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terça-feira, 26 de janeiro de 2021

a respeito do respeito

 

Aida (Dombe, Moçambique, 1956)

Hão-de reparar no pormenor do pedaço de madeira estrategicamente colocado à frente do pneu, para evitar deslocamentos desnecessários do jipe. Nada que hoje passasse numa inspecção, mas naquele tempo era a garantia de que os seus utilizadores não ficavam totalmente isolados a mais de duas centenas de quilómetros do lugar habitado mais próximo.
A jovem na fotografia é a minha mãe, Aida, aos 23 anos. Um ano antes tinha saído de Lisboa pela primeira vez para acompanhar o meu pai, Manuel, na sua carreira administrativa em Moçambique. O Dombe, no planalto de Manica, foi o primeiro posto que lhe foi atribuído. Meia dúzia de casas e uma estrada de acesso que chegava a ficar seis meses debaixo de água. 
Era preciso fazer rancho para sobreviver durante essa parte do ano, aguentar os tremores de terra e as trovoadas tropicais, entre outras manifestações naturais como o paludismo, o tifo, a cólera e outras maleitas de que não se chegava a conhecer um nome.
A Aida teve cinco filhas, montou e desmontou casa nove vezes em dezoito anos, conheceu Moçambique de Norte a Sul, protegeu a sua família, amigos e gente de quem mais ninguém queria saber. Também deu abrigo a toda espécie de animais, dos cães e gatos, aos jacarés e javalis, lagartixas e outras criaturas menos vulgares.
Foi sempre a aglutinadora das relações, a pessoa a quem se recorria para estabelecer a ordem e as regras colectivas. Garantiu ajuda e conselhos, reconciliações e festas de família para todas as almas solitárias.
Hoje, quase a completar o seu 88º aniversário, está no hospital onde entrou para ser cuidada e acabou por ser infectada pelo SARS-CoV-2. Isolada da família, é mais um número para as estatísticas. E as informações sobre o seu estado começam muitas vezes com uma referência de toada fadista à sua idade.
Como se quem a ela se refere soubesse a vida recheada e de grandes histórias de sobrevivência por que passou. Como se tudo agora se resumisse a um corpo frágil que precisa de ajuda para se manter.
Sei que dentro desse corpo que resiste está a Aida que quem ama conhece, ainda a guardar a memória que nos alimenta a todos. 
Um povo sem memória não aprende, não beneficia da experiência que tantas vidas cheias transmitem. Nem se dignifica no desprezo pelo imenso contributo que os mais velhos já asseguraram para a vida e a sociedade das novas gerações.
A Aida educou os seus para não esquecer e observar em todos as mesmas e devidas necessidades. E para oferecermos a nossa voz para a defesa dos que não têm quem os defenda. 
Esperemos, por isso, que este relato sirva para nos lembrar que, na saúde e na doença, ninguém perde os seus direitos nem o respeito devido. E é justamente nas crises que isso deve ser assegurado até ao limite de todas as possibilidades. A idade não pode ser um argumento discriminatório para os mais velhos, como já não o é para os mais novos. 
A Aida não precisou que um Estado ou uma religião ou uma ideologia a ensinassem a observar valores humanistas. Sempre tratou todos com o maior respeito. Nem dispensou jamais o respeito pelos que não o manifestavam por ela.

sexta-feira, 27 de março de 2015

Artemisia Gentileschi: uma história de grande actualidade



Num meio dominado por homens, a pintora Artemisia Gentileschi teve de provar a sua inocência como vítima de violação por parte de um pintor contratado pelo pai para lhe dar aulas. Uma história de grande actualidade, visto que apenas uma ínfima percentagem de mulheres consegue, nos dias de hoje, ver os seus direitos plenamente reconhecidos. E em que o feminismo é um termo ainda vergonhoso para qualquer dos géneros, especialmente para o feminino. A obra de Artemisia Gentileschi deixa antever toda a revolta que deve ter sentido e os seus fantásticos dotes artísticos.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

