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sexta-feira, 26 de novembro de 2021

a propósito de bruxas

 

"Balelize III" by Marita Moreno Ferreira (acrylic on canvas, 100x100 cm)


A propósito de bruxas há que dizer: quem, no seu perfeito juízo, perseguiria gente tão conhecedora de factos e segredos, de mistérios que são úteis a todos? A Inquisição, que era uma espécie de polícia de costumes da Igreja, ou o braço armado dela, depois de ter dado cabo dos Templários e outros tentáculos que caíram em desuso ou em desgraça completa, tentou acabar com elas. E com todas as mulheres que insistiam em ser livres.
Não parece ter conseguido, porque as bruxas são como as beldroegas. Quando damos por elas, já se espalharam pelos vasos, canteiros, campos. Não há como as conter, a não ser com um novo olhar sobre elas: são gente resistente, esperta, cheia de saberes e têm um riso incontrolável. Como não as admirar?
A minha família, por exemplo, que tem um número exageradíssimo de mulheres, é sem dúvida um caldeirão de multiplicação de bruxas. A começar pelo feitio: não se pode falar com nenhuma das mulheres desta família sem ter em conta o mau feitio desgraçado de uma, de outra, enfim... De todas.
A explicação para o mau feitio parece estar no tempo gasto em considerações pré-bruxedos. Do género: pequenos-almoços mágicos interrompidos que perdem qualquer poder com o aparecimento e a intervenção de estranhos.
Outro exemplo: mentiras, estúpidos actos de abuso de poder e todas as faltas de respeito na escolha dos alimentos perfeitos para cada ocasião ocasionam ralhos que nunca mais acabam. O motivo: nenhuma bruxa se contenta com menos daquilo a que tem ou temos todos direito. Não há uma que consiga entender uma escolha limitada quando a totalidade é que deve ser mandatoriamente gozada.
Bruxas são gente inteira e não pelos olhos verdes penetrantes, ou os gatos pretos que não lhes largam o colo, ou os corvos que as acompanham pela vida fora. Também há disso e vassouras em modelos para todas as necessidades. Mas nada disso se compara ao que elas são, de verdade.
Forças naturais deste mundo, não reagem nada bem quando contrariadas. Como vulcões, têm de expelir lava quente e fumaceiras diversas para mostrar que estão zangadas e que não há necessidade de tentar evitar as magníficas correntes de força que são capazes de criar.
E se acham que só se vestem de negro e praticam as suas artes em caves escuras ou torres só frequentadas por aranhas e morcegos, tirem daí o sentido.
As mais perigosas e ladinas são as que parecem anjos e irradiam luz e se divertem a confundir as percepções de quem apenas acredita que vive como um mero mortal. As partidas que pregam aos ingénuos só servem para os desenganar e tentar mostrar-lhes o caminhos direitos.
O que acontece é que há muitos fabricantes maliciosos de bússolas imprestáveis que recheiam as suas vidas de bens venais contribuindo com indicações infelizes para quem quer mais do que os olhos vêem entre os céus e a terra.
Esses ratos, que se escondem dos caldeirões das bruxas, não aprendem grande coisa, mesmo quando lhes espreitam as práticas. Porque, como bem se sabe, os ratos não vêem grande coisa e têm de usar a barriguinha para contar os seus parcos benefícios. E quando não podem comer, desdenham as coisas de maior qualidade.
É uma história triste, a dos ratos cegos e a precisar de encher a barriguinha. Mas essa fica para outras récitas.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Michel Houllebecq e o extremismo dos média



