quinta-feira, 11 de agosto de 2016

sobre fogos e consciência


Vemos apenas um por cento (ou muito menos) do que na realidade existe. Acreditamos que rodamos pacíficamente em torno do Sol, quando na verdade circulamos a uma velocidade difícil de imaginar atrás dele. Achamos que há espaço vazio entre nós e o que existe à nossa volta. Não temos consciência da energia que nos enforma, nem da sua interacção com a energia dos outros e de tudo o que nos rodeia. Temos uma paupérrima percepção do que é realmente a vida e ainda pior das razões pelas quais existimos nesta e noutras formas.
Somos escassos. Nos nossos modos, na nossa forma de pensar, na curiosidade com que devíamos orientar a existência. Ver para crer é uma máxima perigosa quando as limitações são reconhecidamente a coisa coisa mais abundante de que nos munimos durante a vida.
Não por falta de escolha, mas porque não prestamos qualquer atenção ao que se passa no presente. Achamos que devemos dar muita atenção ao passado, que depende de uma forma de memória de que não conhecemos realmente os contornos e usamos mais ou menos como nos dá jeito e com a ajuda de muita imaginação para preencher as brancas. 
Preocupamo-nos um horror com o futuro, como se ele realmente existisse no presente, desperdiçando um tempo precioso a adiar dessa forma a vida de todos os dias.
Mais grave ainda, acreditamos que devemos expiar culpas passadas, nossas e colectivas, sem nenhuma alternativa ao que está feito e não tem remédio. Sem sequer pôr a hipótese de que a culpa não interessa nada, porque o passado produz efeitos, mas os efeitos que produzimos não agindo agora sobre o que nos prejudica é que nos condenam. Sem perceber que as acções passadas não deviam induzir culpa, ams sim acções presentes que nos libertem dos efeitos criados no passado.
Não acreditamos em milagres, mas no fundo, esperamos todos que eles aconteçam porque, por alguma incompreensível razão, algo nos diz que isto não pode ser tudo, que tem de haver alguma coisa que iguale o paraíso existencial com que sonhamos e conversamos todos os dias nas nossas cabeças. 
A verdade é que não somos educados para questionar o que os outros nos transmitem como sendo um conhecimento seguro dos factos básicos da vida. Pelo contrário, somos consistentemente encorajados a aceitar a experência dos outos como o pilar básico da nossa. Não pôr isso em causa é mesmo considerado uma espécie de bóia de salvação para todas as situações. Como se a imaginação de que dispomos para preencher a nossa ignorância não existisse também nos outros e não fosse também o elemento alienador da realidade de que todos sofremos.
Porque acreditar na nossa imaginação é o único elemento de fé e esperança que nos permitimos, cegamente. Pouqíssimas vezes caímos na realidade e nos permitimos admitir o carácter suicida do desespero que nos faz aceitar a imaginação como realidade, em vez de a usarmos como um instrumento para questionar as verdadeiras causas e efeitos do que está de facto a acontecer.
Viramo-nos para a nossa versão idealizada do misticismo em busca de salvação, esperando ainda e porque quem espera sempre alcança, sendo o que se alcança uma miragem de um oásis num deserto que não nos inspira nunca uma total confiança.
Portanto, não prestamos grande atenção ao que o momento presente nos mostra, gastamos todo o nosso precioso tempo a cirandar entre passado e futuro, incapazes de firmar os pés no presente, de parar e de concentrar os nossos sentidos no segundo que passa e que é o ponto de partida de tudo o resto. Nada mais interessa, nada mais é controlável, nenhum outro momento é tão importante como aquele em que podemos tomar a decisão de mudar os contos de fadas do passado e do futuro e começar a viver. A aproveitar a vida como ela se proporciona na realidade.
Ora, se alguma coisa o conhecimento das religiões e dos misticimos nos ensina, é que essa a forma de disfrutar a existência plenamente é possível e está à disposição de qualquer um. Os métodos têm muitas roupagens, aparentemente diferentes, mas convergem todos no essencial: há uma outra forma de 'ver' a realidade; há todo um mundo além dos nossos escassos cinco sentidos, para entender e descobrir o sentido da vida.
A nossa escolha, no entanto, é ignorar a sensatez dessa informação. Por uma razão bem clara: é verdadeiramente assustador compreender que fazemos parte de um todo, de que dependemos e que depende de todos os nossos ínfimos passos para se manifestar da forma a que assistimos todos os dias.
É realmente difícil de engolir que não podemos alancar todas as responsabilidades a um ou vários deuses, que determinam sozinhos as causas e efeitos de todas as nossas acções, do nosso carma ou do nosso fado.
É quase insuportável compreender que a nossa responsabilidade no que se passa connosco, e no mundo que estamos permanentemente a criar com as nossas escolhas e actos, é afinal a grande mão divina na nossa existência. E não dessas criaturas de superpoderes que a nossa imaginação criou para viver irresponsavelmente o seu dia-a-dia.
Há provavelmente mais forças além das nossas, há com certeza um mecanismo superior de equilíbrio que se sobrepõe ao nosso instinto suicida de deixar rolar tudo pela encosta abaixo e seja o que deus quiser. 
E para início do entendimento, há sem dúvida uma consciência global e em que podemos encontrar a clareza suficiente para agir de acordo com os nossos melhores instintos e experimentar felicidade e harmonia em vida, sem atirar para outra misteriosa existência o desejado paraíso.
Podemos começar por não destruir outras partes do mundo que sustentam o nosso corpo nesta existência, como a flora de que dependem os nossos pulmões para subsistir. Podemos resistir a correr atrás de uma economia imaginada por quem não distingue a realidade da ficção, dos mundos virtuais em que para uns ganharem outros têm de perder.
A nossa acção neste momento é a fundação do que se passa a seguir e, se queremos que isso seja bom, então temos de produzir coisas boas. Sementes boas dão frutos bons e esse é todo o mistério necessário à vida. Só nesse equilíbrio de causa e efeito teremos a paz necessária para pensar e usufruir de uma existência de sonho e não de pesadelo.
Somos constantes criadores da nossa realidade, com as nossas acções e os nossos pensamentos. É essa a experiência que queremos viver e é bom que a moldemos de acordo com os melhores propósitos e as melhores intenções. Conscientemente.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

