segunda-feira, 5 de setembro de 2016

paz


A paz é um direito. A ser reclamado com insistência. Só em paz somos capazes de recuperar a nossa lucidez e a nossa experiência de uma vida sem o massacre constante de grupos de pressão apoiados pela propaganda a que indevidamente se chama hoje informação. Paz para usufruir de um tecto, de um trabalho, de uma refeição, de experiências mais felizes. Não é tudo, mas é o princípio essencial para se atingir o resto.  

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

nómadas felizes no fim do verão


Estar e bem-estar. Preguiçar finalmente de grandes emoções ou reacções. No fim do verão, com Setembro por fundo e banhos de sol tardios nas dunas. É uma sensação física que reflecte uma condição interior, a consciência de qualquer coisa que termina para dar lugar ao que por aí vem. A antecipação de um recomeço sem a pressão das expectativas.
Setembro é um mês para nos sentirmos em casa. E também para sentirmos a mudança que pode acontecer a qualquer instante. Somos nómadas felizes quando paramos para esperar em silêncio o momento de escolher um novo caminho. 

domingo, 28 de agosto de 2016

de amores com a vida


Uma história de amor com a vida, que não precisa de outro objecto senão o da sensação desta experiência. Nenhum amor é mais completo e incondicional. Neste amor não há desistências. Apenas dias que se seguem a dias de total enamoramento. 

sábado, 27 de agosto de 2016

a lucidez do amor


E se for só isso? A lucidez proporcionada por uma emoção? O segredo de tudo, a porta para a compreensão do que move a vida? Mesmo quando há hormonas a ajudar à festa e a misturar o físico com o emocional? Não se dará o caso de projectarmos fisicamente as nossas necessidades emocionais? Ai que adoravelmente burrinhos somos... 

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

recomeço

foto MMF 2016

Se ao menos todos os dias me lembrar que recomeço. Numa lembrança singular, sem mais memória. Porque a memória é uma espécie de arquivo geral sem discriminação e sem outro uso que o da culpa, como se fosse possível arcar com mais responsabilidade do que a dos efeitos resultantes de todas irresponsabilidades passadas.
Sofrendo os efeitos expiamos esses actos insensatos, arrumamos o processo. É importante entender que, expiado o passado, não devemos manter-nos lá e sim começar de fresco, todos os dias. Com um nascer do Sol, efeito aleluia, infusão de alegria logo pela manhã.
Recomeço sem pesos, sem nada. Nem expectativas fúteis, pois qualquer possibilidade, aceite assim sem pré-conceitos, sem os limites da memória ou as pretensões da imaginação por ela limitada, se torna mais extraordinária do que os julgamentos crêem ser possível.
Nada de listas, nada de planos. Apenas a aceitação do verdadeiro potencial de cada dia. Sem o azedume das memórias paralizantes, ou aquilo a que chamamos imaginação e não é senão o desespero da projecção de todas esperanças num futuro improvável.
Porque se nos deixamos entalar entre a memória e esse futuro imaginado, perdemos a única ferramenta capaz de alterar a realidade: o recomeço no presente, a acção agora, que estabelece as causas a moldar os efeitos a seguir.
A memória abafa o presente e a acção, a capacidade de reconhecer e confiar no potencial de fazer acontecer. É uma riqueza mesquinha que achamos muito preciosa e, afinal, são pesos que nos prendem a sítios e situações que já se deram e nos impedem de avançar e observar que há realmente outra forma de ver e de viver.
Por isso recomeço todos os dias, ou em qualquer momento, com uma confiança total em tudo o que ainda há para viver e criar. O desespero só acontece na prisão da memória. A fé é a cofiança de que há muito mais do que experiências passadas, se ao menos permitirmos e aceitarmos que há toda uma variedade de novas experiências que podemos escolher e ter a partir de agora.
É isso viver no presente, carpe diem e o tal salto de fé, que afinal não é cega, mas sim um sinal de inteligência pragmática e muito bem orientada.

