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quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

a obrigação de agradar

 

by MMF

A facilidade de acesso à informação e de comunicação disponível é uma coisa maravilhosa. E parece que vai haver mais, muito mais. A capacidade de gerirmos isso criteriosamente já não é tão maravilhosa e, sinceramente, parece que pode piorar bastante. Ou não.
Um dos aspectos mais fantásticos da tecnologia que nos abre mundos é o poder que nos dá. É a descoberta do que podemos fazer com um simples telefone na mão, redes sociais, botões que nos permitem reagir em tempo real a tudo o que nos chega aos ouvidos, aos olhos e aos rápidos dedinhos que já nascem ensinados a tratar tu cá tu lá com os nossos novos apêndices.
Toda a gente "empoderada", como se diz, toda a gente a saber que importa. Isso é que é viver de acordo com todos os direitos, esses que chegam em nano pedaços de tempo à nossa consciência, prontos a usar, como uma fast food.
Chegam também com uma nova obrigação, a de agradar ao máximo de pessoas, ao máximo de seguidores, ao máximo de indivíduos desejosos de fazer cliques em corações, polegares virados para cima, mãos unidas em gratidão. Um mundo de alegrias e fofuras sem fim.
Até os políticos e os jornalistas aderiram a este mundo sem limites de coisas boas e em tolerância zero para negativismos. Os primeiros porque já aprenderam que os gostos e outros bonequinhos favorecem a sua popularidade. Os segundos porque esquecem os seus deveres deontológicos, a obrigação de verificação dos factos e da verdade.
Neste mundo de emojis felizes e carinhosos, surgiu um pacote de novos pecados: não agradar de imediato, não aplaudir causas como a do queijo que não deve ganhar bolor, não publicar constantemente selfies de intimidades desinteressantes. Entre outros.
Ressalva: partilhar emoções fortes como o cocozinho do cachorrinho acabado de trazer do abrigo, a primeira zanga com a cara metade desta semana, o penso rápido no dedo do pé, ou a t-shirt cor-de-rosa que ficou tingida com a camisola vermelha usada no Natal. Ou outras que podem parecer mais insignificantes mas que, no conforto do sofá, ganham dimensões universais.
Ou seja, todos têm obrigação de nos agradar, compreender e mimar em full time. O problema é como entrelaçamos essa fofura toda com a mesma necessidade dos outros sete biliões de seres humanos do planeta.
Agora que estamos todos tão ternamente ligados, a questão essencial é como adicionamos funcionalidade prática a este mundo arco-íris e livre de dualidades dúbias.
Claro que há sempre os trolls e os maus da fita que jamais terão direito à sua opinião e aos polegares e corações. Gente que se percebe de imediato que não têm desculpa, nem razões aue, aliás, a razão desconhece nesta correria de reacções.
A esses, claro, não faz mal nenhum privar de direitos, estralhaçar, apagar da história dos bons o mais depressa que possam os nossos dedinhos deslizar pelos ecrãs dos telemóveis.
É a nova justiça popular, essa de "apagar" sem misericórdia e com um toque apenas os miseráveis que não fazem cá falta nenhuma. Não no nosso mundinho perfeito e preguiçoso para os lados do contraditório. 
A propósito, já está feita a vossa obrigação do dia? Quantos cliques derretidos em cada rede social? Atenção: não mais do que trinta por dia em cada uma delas, não vá a "rede" castigar-vos com um mês de abstenção total.
Peço já desculpa às ditas redes, que não têm obrigações de gente de verdade, de ser boas, más ou razoáveis. Afinal, só respondem mecânicamente aos demónios e aos anjoa que as usam. Esta coisa do perdão público também é uma questão a apreciar noutra roda de letras.
Deixa-me ir embora agora, ao som das flores da senhora que gosta de verniz vermelho, comprar os ramos para si mesma, escrever o nome na areia e falar sozinha horas a fio.