notícias


Não há como iludir a saudade dos tempos em que era possível pedir um café matinal e folhear os jornais com alguma avidez pelas notícias do dia. Faz falta a ingenuidade que permitia creditar que toda a informação era importante e que o serviço do jornalismo era de uma imensa utilidade pública.
Saudade também da figura do jornalista que acreditava no seu dever de contar histórias que a todos interessava ler, comentar, discutir. Numa altura em que a necessidade de saber o que se passava acordava com o pequeno-almoço e era uma busca, Em vez da cascata impositiva de textos preparados para moldar opiniões e modos de vida.
É impossível não ter saudades da credibilidade dessas pessoas que trabalhavam sem horas para transmitir notícias prementes, em oposição aos copistas cansados que agora não têm horas nem como discriminar o certo e o errado dos textos automáticos com que preenchem os programas de edição.
O trabalho é mau, a paga é miserável, as cabeças ocupadas com a sobrevivência e as vontades constantemente violadas pelo espectro do desemprego se não houver uma cega obediência à ditadura das empresas de comunicação.
Como é que gente com vocação para explorar as novidades intermináveis de um mundo com uma crescente tendência para se revelar chega a este nível de submissão inaceitável? Como é que alguém apaixonado pela necessidade de escrever e comunicar se deixa enterrar para sempre no lodo dos cenários dantescos de uma sociedade submetida à escravização?
Quando e como é que a investigação se substituiu pela consulta de obscuras fontes online e pedidos por email com respostas sancionadas por autoridades sem nome ou rosto?
O lápis azul era uma brincadeira de crianças em comparação a esta nuvem (cloud?) de controladores de informação. 
E, no entanto, há quem ainda acredite que faz um bom trabalho e que pensa livremente quando se exprime em notícias, artigos e crónicas redondinhas, que nunca partem um prato, nem serão jamais motivo para pôr em perigo o parco, mas certinho, salário. 
É o triunfo do espírito do funcionário público de antanho, exportado com um tremendo êxito para todas as áreas do trabalho, imbatível no seu objectivo de sujeição de toda a humanidade, ou falta dela.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

cartas de amor


Todas as cartas eram um acto de amor. Papel, sobrescrito, caneta de tinta permanente ou mera esferográfica. Escritas à mão, sem erros nem borrões, com intenções bem descritas numa linguagem impecável. A comunicação tinha sempre importância, sem abreviaturas, atalhos ou hiperligações. Nenhuma carta era banal. Tomadas a sério, eram um investimento material, de tempo e de resolução mental.  

domingo, 1 de maio de 2016

quando se é tudo

Change by Marita Moreno Ferreira
Quando se é tudo não se pode deixar de ser isto ou aquilo. A vida vai acontecendo e a única coisa que se pode fazer são escolhas, esse desígnio pessoal e pontual a que se chama livre arbítrio. Que nada mais é que uma opção momentânea a definir que rumo se toma numa ocasião específica.
Num instante somos uma coisa e no outro mudamos completamente, por vontade própria ou alheia. A mudança é uma qualidade inerente a esta vida, em que nada permanece e a seguir à noite vem o dia, o frio sucede ao calor e este de novo à falta dele, a boa disposição se arruina com um mau momento.
À noite podemos esquecer a vida e acordar de novo para a experimentar mais uma vez. Ou tentar forçá-la a dobrar-se à nossa vontade em vez de nos deixarmos levar pela corrente.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

hoje é 25 de abril

Hoje não vou pôr nenhuma imagem porque, actualmente, as mil palavras que dizem que as imagens valem são utilizadas para apelar a emoções e sentimentos que não correspondem às intenções de quem as propaga.
As imagens que surgem na nossa cabeça também não são de fiar, porque a maior parte delas são reflexos da memória, esse arquivo geral acumulado e desorganizado segundo emoções sobre as quais não exercemos controlo.
Assim, fico-me pelas palavras neste dia 25 de Abril, que mais do que um movimento político, foi um momento de esperança, de mudança, de possibilidades de atingir uma forma de estar diferente da que nos aprisiona e paraliza.
Há sempre esperança e escolha infinita se percebermos que existem duas realidades diferentes: a que se desenrola fora de nós e a que se passa cá dentro, onde está tudo o que somos, o que queremos e o que desejamos.
A nossa atenção deve estar com a realidade que realmente nos pertence, pois o que se passa fora de nós é uma amálgama desorganizada de factos e acções sobre os quais ninguém pode afirmar ter algum controlo. Mesmo tendo essa ingénua pretensão.
Saber, no entanto, que o que está dentro de nós é que é importante, é que é o nosso 25 de Abril. Reconhecer que o exterior não tem nenhum poder sobre nós, a menos que acreditemos nisso e que deixemos o furacão de fora destruir tudo à sua passagem, essa é a única revolução possível e verdadeira.
Hoje é um dia em que podemos escolher olhar e mudar o mundo a partir de dentro. E que assim seja todos os dias, em todos os momentos em que disso nos lembrarmos.