos factos conhecidos desde a sua construção.
Em vez de delegar para mais um agente turístico a sua exploração, por que não transformá-lo num local dedicado à cultura histórica, entregando-o a grupos de teatro capazes de contar a sua história em trinta minutos ou mais?
Temas não faltam e uma bilheteira não seria nada de mais para nacionais e turistas interessados em passar algum tempo a assistir aos ricos enredos do que por ali ocorreu. Um museu vivo e animado, para deleite dos visitantes, durante alguns dias da semana.
É sonhar alto um Cascais mais espectacular, mas tudo é possível e alguns sonhos têm a habilidade de não cair em saco roto. Afinal, onde há lugar para a modernização também o há para iniciativas que nos tragam conhecimento e orgulho no nosso património. E a história é sempre inspiradora.

quarta-feira, 4 de abril de 2018

indignação e refilices


A indignação é uma coisa boa, quando não é simplesmente uma refilice só porque alguém põe um sapato dois centímetros para o lado que não é o do costume. A refilice é o mantra de quem anda aborrecido com alguma coisa e resolve despejar assim o saco.
Em vez de se utilizar em questões de fundo, como direitos e justiça, lógica e estabelecimento de limites, gasta-se habitualmente em manifestações menores de situações que não seguem as rotinas cegas que confundimos com a tranquilidade que nos é devida. 
A indignação também é uma arma de arremesso para quem tem um pendor especial para a manipulação das emoções alheias. 
O problema é que a maioria das indignações não é, na verdade, digna desse nome. São apenas resistências mal orientadas, com origem em preconceitos sem sentido.
Por exemplo, se alguém muda de opinião devido a um genuíno processo de correcção de pensamento, os habituais epípetos relacionados com a falta de carácter não se aplicam. Pelo contrário, transformam os seus produtores em reféns de um pensamento desajustado da realidade, ignorando a clareza de espírito elogiável que permitiu ao indivíduo evoluir de forma positiva no seu processo de entendimento do mundo e da sua constante transformação.
Não raro, inclusivamente, os enunciadores destas indignações são quem mais apregoa uma fidelidade inviolável a princípios e valores que, bem analisados, apontam por princípio para a sensatez do ajustamento ao evoluir das situações e da consciência.
Quando se deseja honestamente a mudança, para melhor, há que exibir coerência e aceitar que as suas medidas justas exigem flexibilidade para integrar novas soluções. Não há mérito algum em manter teimosamente as mesmas respostas a circunstâncias que não param de evoluir.
Haja a humildade de aceitar que a verdade está em aceitar que as velhas receitas têm de dar lugar a novas, sem medo de descartar certezas absolutas que se tornaram inadequadas.
O passado deixa-nos a memória e a aprendizagem das experiências, mas não a obrigatoriedade de aplicação das mesmas soluções para circunstâncias diferentes.
Antes da indignação devemos questionar os verdadeiros motivos que a provocam e convocar a abertura necessária para reconhecer e aceitar novas formas de pensamento e de acção. Sobretudo se reconhecemos a necessidade de mudança e transformação real.

sexta-feira, 30 de março de 2018

porcos que são feios e maus

by David Archer (Australia), foto daqui
Se todos os porcos fossem cor-de-rosa, entendiam-se algumas confusões. Mas não são, por isso as confusões são ainda mais difíceis de entender. Se é que alguma confusão possui, na sua génese, entendimento envolvido.
Acontece que alguns porcos são transparentes, camuflados, envidraçados, vagos, enviesados. Outros, mais simplesmente, limitam-se a ser o que são, sem mais danos ou enganos associados.
Porcos que nada têm que ver com os orwellianos personagens, cuja estimativa de valor se firma nos deméritos da valorização alheia. É mais uma constatação que nos faz pensar por que razão algumas religiões sugerem que sejam retirados da cadeia normal de alimentação.
Talvez por isso mesmo, dado os tempos que correm, e com a exploração agropecuária a dissolver as qualidades da nossa atmosfera e as propriedades dos nossos corpos, seja de ter em consideração alguma causa e efeito plasmada na bagunça e inversão de valores a que se assiste.
Nem todos os porcos são maus, não senhora. A questão não se põe em termos da mais normal e simples polarização dos termos.  A dimensão real em que se movimentam é que perfaz uma agenda completamente estranha às demais espécies. Cada macaco, desculpem, cada porco no seu galho, seria a consideração mais adequada. O que faz correr um porco nunca será exactamente o mesmo que faz correr uma cobra ou um jacaré. Apesar das aparências, há diferenças, nem que sejam de puro método.
Os patos fazem tanto ou mais chinfrim do que os porcos, no entanto, chamar pato ou porco a alguém não é a mesma coisa. 
Também não é simpática a apropriação machista do mealheiro, se é que realmente surgiu da possibilidade de uma porca ter capacidade para produzir seis milhões de bácoros em dez anos. O que é que o inseminador tem que ver com isso? Já a versão da argila pygg é muito mais credível. No entanto, é significativa a associação ao acumular de riqueza, em substituição da natural abundância expectável em todas as circunstâncias da vida.
Têm mesmo de ser feios e maus os porcos deste mundo? As versões rosa e com asinhas são aparentemente mais simpáticas, mas todos sabemos que a chantagem emocional também tem o seu preço e nem o rosa nem as asas são eternos. Providenciemos, pois, cautelarmente, em relação aos porcos.
Também haveria algo a dizer sobre os porcos azuis ou os verdes, mas fiquemo-nos por aqui.