terça-feira, 28 de maio de 2019

opressão

"opressão" by MMF
Há que enunciar as coisas com clareza. Honestidade também. Só dessa forma se entendem conceitos simples e profundamente esclarecedores. Como o da discriminação, por exemplo, que só tem um sentido: de cima para baixo. Ou seja, de quem pode para quem pode menos. Simples opressão, só porque sim, porque se pode, porque ninguém se atreve a contradizer um mau hábito, uma cobardia aplicada por quem está numa posição de força a quem está menos forte. Pela insuportável dor que a diferença parece provocar em quem aparentemente é muito mais forte. No entanto, a opressão é um ataque e é sabido que só ataca quem medo. E que tanto temem então os poderosos? E os que não atrevem a contestar os poderosos?
Foram precisos séculos para reconhecer que a discriminação contra os negros era uma opressão condenável. E ainda não se erradicou. Quantos mais séculos serão necessários para chamar pelo nome a opressão contra as mulheres, minorias sexuais, étnicas, religiosas ou, simplesmente mais livres de preconceitos paralisantes? Porque é paralisante falar em discriminação e não, simplesmente, em opressão. 
Em rigor, ninguém se pode considerar consciente e honesto se não entender esta verdade. O simples facto de se viver numa sociedade em que prevalece a parte masculina da Humanidade é uma prova inequívoca de que a opressão é uma forma de estar muito bem aceite. E quem é que pode, conscientemente, declarar-se livre de preconceitos sem mentir descaradamente a si e aos outros?


sexta-feira, 26 de abril de 2019

cravos da noite

"26 de Abril de 2019" by MMF
Pronto, acabou o dia da liberdade e podemos, muito tranquilamente, regressar à noite medieval de amplos abusos em que parecemos mergulhados. Ou não. Ao fim de quarenta e cinco anos, muita coisa muda na consciência colectiva. Algumas com muita saudade de um passado que se doira, porque se transforma numa névoa de certezas que hoje sabemos não durar. Outras por inevitável percepção de que o nosso mudo sofreu mutações e que há que lidar com elas.
Hoje, querendo ou não, os cravos de Abril deixaram sementes e espaço para crescerem de uma forma mais madura que nos idos de 74. Um século adiante há outra forma de ver e entender as coisas. A próxima ditadura a vencer é a das mentalidades e para isso não carecemos de tanques e outros aparatos de poder obsoletos.
As novas ditaduras aprenderam o controlo sem sair à rua, atrás dos ecrãs e da informação que generosamente lhes passamos na maravilhosa revolução dos bits e dos bites nas redes sociais e dos cartões electrónicos. Mas como todas as ditaduras, com a sua necessidade de afunilamento, não têm como despejar oceanos em garrafinhas rotuladas. Há sempre muito mais a transbordar e fora de controlo.
A vantagem dos dias comemorativos é a de os transformar em mais uma dessas garrafinhas com grande valor afectivo, que passam o resto do ano em caves escuras e frias e fora da vista e do coração de todos.
Mas se alguma coisa nos ensina a experiência, é que, se os efeitos são visíveis, o mesmo não acontece com todas as mínimas e infindas causas que os despoletam. Só nos apercebemos de um punhado de causas que conhecemos e, as outras, muito mais numerosas, pertencem a uma roleta russa que jamais podemos controlar.
Por isso tenho fé, nas sementinhas, elas próprias causas silenciosas e diligentes, que um dia se hão-de acumular e manifestar, como belas explosões de estrelinhas luminosas, com efeitos muito positivos nas noites  insidiosas com que nos presenteiam. 


quarta-feira, 27 de março de 2019

ciclones da vida

MMF - "Moçambique 2019"