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

sobre fogos e consciência


Vemos apenas um por cento (ou muito menos) do que na realidade existe. Acreditamos que rodamos pacíficamente em torno do Sol, quando na verdade circulamos a uma velocidade difícil de imaginar atrás dele. Achamos que há espaço vazio entre nós e o que existe à nossa volta. Não temos consciência da energia que nos enforma, nem da sua interacção com a energia dos outros e de tudo o que nos rodeia. Temos uma paupérrima percepção do que é realmente a vida e ainda pior das razões pelas quais existimos nesta e noutras formas.
Somos escassos. Nos nossos modos, na nossa forma de pensar, na curiosidade com que devíamos orientar a existência. Ver para crer é uma máxima perigosa quando as limitações são reconhecidamente a coisa coisa mais abundante de que nos munimos durante a vida.
Não por falta de escolha, mas porque não prestamos qualquer atenção ao que se passa no presente. Achamos que devemos dar muita atenção ao passado, que depende de uma forma de memória de que não conhecemos realmente os contornos e usamos mais ou menos como nos dá jeito e com a ajuda de muita imaginação para preencher as brancas. 
Preocupamo-nos um horror com o futuro, como se ele realmente existisse no presente, desperdiçando um tempo precioso a adiar dessa forma a vida de todos os dias.
Mais grave ainda, acreditamos que devemos expiar culpas passadas, nossas e colectivas, sem nenhuma alternativa ao que está feito e não tem remédio. Sem sequer pôr a hipótese de que a culpa não interessa nada, porque o passado produz efeitos, mas os efeitos que produzimos não agindo agora sobre o que nos prejudica é que nos condenam. Sem perceber que as acções passadas não deviam induzir culpa, ams sim acções presentes que nos libertem dos efeitos criados no passado.
Não acreditamos em milagres, mas no fundo, esperamos todos que eles aconteçam porque, por alguma incompreensível razão, algo nos diz que isto não pode ser tudo, que tem de haver alguma coisa que iguale o paraíso existencial com que sonhamos e conversamos todos os dias nas nossas cabeças. 
A verdade é que não somos educados para questionar o que os outros nos transmitem como sendo um conhecimento seguro dos factos básicos da vida. Pelo contrário, somos consistentemente encorajados a aceitar a experência dos outos como o pilar básico da nossa. Não pôr isso em causa é mesmo considerado uma espécie de bóia de salvação para todas as situações. Como se a imaginação de que dispomos para preencher a nossa ignorância não existisse também nos outros e não fosse também o elemento alienador da realidade de que todos sofremos.
Porque acreditar na nossa imaginação é o único elemento de fé e esperança que nos permitimos, cegamente. Pouqíssimas vezes caímos na realidade e nos permitimos admitir o carácter suicida do desespero que nos faz aceitar a imaginação como realidade, em vez de a usarmos como um instrumento para questionar as verdadeiras causas e efeitos do que está de facto a acontecer.
Viramo-nos para a nossa versão idealizada do misticismo em busca de salvação, esperando ainda e porque quem espera sempre alcança, sendo o que se alcança uma miragem de um oásis num deserto que não nos inspira nunca uma total confiança.
Portanto, não prestamos grande atenção ao que o momento presente nos mostra, gastamos todo o nosso precioso tempo a cirandar entre passado e futuro, incapazes de firmar os pés no presente, de parar e de concentrar os nossos sentidos no segundo que passa e que é o ponto de partida de tudo o resto. Nada mais interessa, nada mais é controlável, nenhum outro momento é tão importante como aquele em que podemos tomar a decisão de mudar os contos de fadas do passado e do futuro e começar a viver. A aproveitar a vida como ela se proporciona na realidade.
Ora, se alguma coisa o conhecimento das religiões e dos misticimos nos ensina, é que essa a forma de disfrutar a existência plenamente é possível e está à disposição de qualquer um. Os métodos têm muitas roupagens, aparentemente diferentes, mas convergem todos no essencial: há uma outra forma de 'ver' a realidade; há todo um mundo além dos nossos escassos cinco sentidos, para entender e descobrir o sentido da vida.
A nossa escolha, no entanto, é ignorar a sensatez dessa informação. Por uma razão bem clara: é verdadeiramente assustador compreender que fazemos parte de um todo, de que dependemos e que depende de todos os nossos ínfimos passos para se manifestar da forma a que assistimos todos os dias.
É realmente difícil de engolir que não podemos alancar todas as responsabilidades a um ou vários deuses, que determinam sozinhos as causas e efeitos de todas as nossas acções, do nosso carma ou do nosso fado.
É quase insuportável compreender que a nossa responsabilidade no que se passa connosco, e no mundo que estamos permanentemente a criar com as nossas escolhas e actos, é afinal a grande mão divina na nossa existência. E não dessas criaturas de superpoderes que a nossa imaginação criou para viver irresponsavelmente o seu dia-a-dia.
Há provavelmente mais forças além das nossas, há com certeza um mecanismo superior de equilíbrio que se sobrepõe ao nosso instinto suicida de deixar rolar tudo pela encosta abaixo e seja o que deus quiser. 
E para início do entendimento, há sem dúvida uma consciência global e em que podemos encontrar a clareza suficiente para agir de acordo com os nossos melhores instintos e experimentar felicidade e harmonia em vida, sem atirar para outra misteriosa existência o desejado paraíso.
Podemos começar por não destruir outras partes do mundo que sustentam o nosso corpo nesta existência, como a flora de que dependem os nossos pulmões para subsistir. Podemos resistir a correr atrás de uma economia imaginada por quem não distingue a realidade da ficção, dos mundos virtuais em que para uns ganharem outros têm de perder.
A nossa acção neste momento é a fundação do que se passa a seguir e, se queremos que isso seja bom, então temos de produzir coisas boas. Sementes boas dão frutos bons e esse é todo o mistério necessário à vida. Só nesse equilíbrio de causa e efeito teremos a paz necessária para pensar e usufruir de uma existência de sonho e não de pesadelo.
Somos constantes criadores da nossa realidade, com as nossas acções e os nossos pensamentos. É essa a experiência que queremos viver e é bom que a moldemos de acordo com os melhores propósitos e as melhores intenções. Conscientemente.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

