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sexta-feira, 3 de novembro de 2017

mea, mea culpa

photo by Mafalda Mendes de Almeida
Há coisas que são demasiado sérias para se ignorarem. Como acções que nunca se devem permitir e silêncios incompreensíveis sobre elas.
Diz a lei que o respeito pelos representantes do povo é um dever. O que é de grande sensatez, visto que não é apenas o indivíduo visado que é desrespeitado, mas o conjunto de pessoas que o elegeu.
Por isso é tão dolorosamente estranho observar a forma como os vereadores da oposição são tratados em sede das reuniões da Câmara Municipal de Cascais. E como ninguém se manifesta contra isso.
É sabido que há uma coligação maioritária no poder, mas isso não justifica o desrespeito pela lei e pelos valores humanos que nos conferem dignidade.
Na última reunião do executivo, os vereadores da oposição foram sistematicamente tratados como caloiros ignorantes pelo representante da referida coligação, cuja obrigação é defender, no mínimo, todos os cascalenses, independentemente da sua orientação partidária.
Em vez de esclarecimentos, rebaixam-se os intervenientes, como se de cidadãos de segunda ou terceira classe se tratassem. Sem o mínimo sinal de reconhecimento do abuso verbal da parte de qualquer dos presentes, com assento na mesa ou entre o público.
Como se o bullying fosse aceitável num sistema que se quer democrático. Se não estamos num regime totalitário, que medo é esse que se sente em sessões públicas dos poderes locais? Que se passa no consciente e inconsciente colectivo dos cascalenses? Que paralisia é esta a que se assiste?
Na mesma sessão, um vereador da oposição foi três vezes chamado desonesto, como se um insulto desonroso fosse uma coisa aceitável numa reunião oficial e pública. Na última votação dos trabalhos, foi liminarmente recusada a declaração de voto a outro vereador, sem outra justificação que o "Não lhe dou a palavra" de quem presidia aos trabalhos. (Ver aqui.)
Não havendo capacidade de reacção pública a este tipo de conduta, resta concluir que, por força do hábito repetido do abuso, abusadores e abusados estão inexplicavelmente enredados em dúvidas  e confusões sobre o que é certo e o que é errado na generalidade.
Se a consciência de uns e de outros não encontra forma de reagir e prevenir estes factos, não nos resta outra hipótese senão a do bom exemplo:
  • Pedir publicamente desculpas pela injustiça perpetuada pelo conjunto de indivíduos que lidera a coligação maioritária no concelho, porque erradamente confundem o abuso de poder com a honra de servir com humildade e honestidade todos os munícipes. 
  • Pedir desculpas porque, pessoal e individualmente, somos todos responsáveis pela permissividade que infectou a auto-estima geral e permitiu que este tipo de situações tenham lugar.
  • Reiterar publicamente o compromisso de adoptar todos os meios ao nosso alcance para que não se repita o sucedido e se restaure a dignidade das reuniões do executivo que dirige os destinos da nossa terra e, por conseguinte, a sua imagem pessoal e pública.

A bem de Cascais.