Os ciclones da nossa vida têm o condão de relevar o pior e o melhor em nós. Como a solidariedade exemplar por todos demonstrada na ajuda a Moçambique e a quem calhou a devastação do Idai. Há esperança, pensamos, quando a capacidade de correr em auxílio do outro se manifesta com esta grandeza.
O pior, no entanto, é esquecermo-nos de nós. O que aconteceu em Moçambique e noutros países é o que já está a acontecer em todo o mundo. A forma como tratamos o planeta que nos acolhe revela-se nestes desequilíbrios e manifestações de forças naturais.
De nada nos vale toda a tecnologia de ponta se não entendermos, de uma vez por todas que, sem árvores os nossos pulmões não funcionam, sem água não poluída não conseguimos manter qualidade de vida, sem respeito pelo solo que pisamos ele devolve-nos a violência a que o sujeitamos.
Esquecemo-nos, sobretudo, que para um Idai provocar tamanha devastação, o mal está feito e já comprometemos irremediavelmente o nosso futuro. E continuamos à espera que a delegação do poder nos outros, que já provou ser inadequada, nos salve miraculosamente.
Os ciclones não são avisos. São consequências. E na altura em que chegam é melhor que as nossas consciências se apurem e despertem de uma vez por todas. A bem das possíveis mudanças estratégicas de rumos, de formas de pensar e de viver.
O Idai não foi o único responsável pela catástrofe que se abateu sobre Moçambique. A falta de capacidade de ordenar o território e as populações, a ocupação desenfreada dos solos, o lixo e detritos acumulados, a falta de prevenção deram, ao longo de décadas, uma considerável ajuda aos seus efeitos.
Nada que não se passe em todas as outras regiões do planeta. Mesmo quando os governos consideram que têm tudo controlado. Até que um Idai se manifeste e mostre que não é apenas limpando o lixo das ruas nas cidades que se respeita a Natureza.
A prevenção começa em nós e no entendimento de que, mais um dia a usar desenfreadamente os recursos do planeta como se não houvesse amanhã, significa isso mesmo: inexistência de amanhã. Para nós. Porque a Natureza segue o seu curso e reequilibra-se, sem necessidade de nós para sobreviver. Aqui só estamos como hóspedes e toda a gente é capaz de imaginar o que acontece a quem não se porta bem em casa alheia.

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

quando Cascais arde

"Cascais Fire 2018" by MMF
Se juntarmos os pontos e apreciarmos os acontecimentos recentes à luz de uma lógica fora dos preconceitos ditados pelos média ou pela nossa limitada noção de responsabilidades, ficamos com uma visão literalmente incendiária de como chegámos ao ponto de perder seiscentos hectares de pulmão entre Cascais e Sintra.
Em primeiro lugar, para sermos realistas, os nossos pulmões não nos servem de nada sem a grande mancha de verde que a Terra põe à nossa disposição para os usarmos. Em segundo, mas muito pouco secundário neste caso, de cada vez que cada um de nós toma uma decisão, é co-responsável por tudo o que acontece no planeta.
Poderíamos estar a falar do oceano de plástico ou dos fogos da Austrália ou da Califórnia, mas estamos a falar do que aconteceu aqui, no nosso quintal. Na paisagem que reclamamos protegida e, afinal, acabou arrasada porque os nossos "abraços" em slogans não são suficientes para a manter segura. Nem por sombras.
Não fazemos o suficiente para nos manter seguros. Deixar queimar os pulmões verdes e depois sacudir a água do capote a responsabilizar a protecção civil ou governos autárquicos não faz sentido nenhum. Sobretudo se os poucos votantes da região validaram os dirigentes actuais, co-responsabilizando-se portanto com as suas decisões. Ou se permitimos que empreendimentos de luxo, com lucros a curto prazo se sobreponham à vida de qualidade que afirmamos ter neste cantinho de zonas protegidas.
Somos todos responsáveis pelas decisões que levaram ao incêndio que acaba de destruir uma parte da qualidade de vida que alardeamos para esta porção privilegiada do planeta. E temos de compreender a mensagem por detrás do desastre, porque ela é uma projecção do futuro colectivo que preparámos para nós e para as gerações futuras.
Quando seiscentos hectares de floresta ardem, essa é a medida do que arde em todos nós. Arde porque somos negligentes em relação às pequenas decisões de enormes consequências na nossa vida? Arde porque inconscientemente purgamos assim muito do lixo que arrastamos todos os dias em detrimento de posturas e acções mais naturais e honestas? Arde porque ansiamos por renovação?
Arde também porque estes desfechos são tomadas de atenção que devemos entender de forma mais profunda, em momentos que devemos saber decisivos para mudar e viver de forma mais sustentável.
Quando Cascais arde é porque chegou a uma encruzilhada fulcral e cabe-nos a todos, individualmente, escolher o caminho novo e mais certo para a terra em que assentamos a planta dos pés e as raízes da nossa vida.