notícias


Não há como iludir a saudade dos tempos em que era possível pedir um café matinal e folhear os jornais com alguma avidez pelas notícias do dia. Faz falta a ingenuidade que permitia creditar que toda a informação era importante e que o serviço do jornalismo era de uma imensa utilidade pública.
Saudade também da figura do jornalista que acreditava no seu dever de contar histórias que a todos interessava ler, comentar, discutir. Numa altura em que a necessidade de saber o que se passava acordava com o pequeno-almoço e era uma busca, Em vez da cascata impositiva de textos preparados para moldar opiniões e modos de vida.
É impossível não ter saudades da credibilidade dessas pessoas que trabalhavam sem horas para transmitir notícias prementes, em oposição aos copistas cansados que agora não têm horas nem como discriminar o certo e o errado dos textos automáticos com que preenchem os programas de edição.
O trabalho é mau, a paga é miserável, as cabeças ocupadas com a sobrevivência e as vontades constantemente violadas pelo espectro do desemprego se não houver uma cega obediência à ditadura das empresas de comunicação.
Como é que gente com vocação para explorar as novidades intermináveis de um mundo com uma crescente tendência para se revelar chega a este nível de submissão inaceitável? Como é que alguém apaixonado pela necessidade de escrever e comunicar se deixa enterrar para sempre no lodo dos cenários dantescos de uma sociedade submetida à escravização?
Quando e como é que a investigação se substituiu pela consulta de obscuras fontes online e pedidos por email com respostas sancionadas por autoridades sem nome ou rosto?
O lápis azul era uma brincadeira de crianças em comparação a esta nuvem (cloud?) de controladores de informação. 
E, no entanto, há quem ainda acredite que faz um bom trabalho e que pensa livremente quando se exprime em notícias, artigos e crónicas redondinhas, que nunca partem um prato, nem serão jamais motivo para pôr em perigo o parco, mas certinho, salário. 
É o triunfo do espírito do funcionário público de antanho, exportado com um tremendo êxito para todas as áreas do trabalho, imbatível no seu objectivo de sujeição de toda a humanidade, ou falta dela.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

