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terça-feira, 19 de junho de 2018

comunhão

Há uma razão para procurar a comunhão com os outros, respeitando a energia que se gera em conjunto quando se abandona o tumulto da individualidade cega. É diferente do exercício social de todos os dias, em que a energia pessoal lembra uma corrida desnorteada de carrinhos de choque.
Com os outros é preciso estar num modo comum, que funciona como uma ligação perfeita de várias fontes numa colaboração para um único fim. O que se faz, habitualmente, é tentar o bom funcionamento de uma ligação destrambelhada, sem consciência do adequado benefício mútuo.
As regras sociais não contemplam a compreensão desse benefício. Ditam-se pela aparência do que pode resultar da reunião de muitas individualidades diferentes. Continuamos a portar-nos como esferas loucas em atrito numa bolha de limites decididos pelo que hoje se toma por racional.
É difícil encontrar lógica e desfechos prováveis num método que se rege pela aparência e pela negação de tudo o que não passa apenas pelos cinco sentidos. É envolver a vida nas fronteiras do seu mínimo denominador comum, aniquilando todos os seus outros ilimitados atributos.
Levam-nos a palma todas as criaturas ditas irracionais que se reúnem regularmente para temperar a sua energia, mesmo na hipótese da sua falta de consciência do poder desse acto. Na sua missa (do latim mitto, -ere, enviar, mandar, de Ite, missa est, ide, está enviada [a oração ou a mensagem]) silenciosa e tácita, fazem a invocação necessária para o seu melhor funcionamento como grupo e indivíduos.
Assim fosse com as tontas baratas humanas e muita irracionalidade se pouparia.

[Nota imprescindível: nenhum animal racional ou irracional foi sacrificado para prova dos factos aqui registados; toda a invocação se limitou ao riscar da tinta sobre o papel, depois de devidamente apresentada a maior gratidão necessária para com os elementos de produção de pigmentos e tecido celulóico.]

terça-feira, 12 de junho de 2018

a natureza das coisas


A natureza das coisas é uma forma de dizer com uns filtros injustos. Quando se afirma assim a propósito de uma constatação avulsa, o que estamos realmente a dizer é aquilo que a experiência dos nossos sentidos neste mundo dita.
Há outra natureza em tudo, que desperdiçamos constantemente. A que elaboramos com o pensamento e a curiosidade, com as ligações que surgem de cada vez que uma ideia aparece vinda do nada. 
Com ela, a natureza das coisas expande as suas fronteiras além do que vemos, ouvimos, tocamos, cheiramos ou saboreamos. Parece que devíamos ater-nos apenas ao mundo material a que estamos vinculados, mas o que se passa na nossa cabeça teima em sugerir-nos mais.
São ideias que chegam sem se fazer anunciar e que por vezes demoram só um instante. Mesmo quando descartadas por não fazerem parte da equação habitual da vida, tomam lugar no nosso pensamento e voltam aqui e ali, como lembretes de tarefas por preencher.
Ora, se a natureza das coisas é só a material e à vista, por que razão estas ideias insinuantes teimam em brotar naturalmente na nossa mente? Não são intrusas inesperadas e ficam instaladas no nosso mundo até voltarmos a elas e lhes prestarmos atenção.
Fazem parte da natureza das coisas e mostram-nos que há mais entre o céu e a terra do que gostamos de admitir. São uma espécie de reservas que ignoramos, mas que estão lá sempre. Por que motivo ignoramos esse capital, quando nos desesperamos tantas vezes por não entender a escassez com que encaramos e apreciamos o mundo à nossa volta?