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

casual strokes

"casual strokes" by MMF - photo by Paulo Paz
O artista mostra-se, não raro, relutante no que toca à verbalização do processo que leva à sua obra. O que não admira, porque poucas coisas são mais pessoais. Da forma como surge uma ideia, um conceito, passando pelos meios que emprega para a sua materialização, às escolhas que faz durante todo o percurso que lhe é natural, tudo tem que ver com o seu processo interior. Com a forma como resolve apresentar esse processo e que corresponde a um inevitável percurso de consciência e transformação pessoal.
O ofício artístico, consciente ou não, nunca deixa de ser uma tarefa pessoal de crescimento e entendimento. Representa um estudo e uma prática concretos pelos quais se passa na viagem de conhecimento interior que todos fazemos. No caso dos artistas, ela é expressa em formas concretas e observáveis pelos outros. E é a empatia que gera, a oferta em que os outros se revêem, que torna a obra apreciada e entendida.
Este processo não é consciente para a maioria das pessoas, artistas incluídos, na medida em que muitos preconceitos sobre a prática artística a remetem sistematicamente para uma actividade menor. O artista é ainda entendido como o excêntrico, o socialmente desajustado que insiste numa forma de estar e trabalhar sem efeitos quantificáveis. Exactamente o oposto do que é a sua capacidade de realização e a frescura que traz a uma visão esquálida das nossas possibilidades.
A documentação, discussão e compreensão do processo artístico é, por isso, essencial ao seu crescimento pessoal e como agente cultural. E a fruição da obra é apenas o primeiro passo dos outros para o entendimento dos seus mecanismos individuais de evolução.
O trabalho artístico não é um capricho, mas uma ferramenta através da qual todos ganhamos e avançamos. Assim nos permita a nossa vontade e consciência.

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

a brincar, a brincar, a trindade

by Paulo Paz, na Oficina do Desenho

A brincar, a brincar, vamos formando as trindades nossas de todos os dias. Ligações por vezes efémeras e, muitas vezes, tão fortes como a original.
Quem desenha uma cara, desenha-as todas. Sempre que se desenha, se escreve, se pinta, se cria qualquer coisa, boa ou má, acrescenta-se algo ao tecido de todas as coisas. E a existência segue assim a sua infinita expansão, sem darmos por isso.
Que consciência temos, de facto, do imenso processo criativo que desenvolvemos durante um dia das nossas vidas? Que importância damos ao extraordinário poder de cada segundo da nossa existência?
Deveríamos estar mais atentos à nossa modelagem da vida. Ao poder que manifestamos ao preparar um simples café ou a divagar mentalmente sobre sonhos e coisas comezinhas. Nada se perde, tudo se ganha, tudo se transforma mesmo antes de pousar a chávena para nela depositar o líquido que em seguida se saboreia.
A brincar, a brincar, as trindades criam-se a todo o instante e a um ritmo que somos incapazes de acompanhar. Em consciência.

quinta-feira, 7 de junho de 2018

essencial e fútil



A sorte do que nos calha em sorte é a única coisa que temos. Às vezes é uma sorte madrasta, outras inacreditável. Velinhas a navegar ao vento, é o que somos, dançando com muita sorte ou de nariz torcido ao malfadado destino.
Fazer sentido é o mesmo que não fazer sentido nenhum, visto que no maior desenho das coisas, invisível ao comum mortal, o resultado certo nunca é a meta provável. Somos cientistas frustrados, a bater às cegas a todas as portas, a experimentar sem verdadeiro conhecimento de causa.
Somos remendões surrealistas, a pôr a fé em genialidades inesperadas e a alterar a realidade sem qualquer consciência do resultado da acção. Sempre a teimar na honestidade, na correcção, no carácter dos nossos feitos como motivos únicos e inabaláveis.
É um exercício fútil na pretensão do conhecimento verdadeiro, mas essencial para alguma mudança. No fundo, o derradeiro curso possível. Muito aquém das certezas de pedra e cal vendidas ao desbarato por uma educação louca e orientada no sentido contrário da impermanência de todas as coisas.
Vivemos como se pudéssemos caminhar sobre a água de um oceano demasiado vasto para a nossa compreensão. Como jogadores viciados, repetindo e insistindo no erro de não tentar um jogo diferente.
Afinal, abraçar a liberdade de forma absoluta é uma visão tão apocalíptica (reveladora), que o refúgio no fracasso é a única certeza aceitável.