quarta-feira, 28 de março de 2018

a beleza da democracia


A beleza da democracia é que é um conceito que apenas depende de nós. São as nossas ideias, e até a falta delas, que criam limites ou uma infinidade de soluções dentro desse conceito. Como nas relações, na forma como entendemos viver a nossa vida, é a nossa noção de liberdade que se manifesta, por excesso ou por defeito, para estabelecer os contornos que desejamos serem a marca distintiva do que realizamos.
Grupos, países ou locais são fruto do uso que damos às nossas escolhas. Os ideais, por melhores e mais atraentes que os pintemos nas nossas cabeças, só se mostram nas nossas acções na medida  em que nos permitimos pô-las em prática.
O líderes que escolhemos, não têm de impor as suas ideias, na medida em que são sempre insuficientes em comparação com o vastíssimo leque das de quem os segue. O seu trabalho é ter a visão de conjunto que permita unir e ampliar as opções de todos.
Cascais é a nossa terra, o nosso corpo colectivo, o nosso porto de abrigo e a possibilidade sempre existente de moldar a nossa vida pelos limites cada vez mais extensos que possamos imaginar. Não esperemos que pequeníssimos claustros de cidadãos, por falta de imaginação de tempo ou de experiência prática do que pode ser cada vez mais perfeito, limitem a potencialidade de transformar este território nos nossos sonhos e ideais.
Os partidos não definem a qualidade de vida que nos caracteriza. Somos todos e cada um de nós que definimos essas entidades colectivas e a experiência que podem trazer à nossa existência. Um grupo político, esvaziado de ideias e do coração de quem o compõe só pode traduzir uma realidade empobrecida para o concelho e para os seus munícipes.
Tudo começa e acaba e nós, na força com que acreditamos que podemos criar uma realidade cada vez mais rica e adequada às nossas expectativas, e na coragem das nossas acções nessa direcção.
Todos os dias são oportunidades para mudarmos uma areia na engrenagem e somos duas centenas de milhar de possibilidades para que isso aconteça. Acham pouco?

quarta-feira, 14 de março de 2018

escolas livres de excessos


Quando se mexe nos contratos de fornecimento de refeições as escolas, o ideal era mesmo ter a coragem de eliminar, pura e simplesmente, os alimentos que prejudicam a saúde física e mental das crianças e dos jovens.
Estando provado que os refrigerantes, açúcares, fritos e alimentos excessivamente processados, o que raio faltará para que se assuma a necessidade de, nas escolas se proibir o consumo de bebidas e alimentos nocivos à saúde?
Será que o interesse das grandes empresas de sobrepõe com vantagens a um défice de desempenho escolar e a um futuro de maus hábitos, doenças e tratamentos ruinosos?
É uma vergonha, ou muita falta dela, que governantes que se afirmam conscienciosos e defensores do interesse maior dos cidadãos, não se comprometam definitivamente com a saúde e bem-estar dos mais novos, assegurando-lhes um futuro bem mais risonho e promissor.
Isto, claramente, sem prejuízo do livre consumo de toda a sorte de alimentos por adultos informados e apreciadores de açucares e de outras substâncias e paladares universalmente apreciados pelos bons garfos.
Mas não é deliciosamente aliciante pensar em novas gerações de crianças e jovens saudáveis e bem dispostos, com clara consciência de que a ingestão de alimentos menos adequados também é possível dentro de parâmetros mais adequados?
A educação também deve oferecer uma disciplina mais coerente e benéfica para os hábitos pessoais, orientando jovens e pais para uma maior consciência e melhores práticas em relação aos cuidados de saúde física e mental.
Eliminar excessos indesejados das cantinas escolares é uma medida semelhante à proibição de substâncias como o álcool e o tabaco. A indústria alimentar devia ser igualmente disciplinada para orientar a sua oferta adequadamente para as diversas faixas etárias e de acordo com a actual consciência de práticas nocivas à saúde.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