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

o triunfo dos homenzinhos

© rumoresdenuvens 2017
Já não há homenzinhos desagradáveis de lápis azul a riscar letrinhas no papel. Tornaram-se obsoletos, substituídos por gente muito mais importante: donos de pretensos órgãos de comunicação social que partilham a estranha crença de que são donos de tudo. São igualmente desagradáveis e homenzinhos, mas usam bons fatos e as unhas tratadas, em vez de roupa modesta e cinzenta e mãos sujas de tinta de impressão. 
Há quem diga que são poderosos porque podem, porque são de organizações secretas e obscuras, de partidos políticos influentes, ou empresas milionárias, ricos de nascença, porque têm amizades influentes, ou se associam ao grande capital, etc.
Até pode ser tudo isso, mas a verdade é que estes homenzinhos não são é pessoas de bem. Acreditam que umas quantas oportunidades e muitos mais atropelos lhes conferem direitos e privilégios que ninguém tem.
Por exemplo: decorre a pré-campanha eleitoral mais discreta de que há memória desde os tempos da ditadura. São autárquicas, mas o menino bonito das televisões é um ex-primeiro ministro, talvez pela grande escassez de ideias e argumentos que lança para o éter, enquanto visita locais em que não se passa nada.
Será a era dos telejornais das alforrecas? Da matéria gelatinosa, pegajosa e falha de conteúdo? Salpicada com muitos incêndios e borrascas, que parecem vir de encomenda para a abertura dos noticiários... O Crime, o Correio da Manhã e o 24 Horas fizeram, afinal de contas, escola e sucesso, apesar do desprezo público a que foram votados pelos mesmos jornalistas que hoje os copiam.
Voltando à eminente campanha eleitoral, sem menção de nota pelos serviços noticiosos, limitam-se a um o outro debate cuja finalidade é dar alguma vantagem aos candidatos favoritos dos donos de tudo isto. Mesmo assim, escasseiam, não vão os visados conseguir estragar, mesmo assim, a fraca imagem que já trazem como bagagem.
Todos os outros desapareceram do mapa, à excepção dos cartazes nas rotundas e das arruadas organizadas localmente e jamais relatadas.
São tempos de um estranho protagonismo desses homenzinhos tão bem sucedidos que até temem a própria sombra. Tempos de censura que nem o Estado tem coragem de denunciar. Ditaduras na surra, para ninguém comprometer e não comprometerem ninguém.
É triste observar como a elite dos nossos dias é afinal um montinho de gente pequenina e com medo de ser politicamente incorrecta, uns trumpinhas que nem cortes de cabelo ridículos se atrevem a usar. Aprenderam a deletar os outros a coberto dos teclados virtuais e outras tecnologias de ponta, mas na vida real não há ponta por onde se lhes pegue.
Neste momento o seu maior atrevimento é dissolver uma campanha eleitoral e esperar que cinco mil votos sejam suficientes para manter a legalidade da governação da minoria. 
Até marcam jogos de futebol televisionados para o dia das eleições, para garantir que os poucos prospectivos votantes ainda acordados sejam convenientemente distraídos dos seus direitos e deveres. Mais valia oferecerem livremente bolinhos de maconha a toda a população no dia de reflexão antes do acto eleitoral.
É a censura dos homenzinhos, mais uma vez, e não há quem nos acuda. Desta vez estão em todo o lado, como um vírus extreminador. Sem vacina preventiva.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

do delírio de abuso e extorsão

by DarkPhoenix36
Que diferença existe entre as abusivas práticas de ditadores e vilões universais da nossa história global e aquilo que hoje se faz contra os vulgares cidadãos? Que tem de diferente a implementação de medidas legais que permitem que estados e empresas a perseguição de pessoas que se vêem privadas de direitos elementares de defesa e de acesso a trabalho e bens essenciais por incapacidade de cumprirem com obrigações financeiras específicas, criadas e manipuladas pela voracidade de máquinas de enriquecimento imediato, alavancadas numa mentalidade de exploração desenfreada de recursos?
Existe realmente diferença entre monstros e ditadores que se aproveitaram e do poder para perseguir indivíduos e grupos de forma sistemática e os novos gestores e governantes que, na actualidade, usam a sua capacidade de pressão para legitimar práticas desumanas contra os indivíduos?
Com que direito empresas de fornecimento de bens essenciais como água, gás, luz e comunicações se arrogam abusos que comprometem o acesso dos cidadãos a um mínimo de conforto e satisfação, sem qualquer recurso imediato a mecanismos de defesa e protecção eficazes?
Que engenharia financeira legitima a perseguição telefónica e por email de pessoas que ao primeiro contratempo se vêem impedidas de renegociar empréstimos bancários e dívidas tributárias ou de segurança social (nome manifestamente desadequado para o conceito vigente de protecção dos direitos civis)?
Será que temos de aceitar como normal um comportamento que impede cidadãos menos privilegiados de trabalhar por não disporem de meios para pagar as elevadíssimas taxas que "legalizam" o seu direito e acesso ao trabalho?
Devemos considerar normal o abuso que permite aos estados e às empresas regalias completamente opostas e a utilização maciça de meios de coerção para a extorsão de qualquer quantia a que se arroguem o direito de cobrança?
Como se pode explicar que o estado conceda à autoridade tributária a capacidade de cobrança de dívidas a empresas exploradoras de concessões de auto-estradas, depois da massificação de portagens e exclusão de alternativas de acesso púbico gratuito?
O acesso a uma justiça rápida e eficaz, outro direito inalienável, também se distancia cada vez mais dos menos privilegiados e do cidadão comum. A inversão do senso comum e da humanidade a todos devidos é a regra, num regresso a eras de trevas que nada fica a dever a períodos de má memória como invasões, sistemas totalitaristas e ditatoriais, crimes contra a humanidade e outras aberrações.
Há quem diga que se vivêssemos em ditadura não poderíamos expressar livremente a nossa opinião e o nosso descontentamento. Mas até a livre expressão se tornou uma arma para quem hoje tem meios de identificar e conhecer os descontentes, manipulando o seu acesso a outros direitos.
Também se diz que não há comparação entre outras formas de ditadura e a democracia que ainda vigora. Na verdade, o que não há é escala, em graus ou níveis, para a maldade e o que não se deve fazer. Se está errado, é errado. A escolha é simples: ou está bem, ou está mal.
A invenção dos graus de maldade que podem ser legitimamente usados é uma infeliz desculpa do Mal. O Bem nunca prejudica ninguém e as leis de protecção dos direitos civis e humanos só se pode gerir por essa simples norma por legisladores e agentes de justiça de boa e normal intenção.
E fazer porque toda a gente faz nunca legitimou nenhuma prática. E é completamente anormal e ilógico que se exija de alguém que se atire para um poço só porque a desfaçatez legislativa e de práticas criminosas o permite. Além disso, deve ser possível condenar quem propagandeia tais coisas e coage outros à participação nesse delírio colectivo de extorsão e exploração global.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