quarta-feira, 16 de maio de 2018

a lógica dos direitos


Sou mais do tipo de esperar para ver o que acontece a seguir. Sobretudo em questões sobre as quais é melhor admitir que não se sabe, em rigor, nada. 
Na ausência de informação mais fidedigna, a lógica parece ser a medida mais acertada. Mesmo quando possivelmente contaminada com preconceitos ainda por reconhecer.
Por exemplo, fará sentido decidir pelos outros quando as circunstâncias a que estão sujeitos os levam a ponderar a desistência como solução? Quando se encaram condenações à morte como medidas de justiça e se matam animais diariamente como se não houvesse amanhã? Será o respeito pela vontade dos outros tão desadequado e ilógico?
A morte é o destino final de tudo e de todos, por isso é desnecessária ajuda nesse departamento. Falho no entanto em compreender por que se age dessa forma em tantos casos, todos os dias, e depois se reluta em considerar que é um direito quando o grau de sofrimento envolvido é avassalador.
É igualmente injusto esperar que alguém tenha a coragem e a lucidez necessária para decidir pelos outros. E o sofrimento é um péssimo conselheiro, que nos priva de imaginar desfechos óptimos. Mas a experiência da vida é tão pessoal como as decisões que tomamos sobre ela.
Fazemos escolhas a todo o instante e, de repente, em questões fundamentais, são os outros que querem ter o privilégio da decisão. Sabe-se lá por que divino direito.

domingo, 15 de abril de 2018

uma questão de lógica


Por uma questão de lógica, se condenamos ataques e bombardeamentos, que sentido faz atacar ou bombardear quem faz o mesmo? Só se for o de abdicar do que achamos certo para descer de nível num jogo que, à partida, não se quer jogar.
Que sentido faz, na mesma linha lógica, condenar à morte quem mata? Ou ser a favor da pena de morte e depois condenar o aborto como um assassínio? 
Olho por olho e dente por dente é uma resposta de quem está acossado, de que não vê alternativas. No entanto, há sempre outra forma de ver as coisas e não é perpetuando uma cadeia de agressões que se vai à origem dos problemas para mudar o padrão, ou paradigma, que nos aprisiona numa realidade que não se quer viver.
Tomar partido também não resolve um conflito. Apenas adiciona mais peso a um dos pratos da balança, sem diluir o que divide, sem conduzir uma outra direcção.
Estaremos condenados a debatermo-nos ciclicamente com estes impulsos irracionais, em vez de reconhecer o medo pelo seu real valor, ou falta dele?

quarta-feira, 4 de abril de 2018

cobras, lápis e paraíso


Toda a gente sabe que há cobras à espreita no jardim do Paraíso. Foi assim que caíram os papás da Humanidade. Também havia maçãs proibidas. 
Será possível imaginar um paraíso tão cheio de perigos e interdições? Não parece perfeito e muito menos obra de um Criador benevolente. Embora não documentado, o lápis da censura já devia andar a fazer das suas na altura.
Com um exemplo assim é difícil imaginar um mundo melhor e optar por práticas mais coerentes de liberdade de expressão. Qualquer dia nem uma pêra rocha de pode trincar sem verificar primeiro se há um fiscal de costumes por perto.
É mesmo possível que o espírito crítico e a lógica mais clara sejam subliminarmente influenciados por estas histórias contaminadas por dogmas que ouvimos desde crianças. É a educação imposta, na sua pior versão.
Seria mais justo educar para ir ao encontro do que hoje se sabe que são paradigmas mais saudáveis. Mas a educação dos dias de hoje tem uma lógica de mercearia, com o deve e o haver postos nas empreitadas para os edifícios e para o serviço de refeições, deixando para segundo plano os meros pretextos que são alunos e professores, bem como a troca de informação que nutre o conhecimento que muda mundos.
São investimentos armadilhados, sem retorno lucrativo enumerável, sempre na lógica do paraíso envenenado e para sempre adiado, como a cenoura que segue à frente do burro e que deve ser inatingível para o manter em movimento.
A mais fácil conclusão é a de estarmos perante mais um fenómeno de manipulação de informação nessa história do paraíso de que qualquer um pode tombar, provavelmente criado pelos órgãos de comunicação de massas da altura.
Assim se faz refém o futuro da Humanidade, com contos cheios de pontos acrescentados e dirigentes que são, afinal, homenzinhos de cinzento munidos de lápis azuis. Enquanto esperamos por melhores tempos e não pomos a lógica na linha.

domingo, 25 de março de 2018

nem por sombras?


