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segunda-feira, 7 de agosto de 2023

um homem bonito

 

Jorge Indìveri (foto de família)

Ontem deixou-nos um amigo de muitas décadas. Um homem bonito, que tive a sorte de conhecer. 
Inteligente, generoso, com sentido de humor, que sabia viver com alegria, especialmente quando as circunstâncias pareciam mais negras.
O Jorge era uma dessas pessoas que entra na nossa vida e já não sai. E a sua vida trazia a promessa de muitos mais anos, numa família em que os homens ultrapassam habitualmente os cem. Um século seria ainda pouco para desfrutar da sua companhia e do seu conhecimento.
Quando o visitei pela última vez, falámos do que pretendíamos continuar a fazer nos próximos tempos. O amanhã é garantido, uma promessa para sempre e uma fidelidade que ultrapassa o senso comum. Conhecemos as probabilidades da nossa passagem por este mundo, mas mantemos a sensação de que somos eternos. E, mesmo sabendo o que vai acontecer, nunca estamos preparados para uma perda deste tipo.
Conheci o Jorge há quarenta anos, pela mão de outro amigo querido, o Bruno Pizzamiglio. E uma boa parte da comunidade argentina que se tinha mudado para cá depois de Abril de 1974. Gente com incríveis histórias de vida que esticaram o meu mundo em muitas direcções.
Ao Jorge calhou a tarefa de me tratar de forma não tradicional, numa altura em que a medicina era só a dos hospitais. Três meses e meio de dieta ultra rigorosa mudaram o rumo da minha saúde e da minha vida.
A meio do tratamento, convidou-me para um churrasco argentino que ia contra todas as regras do meu tratamento. Quis saber como conciliava o convite com a dieta que estava a fazer. Não havia problema, segundo ele. Interrompia o tratamento no domingo do churrasco e, na segunda-feira, começava do princípio outra vez. Ainda me lembro da gargalhada de satisfação com que rematou a resposta.
Vou ter muitas saudades tuas, Jorge. E aguardar que o tempo me leve até esse lado e nos devolva a mais uma vida de bom trato e alegrias. Até já.

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

liberdade e vacas

"jovita, the cow" by Marita Moreno Ferreira
Descendo um dia de carro pela lisboeta Avenida da Liberdade, ao abrir de um sinal amarelo, parei conscienciosamente e aguardei que o vermelho desse lugar ao verde. A condutora de trás não apreciou a minha escolha e, de rompante, muda de faixa, pára ao meu lado, abre a janela e grita: "Vaca!"
"Onde?" pergunto, girando a cabeça de um lado para o outro à procura do bovino.
A condutora respondeu com murros furiosos na buzina, provavelmente para desimpedir a via do indevido uso pelo animal.

quarta-feira, 13 de junho de 2018

altares e sardinhas


"Santo António de Lisboa, embora muito festejado e venerado como santo pelo povo, é menos conhecido como um homem de cultura literária invulgar e como um verdadeiro intelectual da Idade Média. Reveladora dessa cultura ímpar, é a sua obra escrita, cheia de beleza e densidade de pensamento, como nos testemunham os seus Sermões, autênticos tesouros da literatura e da história. Vasta, profunda, extraordinária, a respeito da Bíblia. Ampla, variada e bem apropriada nas transcrições dos Padres da Igreja e dos autores clássicos. Impressionante, para o tempo, não apenas pelo conhecimento que revela das ciências naturais e das humanidades, mas igualmente pelo erudito discurso sobre noções jurídicas, como Poder, Direito e Justiça". José Antunes (fonte: Wikipédia)

Os milagres deste santo e de outros não se estendem às sardinhas, peixinhos que vão à vida nas brasas dos bairros típicos de Lisboa ou em Cascais, que o elegeu como patrono. 
Há umas décadas os peixinhos saltavam das redes para os assadores improvisados junto à praia do peixe, agora elevada à dos banhos do presidente nacional. A festa encaixotou-se em barraquinhas que vendem hot dogs e souvenirs, que duram tanto como os ensurdecedores concertos de verão. 
As casinhas dos pescadores também são promovidas a residências pitorescas para alugar à época e a vida segue, sempre com os milagres santificados do progresso imobiliário. 
As sardinhas, unidas, são comidas por muitos Antónios e vendidas como símbolos pitorescos do País dos santos populares. À beira-mar a festa é um sunset com cerveja e música pum-pum-pum, no interior chama-se arraial e recebe artistas pimba.
Quem é que precisa de tímidos milagres ao pé do foguetório da propaganda da festa e da alegria, a beber fruta empacotada em bolsinhas de plástico, detergentes que nos envolvem com aromas descritos por apolos depilados que estalam os dedos à máquina da roupa, de carros de ficção à mão de umas quantas prestações e pensos higiénicos que transformam as jovens em artistas de circos psicadélicas?
A vida é uma festa e a ressaca é tramada. As sardinhas vão para o velho altar dos sacrifícios, com grinaldas e balões, cânticos e muitas palmas. Arraial, ó lusa gente...