aos encontrões na luz

foto MMF
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Nem oito, nem oitenta. Nem toda a gente é completamente má, nem completamente boa. Vivemos de luz e escuridão, mas isso também não quer dizer que se saiba exactamente o que se anda a fazer. Às vezes, na sombra até nos orientamos e a maior parte das vezes, na mais completa luz, parecemos uns carrinhos de choque aos encontrões uns aos outros.
Outras vezes as coisas passam-se à nossa frente e não queremos meter-nos, julgando que assumimos assim uma posição de neutralidade. Nada mais errado. Porque uma decisão é uma acção e, neste caso, deixamo-nos nas mãos das decisões de todos os outros. Isto porque, fazendo parte de um todo em que as decisões determinam os resultados, e são um efeito imparável, a nossa neutralidade determina apenas que são as acções dos outros que vão moldar esse efeito, não as nossas.
A Terra e tudo o que nela existe, incluindo a pretensiosa Humanidade, é um todo em constante movimento e evolução, determinada pelas acções e decisões de tudo e todos. A neutralidade é uma ficção que apenas permite que as tomadas de posição dos outros definam o rumo das nossas vidas.
Na verdade, quando nos recusamos a decidir é como se estivéssemos convencidos que podemos manter-nos no meio do turbilhão da corrente sem sofrer os seus efeitos.
A cada um o seu tipo de masoquismo preferido, pois até isso é perfeitamente natural e defensável, ou não seria o que nos esforçamos tanto por fazer a todo o instante.
E o que é que acontece quando tomamos consciência disso? A maioria dos alemães acreditou piamente que não se manifestando contra as acções dos nazis a sua consciência estava salvaguardada. Isso modificou a qualidade dos resultados que vitimaram milhões de pessoas por todo o lado?
Quando as pessoas afirmam que não se metem em política, quando não vão votar, quando não assistem às sessões públicas dos seus órgãos de poder local, não se informam sobre as deliberações que vão determinar o lixo que têm à porta de casa, os impostos que pagam para não terem onde estacionar sem pagar, onde se tratar em condições dignas ou como deixam de poder ver a beleza natural da terra onde vivem porque alguém decidiu ganhar dinheiro com bolhas imobiliárias. Quando acreditam que nada disso lhes interessa ou contribui para a sua felicidade, os resultados são os que aparecem nos seus sonhos?
Acreditam sinceramente que vão poder respirar com a cabeça enterrada na areia? Acreditam que o facto de sonharem acordados é suficiente para alcançar o paraíso?
Boa sorte. Viver como escolhos arrastados pelas tempestades deve ser, realmente, o Eldorado da Humanidade.

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

ouvem os passos?

foto MMF
Parece que vem alguém atrás de nós... Ouviu os passos? 
Acontece com frequência, quando se caminha pelo passadiço da duna da Cresmina, ouvir o barulho das tábuas a ceder sob o peso de quem por ali anda.
O curioso é que, muitas vezes, ao olhar para trás para confirmar que vem gente e ceder a passagem, não está ninguém próximo e o passeio continua, como se nada se tivesse passado.
O fenómeno pode repetir-se várias vezes durante a caminhada e, a menos que as alucinações auditivas façam parte da rotina destes passeios, não parece haver qualquer explicação racional para o som dos passos que seguem os caminhantes.
Certos locais parecem coleccionar histórias fantásticas e nem sequer lhes falta a imaginação popular a embelezar alguns factos menos comuns que lhes são característicos.
A Cresmina parece começar a desvendar uma vida muito própria, com este tipo de singularidades. Se conhece alguma, faça o seu relato e contribua para desvendar os seus mistérios. Pelos vistos, há mais do que os olhos vêem...