David Pujadas (22 Heures) faz desta entrevista uma espécie de inquisição ao trabalho do escritor. Ao que parece, ser um autor de grande sucesso obriga o romancista Michel Houllebecq a justificar todas as "intenções" da sua ficção.
Nesta sociedade obcecada com o controlo das ideias, o "grande jornalismo" perdeu de vista a sua vocação original para assumir o papel das grandes tendências deste século: ao indivíduo é exigido que se retrate sempre que se afasta da ideia decidida pelo establishment, enquanto aos políticos e figurões dominantes se sugere, timidamente, que nos elucidem sobre as suas determinações.
David Pujadas não ouve o entrevistado, ignora sistematicamente as suas respostas, tendo logo de início estabelecido que Michel Houllebecq gosta de ser polémico, e durante as suas intervenções, tem o cuidado de olhar com frequência para a câmara e assegurar que ele é a estrela da entrevista e que as suas palavras são dominantes durante a mesma.
Truques de algibeira para desacreditar o papel do escritor e a sua obra, que é uma das mais lidas actualmente. David Pujadas chega ao ponto de confundir o autor com asa suas personagens, como aquelas pessoas que, na rua, abordam os actores das telenovelas e os confrontam com os defeitos e qualidades das suas personagens.
Triste espectáculo o desta entrevista, em que o escritor é acusado de dar um presente a Marie Le Pen, com a publicação do seu último romance "Soumission", lançado este ano. Mal se ouve a resposta de Michel Houllebecq, afirmando que nem considera o "extremismo" descrito como tal.
Na realidade, ninguém está interessado em saber as razões do escritor quando tenta dar veracidade às suas personagens. O importante é convencer os seus leitores de que é um extremista e impedir os futuros leitores de comprarem a sua obra ou, fazendo-a, que a leiam sem os preconceitos do regime instituído.
No fundo o establishment sabe que o domínio das ideias é o único e verdadeiro poder, sendo pois de extrema importância condicionar o pensamento de todos através de conceitos que não são, nem inteligentes, nem verdades universais, mas apenas castradores e consubstanciadores do verdadeiro extremismo e do verdadeiro terror: a ideia de que as ideias têm de ser limitadas e que a violação deste facto constitui um perigo e, portanto, um crime.
O extremismo limita e, nesse aspecto, a ordem mundial a que estamos sujeitos é de uma castração ímpar. Michel Houllebecq pensa tão livremente quanto pode, escreve da mesma forma e, como muito bem diz, o que as pessoas pensam é com elas. E não há regime que possa impedir esse facto, embora as tentativas sejam muitas, repressivas e a maior tolice de que um ser humano é capaz.

terça-feira, 19 de março de 2013

os pequenos ladrões

Os pequenos ladrões - Ilustração MMFerreira
Deve ter ficado da inquisição ou dos idos tempos da pide, esta mentalidade dos pequenos ladrões que, por alguma ironia do destino, acreditam que a justiça nunca se preocupará o suficiente com eles para os perseguir. É a mentalidade do triste eleito no último escrutínio português, em que conseguiu convencer um considerável número de pessoas que era melhor do que os outros. Aproveitou o desânimo geral para criar esperanças de mudança, como qualquer vendedor de pontes sobre o Tejo ou de Rossios, instalou-se num poder que, obviamente, se encontra destituído de mecanismos de controlo, e apressou-se a contratar outros pequenos ladrões para o seu gangue. A finalidade é vender rapidamente o País aos grandes ladrões, que por falta da tão crucial honestidade pessoal também acreditam que ficarão impunes para todo o sempre, têm como objectivo controlar, dos seus escritórios virtuais, o mundo inteiro. No final desta história, vão viver felizes num qualquer bunker escondido das multidões escravizadas e enfurecidas, muito felizes com as suas incomensuráveis fortunas e aterrorizados com a possibilidade de os descobrirem e voltarem a tirar o que tão vilmente arrecadaram.
A história dos pequenos e grandes ladrões nunca é gloriosa nem feliz. Mas é especialmente triste porque os seus personagens se iludem com a ideia de que são muito mais espertos e capazes do que os outros. Alheados da realidade, são incapazes de avaliar as consequências dos seus actos e, quando isso acontece, tudo o que lhes resta é o instinto sobrevivência dos animais acossados, desesperados e em permanente fuga dos seus predadores. São alcateias que acabam por se lançar no precipício por falta de outra direcção de fuga. E, nessa altura, onde está o poder e a glória que tão desastradamente construíram?
Os pequenos ladrões são sempre infames e desgraçados, cães selvagens cujas dentadas se fincam na sua própria carne. O seu destino é sempre tenebroso porque não há futuro nem progresso na ausência de consciência. E os heróis são sempre os que chegam depois.