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quarta-feira, 22 de abril de 2020

ataquei o jardim

'Wild Garden' by MMF
Ontem ataquei o jardim. A amostra de jardim, para ser mais exacta. Se é que podemos considerar como jardim um rectângulo com terra, dezenas de vasos e uma miríade de ervas enlouquecidas a crescer entre as lajes. 
A natureza é selvagem, como sabemos. Mas o que se estava a dar naquele espaço era um ataque concertado de espécies vegetais. Mais um bocado e teríamos de entrar ou sair de casa à força de catanadas.
A fada verde do lar sempre foi a minha mãe, com as folhinhas e raminhos que punha em copos e chávenas desemparelhadas, pratos ou frascos. Que viravam plantas viçosas e empertigadas ao fim de algum tempo. Excesso de amor, dizia eu para com os meus botões, um bocado irritada com a forma orgulhosa com que elas ocupavam os cantos à casa.
Também me calhava, uma ou outra vez, regá-las na ausência dos donos da casa e só de uma vez contei seiscentos e quarenta e picos vasos, fora o canteiro e mais de duas horas a mangueirar ou de regador na mão.
Não era só a minha mãe a cultivar aquele exército de clorofila. O meu pai atirava para qualquer pedaço de terra sementes que apanhava nos seus passeios e que resultaram numa nespereira, tamareiras e outras árvores nem sempre identificáveis, a menos que dessem um fruto reconhecível ou flores que alguém conhecesse.
Depois vinham as irmãs e as visitas com vasos de tudo o que era planta de sua eleição. Nenhuma alguma vez rejeitada e assim se compôs a fauna florestal de casa. No final, entre a fada verde e o seu ajudante ocasional, a coisa resultava e até era um regalo para os olhos.
Comigo a coisa não funciona exactamente assim. Árvores, plantas e flores intuem a minha falta de mão para o assunto e, nas minhas barbas, toca a crescer para todo o lado e em todos os cantos. Sem qualquer tipo de respeito pela minha necessidade de ordem e de geometria básica.
Já perguntei à minha mãe como é que ela conseguia. Ri, despreocupada dessas minúcias por via da sua provecta idade. Já fiz o que tinha a fazer, diz-me, divertida com o meu desespero.
Portanto, ontem ataquei o jardim, na esperança de domar vasos e verdes com linhas direitas, filas ordenadas por tamanhos e outros atributos de ordem que façam algum sentido na minha cabeça e me garantam tranquilidade emocional.
Se não conseguir, saibam ao menos que tentei, apesar das bolhas nas mãos e dos picos destas ingratas que nem sequer agradecem a água que lhes deito.

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

bem plantar para melhor colher


Não voto, não dou confiança a esses palermas, disse-me alguém. Esses palermas decidem o que podes ou não fazer, que qualidade tem a tua vida, quando é que te reformas e se vais ter protecção e justiça quando precisares dela, pensei.
De que estamos a falar afinal? De comer menos batatas fritas ou mais fruta e salada? De ter filhos, escrever livros e plantar árvores? Ou de tudo isso como se fosse apenas um comentário de café, só para fazer conversa, só para mostrar como conseguimos ser deliciosamente nonchalant até com coisas sérias?
Votar é depositar uma semente na terra e esperar que cresça e dê frutos. É uma relação que se estabelece com a organização da nossa vida. É uma questão e uma acção séria, que deve ser tanto mais ponderada quanto a importância que acaba por ter em toda a nossa vida.
Não é um kleenex que se descarta, nem um concurso de caras e figuras para escolher como num álbum de fotografias: esta gosto, esta não gosto, esta é mais ou menos.
O nosso voto vai para pessoas que ficam obrigadas a tomar contada nossa casa, da nossa integridade, da nossa segurança. Alguém entrega isso a estranhos, gente menos confiável ou deixa a sua casa à mercê do acaso? Do voto dos outros?
Tanto descontentamento não merece já alguma atenção e acção? De que valem a lamúria e a raiva se não motivarem acções para a mudança? Se há tanto para protestar, por que não se faz alguma coisa para mudar?
Chega o momento em que é preciso ser coerente e prático. Em que nos levantamos para fechar a maldita torneira que pinga há anos e nos dá cabo da paciência e do orçamento.
Deixem de fingir que não se importam, porque tudo o que se houve é o que todos sabemos que está mal. Mas onde estão as pessoas dispostas a dizer que vão votar porque chegou a altura de mudar realmente alguma coisa?
Cascais foi um dos três concelhos com maior abstenção nas últimas autárquicas. Querem ver que a vocação desta terra é para a criação de avestruzes de cabeça enterrada nas dunas?