cartas de amor


Todas as cartas eram um acto de amor. Papel, sobrescrito, caneta de tinta permanente ou mera esferográfica. Escritas à mão, sem erros nem borrões, com intenções bem descritas numa linguagem impecável. A comunicação tinha sempre importância, sem abreviaturas, atalhos ou hiperligações. Nenhuma carta era banal. Tomadas a sério, eram um investimento material, de tempo e de resolução mental.  

domingo, 1 de maio de 2016

quando se é tudo

Change by Marita Moreno Ferreira
Quando se é tudo não se pode deixar de ser isto ou aquilo. A vida vai acontecendo e a única coisa que se pode fazer são escolhas, esse desígnio pessoal e pontual a que se chama livre arbítrio. Que nada mais é que uma opção momentânea a definir que rumo se toma numa ocasião específica.
Num instante somos uma coisa e no outro mudamos completamente, por vontade própria ou alheia. A mudança é uma qualidade inerente a esta vida, em que nada permanece e a seguir à noite vem o dia, o frio sucede ao calor e este de novo à falta dele, a boa disposição se arruina com um mau momento.
À noite podemos esquecer a vida e acordar de novo para a experimentar mais uma vez. Ou tentar forçá-la a dobrar-se à nossa vontade em vez de nos deixarmos levar pela corrente.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

hoje é 25 de abril

Hoje não vou pôr nenhuma imagem porque, actualmente, as mil palavras que dizem que as imagens valem são utilizadas para apelar a emoções e sentimentos que não correspondem às intenções de quem as propaga.
As imagens que surgem na nossa cabeça também não são de fiar, porque a maior parte delas são reflexos da memória, esse arquivo geral acumulado e desorganizado segundo emoções sobre as quais não exercemos controlo.
Assim, fico-me pelas palavras neste dia 25 de Abril, que mais do que um movimento político, foi um momento de esperança, de mudança, de possibilidades de atingir uma forma de estar diferente da que nos aprisiona e paraliza.
Há sempre esperança e escolha infinita se percebermos que existem duas realidades diferentes: a que se desenrola fora de nós e a que se passa cá dentro, onde está tudo o que somos, o que queremos e o que desejamos.
A nossa atenção deve estar com a realidade que realmente nos pertence, pois o que se passa fora de nós é uma amálgama desorganizada de factos e acções sobre os quais ninguém pode afirmar ter algum controlo. Mesmo tendo essa ingénua pretensão.
Saber, no entanto, que o que está dentro de nós é que é importante, é que é o nosso 25 de Abril. Reconhecer que o exterior não tem nenhum poder sobre nós, a menos que acreditemos nisso e que deixemos o furacão de fora destruir tudo à sua passagem, essa é a única revolução possível e verdadeira.
Hoje é um dia em que podemos escolher olhar e mudar o mundo a partir de dentro. E que assim seja todos os dias, em todos os momentos em que disso nos lembrarmos.