domingo, 3 de junho de 2018

padrões e inteligência


A inteligência dos padrões é frequentemente subestimada. A sua beleza é evidente, mas poucos se interrogam sobre as razões que levam à atracção que provocam. A resposta é simples, embora descartada pela maior parte das pessoas que observam esse tipo de manifestações.
Os padrões são atraentes porque evidenciam a nossa capacidade de perceber que a repetição não é casual. Ocorre porque há ligações a perceber na manifestação de fenómenos semelhantes. São sinais de que há coisas a perceber. Há consciência a desenvolver em torno do que se repete e conclusões a tirar que expandem a nossa percepção.
A beleza dos padrões é essa sensação de coisas que fazem sentido sem que apliquemos mais esforço nisso, senão o do simples reconhecimento da sua existência e das possibilidades que se multiplicam a partir do momento que se observam.
Casar conscientemente a inteligência e a beleza em formas destas é uma pista valiosa para quem gosta de investir tempo a descobrir e a entender. Acrescenta sempre alguma coisa ao sentido que se busca para a existência. 
É uma revelação sem fim que traz luz, conhecimento e apreciação por esta forma de ver o mundo.

segunda-feira, 28 de maio de 2018

isso faz-se marinheiro?



Há mais marés que marinheiros e há tantos marinheiros (quase oito mil milhões, sempre a crescer) que nos é difícil fazer uma ideia do verdadeiro sentido das marés. Mal mergulhamos numa chega logo outra e outra. 
Não admira que nos sintamos arrastados de um lado para o outro sem controlo e sem pé. E com uma irresistível vontade de bater asas e voar. Porque ser marinheiro não basta. Também é bom alapar numa rocha e sentir a segurança de um porto. Ou enterrar a cabeça na areia para não ver nem ouvir nada.
A Natureza não dá descanso, à imagem e semelhança da tempestade de pensamentos em constante desfile em cada mente humana. À cautela, deixam-se aqui de fora as restantes mentes, não vá o diabo tecê-las e conferir o mesmo poder aos animaizinhos, insectos, plantas e por aí fora. Aí é que a porca torcia o rabo e o caos ficava oficialmente estabelecido.
Somos umas coisas inconstantes, sempre a sonhar com ordem e tranquilidade, mas a deixar que a mente assuma livremente todos os nossos desejos, sem qualquer direcção definida. Somos o caos cá dentro, mas não o admitimos dentro de nós e espantamo-nos com o que se manifesta fora.
Uma cambada de inconscientes e marinheiros de água doce é o que somos. A estabelecer que não desejamos a ordem interior, mas a apontar o dedo à de fora. Isso faz-se, minha gente?

domingo, 13 de maio de 2018

portas e janelas


Há coisas que não se fazem, outras que são obrigatórias, nem que seja pelos dedos que se apontam ao abrigo de estados de consciência que vão e vêm como modas. Há portas e janelas que se fecham e abrem como as das casas assombradas, de prisões de todo o tipo, de saídas de emergência e por aí adiante.
Só podem ser correntes de ar, redemoinhos sem eira nem beira. Manifestações incompreensíveis de vontades e atributos cujos desígnios são como os dos deuses e de outras entidades que se nomeiam à la carte. Medos e certezas talhados mais pela imaginação do que pelo conhecimento das regras que regem todas as coisas.
Há portas e janelas, sim, mas também uma ignorância total daquelas que se devem abrir ou fechar. E ainda há o que cai ou não cai no goto, o instinto que declara alertas e os estados de coragem que ditam acções inebriantes e uma fé inexplicável nos bons desenlaces.
Temos esta vida que parece uma viagem psicadélica de causas e efeitos sem controlo aparente. E temos, obviamente, a possibilidade de a viver trancando todas as portas e janelas para fugir às correntes de ar.
São escolhas intermináveis e também a escolha de não assumir qual fazer. Na ignorância, podemos viver, simplesmente, como uma garrafa sacudida pelas ondas que não sabe a que praia chegar.

