quarta-feira, 18 de abril de 2007

divinos designíos: arbitrariedade ou livre arbítrio?

não acredito que deus exista. se existe, é com certeza um deus da arbitrariedade. e quando falo em arbitrariedade não me refiro ao conceito 'puro'. apenas naquilo que, embora obedecendo a causa e efeito, como tudo nesta vida, somos incapazes de ajuizar, abarcar, prever e,portanto, controlar.
muito do nosso sucesso advém da capacidade que nos cabe para controlar determinados aspectos da nossa vida. há, pois, pessoas que têm mais aspectos da sua vida sob controlo e, por isso reconhecemos nelas pessoas 'às direitas', fiáveis, confiáveis.
apesar disso, nem essas pessoas são imunes à arbitrariedade, ou seja, aos factos e acontecimentos que não dependem do seu controlo. claro que, por imposição de carácter, essas pessoas podem agir/reagir de forma controlada a acontecimentos que, num ápice, descontrolem alguma porção das suas vidas.
atendendo a que o carácter é material genético e incontrolável 'à priori', podemos concluir que o facto de termos um determinado feitio (ou carácter) e não outro, é um dado arbitrário.
assim, se alguém nasce numa família 'descontrolada', podemos assumir que tem mais hipóteses de ter muito menos sob controlo, apesar de até poder ser uma pessoa de carácter 'controlado' e 'controlável'. de novo se aplica aqui a arbitrariedade.
alguém que tem as suas coisas sob controlo pode ou não deparar-se com circunstâncias capazes de fazer vingar e potenciar as suas qualidades.
quem não as tem pode, apesar de tudo, ser beneficiado por oportunidades 'imerecidas' e conhecer um imenso sucesso, sem de facto ter feito o suficiente para isso.
bons e honestos nem sempre são compensados pelos seus actos, apesar dos ditos optimistas e demagógicos amplamente difundidos a esse respeito.
maus e desonestos também nem sempre pagam pelo que fazem. ao contrário da ilógica afirmação 'cá se fazem, cá se pagam'. muitas vezes um pouco de inteligência basta para escapar a óbvias consequências e, quase sempre, os nossos próprios conceitos de culpa, de bom e de mau são o suficiente para desencadear a causa castigadora, por mor da nossa crença na fatalidade do castigo e pouco mais. não por alguma lei universal de causa e efeito que a experiência e a estatística comprovem, mas porque a nossa bem treinada moral a isso nos conduz.
a justiça fica, por isso, no universo da utopia e aí deve manter-se, sob pena de se constituir alucinação e com isso mais contribua para o prejuízo próprio e colectivo do que para a vitória das forças do Bem.
portanto, que deus é esse que promove tanta diversidade de factores absolutamente fora do controlo dos eleitos da sua Criação, advogando em seguida que a sua dádiva é a concessão do livre arbítrio? será sim, mas a todo o universo e não apenas a primatas acidentalmente erectos e egocentrados com tendência para a cegueira voluntária.
ou será esse deus, à imagem e semelhança da sua espécie eleita, incapaz de reconhecer um universo em constante evolução, em que tudo, matéria e espírito, se acotovela e avança em função da lei do mais forte? estará esse deus em negação? ou estará embuído do espírito romântico que também acomete com frequência alguns indivíduos da nossa espécie?
ou será esse deus um gigante paternalista e promotor da acomodação, da aceitação cega de um destino e da menorização da auto-estima pessoal através de múltiplas provações? será a sujeição cega um objectivo divino?
não acredito. deus, assim compreendido, não existe. porque a existir, conheceríamos de igual forma o seu bom e o seu mau. e a impressão com que se fica, ao fim de alguns anos de experiência, na última linha do deve e haver da vida, é que o Bem perde irremediavelmente para o Mal, não sendo possível erradicar o amargo de boca que nos fica sempre do que de negativo se acumula na vida.
deus não existe, não senhora. deus perde para uma imensidade de pequenas divindades, a maioria de diminuta dimensão, cada uma delas com o seu domínio próprio e dividida entre desejos inacreditavelmente humanos, necessidades naturais absolutas e a inevitabilidade das forças universais em eterno conflito, sujeitando-nos à espantosa arbitrariedade do seu poder.
quem e em nome de quê inventou um deus a preto e branco num mundo obviamente fadado para o tecnicolor?

3 comentários:

Anónimo disse...

Um mundo em constante mudança é um mundo que rola incansavelmente e que em cada curva do caminho se renova. Não sei se há algum deus-menino que ajude o mundo a rolar, qual pião de brinquedo, o que sei é que a cada curva o mundo se altera. Nós, animais tristes e perdidos com ego medonho, achamos que nada muda, que os maus não conhecem castigo, que os tristes não ganham alegrias, que os abandonados não são alvo de compaixão. Acho que isso acontece agora, nesta curva de caminho que nos é dada viver. Esta é a curva da competitividade e da pseudo-eficácia. A esta se seguirá outra, a da solidariedade e da justiça. Os valores éticos que agora parecem simplesmente coisas da teoria dos pensamentos ganhará força na próxima curva. Se nós não estivermos lá, não interessa. Interessa apenas que nós regámos hoje esses valores. Na próxima curva o que contará são os seres vivos, sem hierarquia de espécies, sem valoração de inteligências.
Esse mundo vai chegar. Se é um Deus que o traz, se sou eu que o imagino, não me interessa. Deus existe em nós, nós somos deus.... treinemos a nossa divindade.

Anónimo disse...

afinal ele há desígnios???

Captain James T. Kirk disse...

Aconselho-te o The God Delusion do Richard DAwkins, se acaso não conheceres.
(A edição da Bantam Press é mais barata 20 € que a portuguesa!!! E depois querem que o povo leia!)