do delírio de abuso e extorsão

by DarkPhoenix36
Que diferença existe entre as abusivas práticas de ditadores e vilões universais da nossa história global e aquilo que hoje se faz contra os vulgares cidadãos? Que tem de diferente a implementação de medidas legais que permitem que estados e empresas a perseguição de pessoas que se vêem privadas de direitos elementares de defesa e de acesso a trabalho e bens essenciais por incapacidade de cumprirem com obrigações financeiras específicas, criadas e manipuladas pela voracidade de máquinas de enriquecimento imediato, alavancadas numa mentalidade de exploração desenfreada de recursos?
Existe realmente diferença entre monstros e ditadores que se aproveitaram e do poder para perseguir indivíduos e grupos de forma sistemática e os novos gestores e governantes que, na actualidade, usam a sua capacidade de pressão para legitimar práticas desumanas contra os indivíduos?
Com que direito empresas de fornecimento de bens essenciais como água, gás, luz e comunicações se arrogam abusos que comprometem o acesso dos cidadãos a um mínimo de conforto e satisfação, sem qualquer recurso imediato a mecanismos de defesa e protecção eficazes?
Que engenharia financeira legitima a perseguição telefónica e por email de pessoas que ao primeiro contratempo se vêem impedidas de renegociar empréstimos bancários e dívidas tributárias ou de segurança social (nome manifestamente desadequado para o conceito vigente de protecção dos direitos civis)?
Será que temos de aceitar como normal um comportamento que impede cidadãos menos privilegiados de trabalhar por não disporem de meios para pagar as elevadíssimas taxas que "legalizam" o seu direito e acesso ao trabalho?
Devemos considerar normal o abuso que permite aos estados e às empresas regalias completamente opostas e a utilização maciça de meios de coerção para a extorsão de qualquer quantia a que se arroguem o direito de cobrança?
Como se pode explicar que o estado conceda à autoridade tributária a capacidade de cobrança de dívidas a empresas exploradoras de concessões de auto-estradas, depois da massificação de portagens e exclusão de alternativas de acesso púbico gratuito?
O acesso a uma justiça rápida e eficaz, outro direito inalienável, também se distancia cada vez mais dos menos privilegiados e do cidadão comum. A inversão do senso comum e da humanidade a todos devidos é a regra, num regresso a eras de trevas que nada fica a dever a períodos de má memória como invasões, sistemas totalitaristas e ditatoriais, crimes contra a humanidade e outras aberrações.
Há quem diga que se vivêssemos em ditadura não poderíamos expressar livremente a nossa opinião e o nosso descontentamento. Mas até a livre expressão se tornou uma arma para quem hoje tem meios de identificar e conhecer os descontentes, manipulando o seu acesso a outros direitos.
Também se diz que não há comparação entre outras formas de ditadura e a democracia que ainda vigora. Na verdade, o que não há é escala, em graus ou níveis, para a maldade e o que não se deve fazer. Se está errado, é errado. A escolha é simples: ou está bem, ou está mal.
A invenção dos graus de maldade que podem ser legitimamente usados é uma infeliz desculpa do Mal. O Bem nunca prejudica ninguém e as leis de protecção dos direitos civis e humanos só se pode gerir por essa simples norma por legisladores e agentes de justiça de boa e normal intenção.
E fazer porque toda a gente faz nunca legitimou nenhuma prática. E é completamente anormal e ilógico que se exija de alguém que se atire para um poço só porque a desfaçatez legislativa e de práticas criminosas o permite. Além disso, deve ser possível condenar quem propagandeia tais coisas e coage outros à participação nesse delírio colectivo de extorsão e exploração global.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

justiça

A única coisa verdadeiramente em crise a nível global é a Justiça. Por alguma insondável razão, as pessoas que neste momento se concentram a dar forma a esta nova Idade Média, subjugando biliões de pessoas a uma nova escravatura, acreditam que vão sair para sempre impunes dos seus crimes.
Porque é crime sujeitar um ser humano a uma vida de sofrimento e exploração, sem lhes dar sequer a oportunidade de acreditar que há outras formas de existir. É crime retirar toda a forma de subsistir e de esperança, de se defender e de ter uma participação activa nas decisões para a sua vida.
A conjuntura não explica mais do que a capacidade de uns milhares subjugarem todos os outros. E de terem organizado um sistema de leis em que as suas acções não são jamais sancionadas, enquanto tudo o que seja da livre iniciativa dos outros esteja limitado por regras incapacitantes.
A Justiça é a maior executada neste sistema imaginado para produzir o terror e inibir o livre arbítrio. Caiu nas mãos de uma gigantesca operação de marketing e é fuzilada todos os dias por milhões de regras criadas para a manietar e a lançar contra aqueles que deveria defender.
Precisamos de uma OPA sobre a Justiça, orientada para os desclassificados do sistema, de forma a que se crie uma corporação de direitos que sirva de facto o indivíduo e não essa gigantesca máquina neo-feudal que já ninguém governa nem sabe como parar.