segunda-feira, 30 de abril de 2018

entre mundos

"Entre Mundos" by MMF
Bruxos, feiticeiras, médiuns têm uma relação sui generis com a realidade. Em determinados momentos têm percepções que vão além da comesinha relação com os cinco sentidos. Um sexto, diz-se, se bem que poderíamos considerar que, se os outros são cinco, pelo menos mais cinco lhes podem ser acrescentados, porque as percepções extraordinárias se confundem livremente com qualquer das proporcionadas pelo corpo. E ainda um sexto, de sensações, emoções e manifestações sem gramática definida e autorizada, perfazendo pelo menos onze mágicas formas de reconhecer o que nem sempre é óbvio nem entendido.
Numa versão mais pragmática, todos viajamos entre mundos, realidades e entendimentos. Acontece, por exemplo, quando as explicações que se debitam não chegam para que alguém abandone uma forma de pensar e persista num modelo que para nós já é limitado. Nessa altura percebemos que o nosso mundo interior tem informação que não chega à outra pessoa.
Por alguma razão, nem sempre deixamos que o nosso universo interior se expanda e abrace novas formas de avaliar a realidade. Mas quando o fazemos, viajamos entre mundos, aceitando as novidades, as possibilidades em aberto.
Cultivando essa flexibilidade, que depende grandemente da nossa vontade, a viagem entre mundos é uma experiência estimulante e capaz de nos presentear com lufadas de emoções e súbitas descobertas.
Viajar entre mundos não têm de ser um mergulho na superstição, no medo ou nas ideias feitas sobre quem reconhece outras formas de realidade. É um exercício de consciência que se cultiva e nos faz ponderar sobre a infindável possibilidade de expansão da nossa experiência de vida.
Entre mundos é a criatividade que comanda e molda a acção.

quarta-feira, 14 de março de 2018

escolas livres de excessos


Quando se mexe nos contratos de fornecimento de refeições as escolas, o ideal era mesmo ter a coragem de eliminar, pura e simplesmente, os alimentos que prejudicam a saúde física e mental das crianças e dos jovens.
Estando provado que os refrigerantes, açúcares, fritos e alimentos excessivamente processados, o que raio faltará para que se assuma a necessidade de, nas escolas se proibir o consumo de bebidas e alimentos nocivos à saúde?
Será que o interesse das grandes empresas de sobrepõe com vantagens a um défice de desempenho escolar e a um futuro de maus hábitos, doenças e tratamentos ruinosos?
É uma vergonha, ou muita falta dela, que governantes que se afirmam conscienciosos e defensores do interesse maior dos cidadãos, não se comprometam definitivamente com a saúde e bem-estar dos mais novos, assegurando-lhes um futuro bem mais risonho e promissor.
Isto, claramente, sem prejuízo do livre consumo de toda a sorte de alimentos por adultos informados e apreciadores de açucares e de outras substâncias e paladares universalmente apreciados pelos bons garfos.
Mas não é deliciosamente aliciante pensar em novas gerações de crianças e jovens saudáveis e bem dispostos, com clara consciência de que a ingestão de alimentos menos adequados também é possível dentro de parâmetros mais adequados?
A educação também deve oferecer uma disciplina mais coerente e benéfica para os hábitos pessoais, orientando jovens e pais para uma maior consciência e melhores práticas em relação aos cuidados de saúde física e mental.
Eliminar excessos indesejados das cantinas escolares é uma medida semelhante à proibição de substâncias como o álcool e o tabaco. A indústria alimentar devia ser igualmente disciplinada para orientar a sua oferta adequadamente para as diversas faixas etárias e de acordo com a actual consciência de práticas nocivas à saúde.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