panem et circenses

Imagem daqui
A cultura transformada em ilusionismo é a prática política que mais popularidade ganhou nos últimos anos. Pão e circo (panem et circenses), com muito menos pão porque a finalidade é manter um reduzido número de patrícios e muitos dependentes.
Os impostos que todos pagamos, nem que seja apenas através das taxas aplicadas a todos os serviços, sempre contemplaram uma pequena parcela para a cultura. O Estado tem uma verba para a cultura, mesmo tendo acabado com o ministério correspondente. As câmaras têm verbas para a cultura.
A finalidade desses tostões era promover a cultura, ajudando os agentes culturais a criar os seus espectáculos e as suas formas de se expressar. 
Acontece que, com o dinheiro que é de todos, em vez de promover os agentes culturais, as entidades públicas criaram formas de se constituírem eles próprios em agentes da cultura. Sem aptidões próprias para isso e com a finalidade de fornecer o tipo de 'espectáculo cultural' que serve melhor os seus propósitos.
O país tornou-se, portanto, num grande palco em que os políticos são os supostos mecenas, enchendo praças, ruas e espaços culturais com as diversões que entendem. Tudo de graça, tudo para diversão do povo.
Os artistas e os verdadeiros agentes culturais, vêem-se dessa forma impedidos de competir com a cultura instituída, que é de borla e arrasa qualquer tentativa de produzir ofertas e mensagens em liberdade de pensamento e em nome da verdadeira cultura.
Enquanto o País pula de festa em festa, sacudindo as preocupações com bebida e luzes patrocinadas por grandes multinacionais, a livre escolha e o pensamento são erradicados da vida de cada pessoa, as alternativas suprimidas e toda a oferta fica sob o controlo dos políticos.
Açambarcar assim uma área de actividade devia ser objecto de investigação desse discreto organismo que dá pelo nome de Alta Autoridade para a Concorrência. Devia ser um crime público, para que qualquer um pudesse denunciar o abuso e a manipulação, uma vez que os artistas e os agentes de espectáculos jamais terão hipótese de financiar a seu favor o julgamento deste tipo de violação e abuso de poder.
Quando aceitamos a ideia de Estado e de Governo confiamos a representantes a nossa defesa, não a nossa alienação.

domingo, 18 de maio de 2014

crimes públicos


Chegamos a uma crise quando as nossas prioridades foram de tal forma esquecidas e substituídas por valores tão opostos que realmente interessa, que o caos se avoluma à nossa volta.
A situação do projecto para Carcavelos Sul é um desses focos de caos, de erros e enganos que agora se traduzem na forma da pior das soluções que, mesmo assim, alguém tenta ainda justificar e validar, insistindo no erro, no engano, no caminho do caos.
Triste é também ver como alguém tenta validar o erro tendo como único argumento o ataque pessoal aos seus opositores, usando os seus alegados erros para justificar a sua má decisão, o seu mau governo, a sua ausência de soluções e a falta de imaginação, até para aproveitar as soluções apontadas por outros.
Porque o caos também vive em quem usa a sua posição privilegiada para o abuso dos que julga abaixo de si.
A desculpa com os erros alheios não honra ninguém. Pelo contrário, demonstra imaturidade pessoal, social e política, retratando uma acção ou reacção enfraquecida pela falta de convicção.
Como não honra igualmente ninguém o abuso de poder, traduzido na validação de projectos que desfiguram a linha de costa e absorvem os poucos espaços verdes que ainda existem.
Um dia, não muito longínquo, estes atentados poderão ser denunciados como crimes públicos e punidos com mão pesada, como o foram os crimes dos ditadores, que nunca acreditaram que a consciência pública fosse capaz de mudar a lei que protegia a sua impunidade.