quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

parabéns, Ma



Faz hoje 75 anos a senhora que vêem aqui ao lado, comigo ao colo. A foto tem cinquenta anos e foi tirada em Vila Paiva de Andrade, na Gorongosa.

Aida nasceu na Lisboa dos anos trinta. Após um parto complicado, a bebé que não reagia foi atirada para um canto, embrulhada em lençóis, enquanto se prestavam cuidados à mãe.
Uma bebé tão linda, que pena... Comentou o médico depois de passada a urgência com a parturiente. E a seguir empenhou-se em a reanimar, no que foi bem sucedido.
Longe estava o seu anónimo salvador de imaginar as aventuras que a vida reservava à pequena criatura que por pouco não ficou esquecida num canto de uma maternidade alfacinha.

Com uma diferença de dezoito anos do irmão mais velho, Aidinha era o ai jesus da família. Aplicada nas coisas da escola, recebia do pai uma flor branca sempre que o dia era de exame. E não desperdiçou nenhuma.
Cheia de iniciativa, chegou um dia a casa gelada por ter passado várias horas numa fila de racionamento para receber uma garrafa de azeite. Em Lisboa partilhava-se então com a Europa o pesadelo da Segunda Guerra Mundial. Anos mais tarde fez parte do coro da Emissora Nacional e cantou com caras conhecidas como os irmãos António e Luís Andrade. Também praticou esgrima com perícia.

Casou aos vinte e um anos com um bem parecido aspirante acabado de sair da Escola Colonial e, aos vinte e dois, com uma filha de três meses, aterrou no Moçambique profundo, no posto fronteiriço do Dombe, onde chorava de pavor das trovoadas e dos tremores de terra. Foi a sua estreia fora de Lisboa, num lugarejo que ficava durante meses isolado do mundo pelas cheias.

Esta senhora é minha mãe e afirma a pés juntos que eu jamais teria nascido se, a caminho da cidade da Beira pelas picadas da Gorongosa, por via das imprudentes buzinadelas do meu tio, uma manada de elefantes não tivesse carregado sobre o carro, resultando isso no meu "despejo" imediato assim que chegada ao hospital. E é dela que tenho as minhas primeiras memórias, de quando me levava a passear no carrinho ao fim da tarde, por uma estrada de terra vermelha ladeada por eucaliptos.

Aida tornou-se uma atiradora exímia, companheira de caçadas e de grandes noites de king, de viagens e de andanças pelo mato fora antes do Sol nascer. Mulher de armas, era capaz de dispersar a tiro grupos de macacos que pilhavam as machambas (hortas), mas saltava de pavor quando alguém gritava que havia uma cobra por perto. Assistiu ao início da guerra colonial em Cabo Delgado, conheceu uma mão cheia de grandes figuras do regime, montou e desmontou casas, andou com as malas e a família atrás durante dezoito anos, sobrevoou planaltos no meio de tempestades, andou em traineiras ao longo da costa e teve animais de estimação tão estranhos como um papa-formigas, uma lagartixa que vivia na máquina de costura, um javali, dois jacarés, uma burra e uma vaca.

A sua história de amor com o meu pai, que dura há mais de cinquenta e sete anos, produziu cinco filhas e um ror de dores de cabeça, mais cinco netos manientos e uma bisneta a caminho.

Não vou estar aí para te fazer um uísque antes do almoço e te pôr a dançar o pino, mas brindo daqui ao teu dia, Ma. Parabéns.

2 comentários:

Cocas disse...

Excelente. Estás aí, mas estás sempre perto, sabes bem. Acho que foste deveras gentil ao chamar-nos apenas de "manientos"... Mas somos as vossas pestinhas favoritas! =) Um beijo *

Marita Moreno Ferreira disse...

pestinhas??? superlativiza lá isso...