aos encontrões na luz

foto MMF
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Nem oito, nem oitenta. Nem toda a gente é completamente má, nem completamente boa. Vivemos de luz e escuridão, mas isso também não quer dizer que se saiba exactamente o que se anda a fazer. Às vezes, na sombra até nos orientamos e a maior parte das vezes, na mais completa luz, parecemos uns carrinhos de choque aos encontrões uns aos outros.
Outras vezes as coisas passam-se à nossa frente e não queremos meter-nos, julgando que assumimos assim uma posição de neutralidade. Nada mais errado. Porque uma decisão é uma acção e, neste caso, deixamo-nos nas mãos das decisões de todos os outros. Isto porque, fazendo parte de um todo em que as decisões determinam os resultados, e são um efeito imparável, a nossa neutralidade determina apenas que são as acções dos outros que vão moldar esse efeito, não as nossas.
A Terra e tudo o que nela existe, incluindo a pretensiosa Humanidade, é um todo em constante movimento e evolução, determinada pelas acções e decisões de tudo e todos. A neutralidade é uma ficção que apenas permite que as tomadas de posição dos outros definam o rumo das nossas vidas.
Na verdade, quando nos recusamos a decidir é como se estivéssemos convencidos que podemos manter-nos no meio do turbilhão da corrente sem sofrer os seus efeitos.
A cada um o seu tipo de masoquismo preferido, pois até isso é perfeitamente natural e defensável, ou não seria o que nos esforçamos tanto por fazer a todo o instante.
E o que é que acontece quando tomamos consciência disso? A maioria dos alemães acreditou piamente que não se manifestando contra as acções dos nazis a sua consciência estava salvaguardada. Isso modificou a qualidade dos resultados que vitimaram milhões de pessoas por todo o lado?
Quando as pessoas afirmam que não se metem em política, quando não vão votar, quando não assistem às sessões públicas dos seus órgãos de poder local, não se informam sobre as deliberações que vão determinar o lixo que têm à porta de casa, os impostos que pagam para não terem onde estacionar sem pagar, onde se tratar em condições dignas ou como deixam de poder ver a beleza natural da terra onde vivem porque alguém decidiu ganhar dinheiro com bolhas imobiliárias. Quando acreditam que nada disso lhes interessa ou contribui para a sua felicidade, os resultados são os que aparecem nos seus sonhos?
Acreditam sinceramente que vão poder respirar com a cabeça enterrada na areia? Acreditam que o facto de sonharem acordados é suficiente para alcançar o paraíso?
Boa sorte. Viver como escolhos arrastados pelas tempestades deve ser, realmente, o Eldorado da Humanidade.

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

acessos condicionados

foto MMF
Há cada vez mais placas de acesso condicionado. O que se justifica quando se trata de proteger zonas sensíveis a grandes alterações. Ou pessoas em momentos de fragilidade.
O condicionamento ideal tem apenas uma tradução: a consciência de que determinados passos ou acções podem prejudicar alguém ou alguma coisa.
Como gente consciente, sabemos que não devemos ultrapassar ou eliminar os limites que vão traduzir-se em consequências nefastas para nós e para os outros.
Apesar disso, estes avisos de condicionamento tornaram-se tão comuns, que começou a ser muito fácil confundir o papel de guardião de um certo bem-estar com o de poder e posse sobre os bens que são de todos.
Por exemplo, as empresas que tornam possível a utilização de águas por todos, não são donas da água. Prestam apenas um serviço público que serve, mas que não deve ser usado para extorquir economicamente as pessoas. O mesmo se passa com as empresas que exploram a electricidade, o gás, o petróleo e outros recursos naturais. O planeta e os seus recursos são de todos e não se deve confundir um serviço com propriedade.
O mesmo se passa na política. O serviço de gerir os recursos de todos não é sinónimo de poder, mas de humildade, dedicação, honestidade. A confusão é contrária a uma consciência saudável do mecanismo próprio de todas as coisas.
O dinheiro também não é dos bancos, mas das pessoas que o ganham e o confiam a uma instituição para o manterem protegido e disponível para as suas necessidades. Não é justificável que se use como forma de chantagem e variadas imposições sobre quem é realmente dono de todo o dinheiro produzido.
As leis que defendem este estado de coisas não passam de uma súmula de regras inventadas por quem afinal defende uma péssima consciência dos direitos e deveres fundamentais, e não o verdadeiro espírito de liberdade, bem-estar e justiça para todos.
Todas estas coisas de senso comum parecem hoje, sob imposição de muita manipulação ideológica e emocional, fruto de ingenuidade em relação ao poder instituído. Mas não é verdade.
O que se passa de facto é que o verdadeiro poder é subtil e não esmaga ninguém. Quando se manifesta, garante a simplicidade e a satisfação de todos. Não complica, nem ameaça para tornar a vida cada vez mais insuportável e intrincada, uma espécie de carcereira desagradável, sombria e ameaçadora que nos traz a todos descrentes e desanimados em relação ao nosso propósito de vida.
É necessário que os novos líderes comecem a restaurar os valores autênticos que nos orientam. É imperativo e urgente que nos façam acreditar de novo no bem e na alegria de viver. 
O maior condicionamento de que sofremos é o de estar de mal com a nossa consciência. Tenhamos a coragem de o admitir e deixar que o coração nos guie, na direcção certa, com o pensamento e a acção que merecemos.
Não se deixem levar pela conversa dos papões, esses homenzinhos cinzentos e assustados com tanto medo da sua própria sombra que vivem apenas com uma crença: a da sua imposição sobre os outros como forma de se salvarem. Que cresçam e façam os seus trabalhos de casa: ninguém e nada é de ninguém, nem sequer a felicidade pessoal. 
Falai no mau, pegai num pau. Falai no bem, que ele vem também. Sejamos benéficos a maior parte dos nossos dias, para contentamento de todos e, sobretudo, do nosso.