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

continuem a sonhar

foto daqui
Nos idos anos 80, quando ainda era a única via de comunicação entre Lisboa e Cascais, alguns dos troços da belíssima Estrada Marginal estiveram sob ameaça de colapsar devido à erosão provocada pela água do mar.
A construção da autoestrada de Cascais, a partir de Caxias, foi acelerada para acautelar um iminente corte da circulação rodoviária. Na década de 90 a A5 passou a ser a grande alternativa à Marginal.
Agora, por causa do estado degradado da ligação ferroviária da Linha do Estoril, o grande plano é dedicar uma faixa exclusiva da autoestrada aos autocarros.
No entanto, alguns dos defensores dessa medida são os mesmos que se propõem construir mais uns fogos descaracterizados à entrada de Cascais, aumentando com isso a circulação automóvel nuns milhares de unidades, sem outras preocupações que as de 'plantar' mais imobiliário numa das zonas nobres da vila.
Dentro do mesmo obscuro raciocínio surge a venda do antigo hospital de Cascais para acolher o primeiro pólo universitário privado de medicina do país. Numa zona já há muito saturada em termos de circulação e estacionamento.
Farão estas medidas sentido para o benefício dos munícipes? Que capacidade real tem o centro histórico da vila para sustentar este tipo de projecto, quando estudos feitos se pronunciam contra as consequências do mesmo?
A quem interessam estes projectos megalómanos que enchem Cascais de betão e agravam as condições de vida de todos?
Não seriam estes projectos, e outros, como a mega escola de Economia, à beira-mar de Carcavelos, mais úteis no interior do concelho, onde o investimento teria um efeito bem mais benéfico para as populações, diminuindo as assimetrias em relação ao litoral?
Por que razão os cidadãos de Cascais não se pronunciam sobre estas questões, deixam vazios os lugares destinados ao público nas sessões camarárias e da Assembleia Municipal, vertendo todas as escolhas para as mãos de quem devia proteger os seus interesses mas, pelos vistos, não o faz?
Acham que depois destas e de outras aberrações decisórias os turistas vão continuar a chegar aos magotes para visitar o inferninho em que a Costa do Estoril se vai transformar?
Continuem a sonhar...

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

cães selvagens na duna

Photo by Mafalda Mendes de Almeida

Começaram por ser abandonados na rua, os cães de grande porte que agora se refugiam na duna da Cresmina e se tornaram selvagens. Ainda hoje se avistaram dois, tranquilamente deitados ao sol.
O problema começa quando se junta uma matilha com pelo menos seis destes cães que se refugiam mos buracos e vegetação cerrada e buracos na faixa dunar que vai do Guincho à Costa da Guia, passando pela Quinta da Marinha.
São locais de lazer de que muita gente desfruta em passeios e visitas, sem suspeitar que a qualquer momento podem cruzar-se com estes animais que se habituaram a sobreviver sem a ajuda do homem. 
Passam a maior parte do tempo longe da vista dos humanos que, inicialmente, os acolheram nas suas casas e depois traíram a sua confiança largando-os na rua, quando deixaram de ter graça e a exigir mais do que os seus irresponsáveis "donos" acham que eles merecem.
Transformam-se assim em cães "selvagens", juntos numa matilha que por vezes assusta e ameaça quem caminha pelo passadiço.
Há meses que se alertam os rangers da Cresmina para a sua presença e se espera que uma equipa de resgate da Fundação Francisco de Assis consiga apanhá-los.
Com um bocado de sorte, evitarão os seres humanos de que aprenderam a desconfiar e, se tudo correr bem, ninguém terá de os enfrentar numa situação mais extrema.
Ficam as óbvias perguntas: não haverá mais a fazer do que aguardar que uma equipa de resgate consiga deitar a mão a estes cães? E que lhes acontecerá depois de serem "resgatados"? Estarão tomadas todas as medidas e cautelas para prevenir encontros indesejados com estes animais que também são vítimas involuntárias dos caprichos humanos?