domingo, 15 de novembro de 2015

(des)vantagens do terror

"Guernica" - Pablo Picasso

A pergunta necessária é: quem beneficia com o terror? A resposta lógica dificilmente será a do extremista perseguido e abatido pela polícia, por forças especiais em grutas miseráveis e isoladas, ou por drones comandados por satélite. Nem sequer os alegados estrategas e financiadores apanhados na controladíssima rede fiscal e bancária do planeta.
Portanto, quem beneficia realmente com a propaganda do terror. Serão extremistas, sim, mas os que têm em mente o controlo absoluto de pessoas e bens, esses em cuja ilusão o poder é uma propriedade muito acima do que o seu corpo e a sua vida alguma vez poderão gozar.
O cidadão comum é apanhado na rede do medo induzido, que o fará concordar com as medidas extraordinárias de uma restrição cada vez maior das suas liberdades, em nome de uma guerra santa que não é sua, mas de quem apenas deseja acumular mais poder e riqueza.
As guerras nunca foram santas, até porque as duas palavras, em perfeita lógica, se contradizem. Ou se tem uma guerra, ou se tem a santidade. E, como já dizia Giordano Bruno, a batalha entre a luz e a escuridão tem um desfecho lógico e inevitável, pois a luz acabará sempre com a escuridão, sendo a contrária impossível.
Os imperadores do poder e do terror sonham, por isso, com uma glória muito aquém das suas possibilidades. O que fazem tem instantes contados, mesmo que a sua crença contrarie as leis fundamentais do universo.
Graças aos extraordinários meios de comunicação que lhes proporciona a tecnologia, a sua propaganda chega à maioria esmagadora dos habitantes do planeta. A grande ópera mundial da tragédia está sempre disponível e a ser alimentada. O que pode ser mais importante do que um grande perigo, um alerta internacional, um acidente de proporções gigantescas?
A consciência de que há vida além da tragédia aparece ofuscada. Mas é uma chama que não se apaga. Enquanto estamos vivos podemos sempre recuperá-la e restabelecer a luz e a lógica das nossas propostas.
Os grandes senhores, como a escuridão, têm instantes contados e, depois deles, a vida segue. A ópera deixa cair o pano e podemos regressar a casa para o sossego das nossas rotinas.
Mais ainda: há um instante também para o terror atingir o seu ponto máximo e provocar uma reacção de sentido inverso em cada um de nós. O excesso de propaganda acelera todos os dias esse sábio mecanismo de defesa em todos os nós.
Há vida além do terror e todos nós o sabemos. O momento em que assumimos isso conscientemente é que difere um pouquinho de pessoa para pessoa. Mas vamos sempre a tempo.



domingo, 18 de outubro de 2015

inocência




A memória é um fardo que limita as nossas experiências. Aprendemos e acumulamos memórias que nos ditam, a maior parte do tempo, fronteiras que não devemos ultrapassar. A memória está no passado, onde passamos a maior parte da nossa vida, e quando queremos fugir disso projectamos um futuro que se baseia na nossa aprendizagem. 
Esse futuro, graças à nossa memória, é sempre limitado pela nossa experiência e, portanto, desalentador.
O momento presente não é vivido por falta de inocência. Não somos capazes de ver além do nosso passado e do nosso futuro, sempre balizado pelo minúsculo denominador comum da memória.
Tudo está em aberto e as possibilidades são ilimitadas se deixarmos de lado a pequena experiência do que aprendemos.
A inocência, a liberdade de não nos apoiarmos apenas em memórias, é o encantamento, a paixão e a força de começar do zero, de nos permitem novas experiências.
O apego ao passado acumulado na nossa cabeça tolhe-nos e aprisiona-nos num mundinho limitado e sem interesse.
Apesar do cansaço dessa forma de entender a vida, poucas vezes nos concedemos a liberdade de esquecer de tudo e viver o momento presente, sem afunilar as nossas hipóteses ao já vivido.
A memória não é uma coisa boa quando queremos mudar alguma coisa.
O amor, a empatia, remetem-nos à nossa inocência original. Quando se dão, vemos tudo com novos olhos, acreditamos, nada mais tem importância. A emoção que sentimos é suficiente para pormos de parte todas as memórias, todos os avisos à navegação. Nada mais importa senão o sentimento de que tudo é possível.
Porque amamos e isso anula todas as memórias do que nos faz desconfiar, do que correu mal no passado, dos lugares-comuns que nos travam constantemente.
Amemos portanto o momento em que estamos, com a inocência de um recém-nascido, sem experiências limitadoras, sem aprendizagens castrantes.


terça-feira, 13 de outubro de 2015

amigos

friends, by rumoresdenuvens/maritamorenoferreira - digital painting
Amigos são a nossa terra natal. Fazem parte da solidez das nossas convicções, emoções e certezas. Mesmo quando não estão próximos, nunca deixam o espaço mental que habitamos. Não precisam de ser como nós, nem de concordar connosco em tudo. Existem apenas e não desaparecem. Às vezes nem são próximos, nem muito conhecidos. Mas fazem parte da muralha em que nos apoiamos.



segunda-feira, 5 de outubro de 2015

porcos, para que vos quero?