Come gather 'round people / Wherever you roam / And admit that the waters / Around you have grown / And accept it that soon / You'll be drenched to the bone. / If your time to you / Is worth savin' / Then you better start swimmin' / Or you'll sink like a stone / For the times they are a-changin'. // Come senators, congressmen / Please heed the call / Don't stand in the doorway / Don't block up the hall / For he that gets hurt / Will be he who has stalled / There's a battle outside / And it is ragin'. / It'll soon shake your windows / And rattle your walls / For the times they are a-changin'. // Come mothers and fathers / Throughout the land / And don't criticize / What you can't understand / Your sons and your daughters / Are beyond your command / Your old road is / Rapidly agin'. / Please get out of the new one /If you can't lend your hand / For the times they are a-changin'. (Bob Dylan, 1964)

Queremos todos mudança e todos nos assustamos com ela. Porque exige honestidade e clareza. Porque nos custa admitir essa parte do nosso carácter que se acomoda às coisas que estão mal e nas quais tomámos parte, nem que seja pela recusa de tomar uma decisão diferente.
Em cima do muro fica o inferno, aquilo que nem é sim, nem é não. A dificuldade em tomar uma posição que, se é certa, mesmo assim suscita a dúvida e nos atormenta; e se é não cria a culpa que nos esmaga.
Os tempos, ou as circunstâncias mudam, mesmo assim. Somos mais de sete biliões de pessoas a tomar decisões, e aqui estou a partir do princípio simplista de que só nós contamos para esta insana complexidade de possibilidades que tudo e todos afecta. Mesmo assim temos a pretensão de saber o que andamos a fazer e que podemos prever um mínimo de desfechos lógicos.
Há, apesar disso, alguma lógica e possibilidade de coerência neste inocente estado de consciência a que nos remetemos? Nem por isso, nem por sombras.
O mais engraçado é que, apesar disso, com mais ou menos consciência, fazemos uma cara séria e assumimos uma postura de quem sabe exactamente o que está a fazer. 
E a mudança continua, independentemente da nossa vontade e do nosso contributo. Porque apenas a consciência muda, na nossa contemplação desta contínua e inatingível complexidade de acções e efeitos.
Portanto, podemos ser exactamente que quisermos, ou sofrer por acharmos que não. Nada disso importa realmente para o resultado final de todas as coisas, neste insignificante papel que desempenhamos individualmente. 
Por outro lado, uma pequena pedra deslocada do seu sítio, pode fazer desabar uma montanha. E as montanhas não estão à espera disso, claro. Por isso, que garantias eternas nos dão também as montanhas, se mais tarde ou mais cedo desabam como tudo o que esmagam? 
As probabilidades são idênticas para grandes ou pequenos e nisso é que está a justiça de tudo.
A memória é uma espécie de manual do jogo da vida, como esta letra do senhor Dylan que, há cinquenta e quatro anos, preconizava a mudança e que tão bem se aplica aos nossos tempos.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

porcos, para que vos quero?

Pig by Adam Brett









O porco é um dos meus animais preferidos. Até gostava de ter um em casa, por achar que os são uma excelente companhia, além de muito inteligentes. Mas cheguei à conclusão de que já não me apetece viver paredes meias com quem não é capaz de tratar sozinho da sua higiene pessoal. Acredito que limpar a porcaria dos outros não é a minha missão pessoal. Além disso, como explicaria ao bichinho a carne de porco à alentejana?
Sem falar no facto de ter de aprender a grunhir em tempo recorde, para ter de estabelecer uma forma mais ou menos justa de comunicação. Não que espere que os porcos, cães, gatos, cavalos, galinhas ou periquitos façam o mesmo, pois o preconceito de ter de ser eu a estabelecer o elo mais justo entre nós é meu e não deles. Quem nasce burro acaba a pastar.
No fundo, o impulso do relacionamento é um furacão com artes de atracção quase inexplicáveis. Por que razão hei-de procurar uma relação com um porco, com contornos tão abaixo do que considero uma partilha equilibrada? E, no entanto, ela desenha-se como possível no momento em que ponho os olhos no bichinho.
O porco não é, claramente, o único objecto desta compulsão. Até uma inanimada caneca de café tem artes de me arrancar afeição. É mais do que apego e manifesta-se nas mais surpreendentes circunstâncias, até naquelas em que a lista de desvantagens se desenrola vertiginosamente na nossa cabeça no instante em que emerge essa urgência de contacto com o exterior.
Porcos, para que vos quero?
Só pode ser um bug, ou o vírus do plano divino, em que tudo está ligado e não temos outro remédio que o de aceitar que todos os porcos suscitam em nós empatia e uma sensação de pertença que vai bem além dos nossos preconceitos.
Venham de lá esses porcos...