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

mea, mea culpa

photo by Mafalda Mendes de Almeida
Há coisas que são demasiado sérias para se ignorarem. Como acções que nunca se devem permitir e silêncios incompreensíveis sobre elas.
Diz a lei que o respeito pelos representantes do povo é um dever. O que é de grande sensatez, visto que não é apenas o indivíduo visado que é desrespeitado, mas o conjunto de pessoas que o elegeu.
Por isso é tão dolorosamente estranho observar a forma como os vereadores da oposição são tratados em sede das reuniões da Câmara Municipal de Cascais. E como ninguém se manifesta contra isso.
É sabido que há uma coligação maioritária no poder, mas isso não justifica o desrespeito pela lei e pelos valores humanos que nos conferem dignidade.
Na última reunião do executivo, os vereadores da oposição foram sistematicamente tratados como caloiros ignorantes pelo representante da referida coligação, cuja obrigação é defender, no mínimo, todos os cascalenses, independentemente da sua orientação partidária.
Em vez de esclarecimentos, rebaixam-se os intervenientes, como se de cidadãos de segunda ou terceira classe se tratassem. Sem o mínimo sinal de reconhecimento do abuso verbal da parte de qualquer dos presentes, com assento na mesa ou entre o público.
Como se o bullying fosse aceitável num sistema que se quer democrático. Se não estamos num regime totalitário, que medo é esse que se sente em sessões públicas dos poderes locais? Que se passa no consciente e inconsciente colectivo dos cascalenses? Que paralisia é esta a que se assiste?
Na mesma sessão, um vereador da oposição foi três vezes chamado desonesto, como se um insulto desonroso fosse uma coisa aceitável numa reunião oficial e pública. Na última votação dos trabalhos, foi liminarmente recusada a declaração de voto a outro vereador, sem outra justificação que o "Não lhe dou a palavra" de quem presidia aos trabalhos. (Ver aqui.)
Não havendo capacidade de reacção pública a este tipo de conduta, resta concluir que, por força do hábito repetido do abuso, abusadores e abusados estão inexplicavelmente enredados em dúvidas  e confusões sobre o que é certo e o que é errado na generalidade.
Se a consciência de uns e de outros não encontra forma de reagir e prevenir estes factos, não nos resta outra hipótese senão a do bom exemplo:
  • Pedir publicamente desculpas pela injustiça perpetuada pelo conjunto de indivíduos que lidera a coligação maioritária no concelho, porque erradamente confundem o abuso de poder com a honra de servir com humildade e honestidade todos os munícipes. 
  • Pedir desculpas porque, pessoal e individualmente, somos todos responsáveis pela permissividade que infectou a auto-estima geral e permitiu que este tipo de situações tenham lugar.
  • Reiterar publicamente o compromisso de adoptar todos os meios ao nosso alcance para que não se repita o sucedido e se restaure a dignidade das reuniões do executivo que dirige os destinos da nossa terra e, por conseguinte, a sua imagem pessoal e pública.

A bem de Cascais.

terça-feira, 24 de outubro de 2017

parolismos e finezas

 Elephant in the Room – Claire Morgan – Hull UK City of Culture 2017 (Photo by Tom Arran)
Lembrava-me um amigo, aqui há dias, que a cultura não tem que ver com as artes, mas com uma fórmula mais abrangente de estar [Edward B. Tylor: cultura é "todo aquele complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade"].
Algumas pessoas desenvolvem, durante a sua vida e por motivos que não vale a pena enumerar aqui, uma insegurança que as leva a considerar a sua cultura sempre aquém do que outras culturas fazem ou desenvolvem. A galinha dos vizinhos parece-lhes sempre mais gorda que a sua.
Temos então os parolismos, que são aqueles considerandos que levam as pessoas a aclamar cegamente o que se faz "lá fora" como o cúmulo do moderno e desenvolvido. E a desdenhar o que se desenvolve à porta como coisas sem valor e sempre abaixo dos modelos de outras bandas e outras culturas.
Não havendo nada de errado nas ideias e nas formas como se desenvolvem as culturas estrangeiras, não deixa de ser um parolismo negar a própria e condenar a criatividade local às catacumbas da inutilidade.
Por exemplo, Cascais tornou-se nos últimos anos, um exemplo de parolismo extremo. Confunde-se o cosmopolitismo com a imitação cega, compram-se mundos e fundos de ideias e espectáculos estrangeiros e não se aproveita a matéria-prima local.
O contacto com culturas diferentes nada tem de despropositado e é até estimulante. Mas dar-lhe a primazia enquanto se enche a boca com as características qualidades locais, é no mínimo insensato e arrisca uma amálgama descaracterizante que, no final, só prejudica a cultura local. Quem, no seu perfeito juízo, viria para Cascais ver o que pode ver nas suas cidades de origem?
É o talento e a cultura local que atraem gente de outras culturas. É desnecessário mostrar-lhes mais do mesmo, porque não é isso que buscam.
O medo de não ser suficientemente bom para os outros é um parolismo a evitar. O que nos faz bons é o respeito pelo que somos e fazemos, assim como o respeito pelo que os outros fazem e sabem. Conjugar as duas coisas é uma fineza de espírito que nos torna excepcionais.
[A fineza de espírito consiste em pensar com honestidade e delicadeza - François Rochefoucauld]