Pig by Adam Brett









O porco é um dos meus animais preferidos. Até gostava de ter um em casa, por achar que os são uma excelente companhia, além de muito inteligentes. Mas cheguei à conclusão de que já não me apetece viver paredes meias com quem não é capaz de tratar sozinho da sua higiene pessoal. Acredito que limpar a porcaria dos outros não é a minha missão pessoal. Além disso, como explicaria ao bichinho a carne de porco à alentejana?
Sem falar no facto de ter de aprender a grunhir em tempo recorde, para ter de estabelecer uma forma mais ou menos justa de comunicação. Não que espere que os porcos, cães, gatos, cavalos, galinhas ou periquitos façam o mesmo, pois o preconceito de ter de ser eu a estabelecer o elo mais justo entre nós é meu e não deles. Quem nasce burro acaba a pastar.
No fundo, o impulso do relacionamento é um furacão com artes de atracção quase inexplicáveis. Por que razão hei-de procurar uma relação com um porco, com contornos tão abaixo do que considero uma partilha equilibrada? E, no entanto, ela desenha-se como possível no momento em que ponho os olhos no bichinho.
O porco não é, claramente, o único objecto desta compulsão. Até uma inanimada caneca de café tem artes de me arrancar afeição. É mais do que apego e manifesta-se nas mais surpreendentes circunstâncias, até naquelas em que a lista de desvantagens se desenrola vertiginosamente na nossa cabeça no instante em que emerge essa urgência de contacto com o exterior.
Porcos, para que vos quero?
Só pode ser um bug, ou o vírus do plano divino, em que tudo está ligado e não temos outro remédio que o de aceitar que todos os porcos suscitam em nós empatia e uma sensação de pertença que vai bem além dos nossos preconceitos.
Venham de lá esses porcos...



sexta-feira, 25 de setembro de 2015

o valor real de não se ser santo

emotion - rumoresdenuvens
Para que serve o nosso estudo e a nossa compreensão da espiritualidade se, como os outros tão prontamente observam, não conseguimos ser tão espirituais como isso?
A primeira questão que se põe é a formulação da pergunta. Porque o conhecimento da espiritualidade é uma necessidade que se sente e se põe em prática. Mas o facto de sabermos que somos seres espirituais não anula em nada a experiência material ou manifestada pela qual estamos a passar.
Apesar de entendermos que somos espírito, ficamos a saber que escolhemos esta experiência de um mundo de manifestações que não parecem tão espirituais como isso. Mas que o são e está tudo relacionado, tudo ligado de uma forma que é impossível desfazer.
Esta experiência é diferente, sim, mas também tem tudo que ver com o espírito que somos. E a nossa compreensão do espiritual não tem que ver com a imagem dos santos e outros conceitos preconcebidos que abundam por aí.
Não experimentamos coisas diferentes para ser santos, mas sim para apreciarmos a diversidade e expandirmos a experiência com todas as voltas e reviravoltas que surgem pelo caminho, criando a parti daí novas oportunidades de nos expandirmos.
O conhecimento espiritual é uma ajuda suplementar, que nos permite apreciar a beleza dessa criação e dessa expansão contínua, sem o peso do julgamento dos preconceitos. É isso que ganhamos com a aprendizagem da forma como funciona o espírito, não uma aura dourada e circular em cima da cabeça, como a dos santos da Igreja.
Todas as experiências contam, das melhores às piores. Os santos que conhecemos tiveram as suas, porque foram ditadas pelas suas escolhas pessoais. E a nossa liberdade está em escolhermos também o que nos parece mais interessante e que não tem de ser, obrigatoriamente, caminhar sobre a água e ser muito bonzinhos para toda a gente, a todo o instante.
No final, entende-se que a nossa experiência é única e jamais mensurável pela experiência dos outros. Que, por isso, não devemos copiar ninguém, mas seguir aquilo que nos faz sentir melhor. 
Que é importante sabermos que estamos sempre no sítio e no momento certos, e que o melhor é não passar a vida inteira com a crença no contrário. É isso que nos permite viver o presente e não ficar reféns de felicidades futuras. Ou de desgostos passados.


terça-feira, 25 de agosto de 2015

bruxarias e outras vilanias

Vintage Halloween Postcard
É claro que a bruxaria é uma coisa feminina, provavelmente desde que a primeira mãe pôs a mão sobre um filho para lhe acalmar uma qualquer dor. Como poderia não ser?
O resto saiu da imaginação colectiva, em que as curadoras se transformaram nos demónios de todas as dores e tragédias, visto que a mente humana parece não ser capaz de distinguir entre quem conjura e esconjura o mal.
O que não fica claro é como as pessoas que usam microondas, telefones de última geração e carros topo de gama pagam para a donas de casa vulgares para lhes recomendarem chás, missas e lhes tratarem de amarrações e outras confusões.
Será assim tão difícil acreditar no trabalho que elas próprias fazem, nas suas cabeças, a imaginar sozinhas toda a espécie de males e traições, vinganças e protecções é mais do que suficiente para subsistir nesse mundo de encantamentos e perigos criado individualmente e sem outras ajudas? 
Que maiores bruxarias que as das nossas cabeças serão os outros capazes de produzir, em comparação com as vilanias imaginadas de cada vez que alguém nos magoa ou contraria?
Tristes e inseguros bruxos e bruxas, fechados nos seus universos de magias imaginadas dos outros contra si, que requisitam e consomem avidamente a validação de actos que atribuem aos outros e, afinal, brotam de si mesmos... 
Mais, as pagam a preços comparáveis aos das cirurgias mais avançadas, também necessárias pelos preconceitos que igualmente adoptam sobre si próprios.
É um sistema de pensamento muito popular, assim como o das sociedades que imaginam perigos e conspirações para as quais criam medidas de defesa desnecessárias, que acabam por se estabelecer como normas que encasulam os indivíduos em sistemas paranóicos de defesas que se tornam ataques à sua capacidade de criar enquadramentos mais positivos e funcionais.
O preconceito é assim, uma ideia feita desnecessária, limitativa e perfeitamente substituível por outras com maior capacidade de expandir a felicidade e outros bens positivos.



sexta-feira, 21 de agosto de 2015

saltos no escuro

"Vertigem" de Fabio Giampietro

Careço de alguma coisa que não está às claras por aí, que não é óbvia, nem específica. Que me impele em direcções contrárias a todo o bom senso, a toda a certeza. É uma vertigem, uma ansiedade que troca as voltas a qualquer plano anteriormente gizado. 
Isso torna-me previsível, nas palavras de quem se incomoda com as constantes guinadas dos meus impulsos, vistos pelos olhos de quem gosta de se ater a caminhos usados e descobre a previsibilidade no meu imprevisível. 
Na verdade, é a busca do imprevisível que me captura e me afasta das tramas calculáveis. O apelo incontrolado de todas as outras possibilidades ainda por criar é, cada vez mais, o meu motto
Esvaziado de perigo, surge em intensidade crescente num mundo em que os modelos previsíveis esgotaram há muito a capacidade de nos encantar. Os modelos de pensamento comuns têm o efeito de multiplicar a infecção do tédio e do desânimo.
A tristeza não é um caminho, mas um sinal. De que temos de perseguir essa inclinação para outras dimensões que não nos exponham a mortes prematuras.
Careço pois do que não está por aí e que apenas depende de mim para ser criado. E é nessa vertigem desconhecida, nessa inclinação para me lançar no que ainda não existe que se desenha o alargar da minha experiência.
Prefiro um salto no escuro e na turbulência ao sufoco de limites a que se associa absurdamente a segurança, pois a falta de ar e de tudo não é um conceito de vida nem de felicidade. Nem que se teime em transmitir como bom para os outros.