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

sobre fogos e consciência


Vemos apenas um por cento (ou muito menos) do que na realidade existe. Acreditamos que rodamos pacíficamente em torno do Sol, quando na verdade circulamos a uma velocidade difícil de imaginar atrás dele. Achamos que há espaço vazio entre nós e o que existe à nossa volta. Não temos consciência da energia que nos enforma, nem da sua interacção com a energia dos outros e de tudo o que nos rodeia. Temos uma paupérrima percepção do que é realmente a vida e ainda pior das razões pelas quais existimos nesta e noutras formas.
Somos escassos. Nos nossos modos, na nossa forma de pensar, na curiosidade com que devíamos orientar a existência. Ver para crer é uma máxima perigosa quando as limitações são reconhecidamente a coisa coisa mais abundante de que nos munimos durante a vida.
Não por falta de escolha, mas porque não prestamos qualquer atenção ao que se passa no presente. Achamos que devemos dar muita atenção ao passado, que depende de uma forma de memória de que não conhecemos realmente os contornos e usamos mais ou menos como nos dá jeito e com a ajuda de muita imaginação para preencher as brancas. 
Preocupamo-nos um horror com o futuro, como se ele realmente existisse no presente, desperdiçando um tempo precioso a adiar dessa forma a vida de todos os dias.
Mais grave ainda, acreditamos que devemos expiar culpas passadas, nossas e colectivas, sem nenhuma alternativa ao que está feito e não tem remédio. Sem sequer pôr a hipótese de que a culpa não interessa nada, porque o passado produz efeitos, mas os efeitos que produzimos não agindo agora sobre o que nos prejudica é que nos condenam. Sem perceber que as acções passadas não deviam induzir culpa, ams sim acções presentes que nos libertem dos efeitos criados no passado.
Não acreditamos em milagres, mas no fundo, esperamos todos que eles aconteçam porque, por alguma incompreensível razão, algo nos diz que isto não pode ser tudo, que tem de haver alguma coisa que iguale o paraíso existencial com que sonhamos e conversamos todos os dias nas nossas cabeças. 
A verdade é que não somos educados para questionar o que os outros nos transmitem como sendo um conhecimento seguro dos factos básicos da vida. Pelo contrário, somos consistentemente encorajados a aceitar a experência dos outos como o pilar básico da nossa. Não pôr isso em causa é mesmo considerado uma espécie de bóia de salvação para todas as situações. Como se a imaginação de que dispomos para preencher a nossa ignorância não existisse também nos outros e não fosse também o elemento alienador da realidade de que todos sofremos.
Porque acreditar na nossa imaginação é o único elemento de fé e esperança que nos permitimos, cegamente. Pouqíssimas vezes caímos na realidade e nos permitimos admitir o carácter suicida do desespero que nos faz aceitar a imaginação como realidade, em vez de a usarmos como um instrumento para questionar as verdadeiras causas e efeitos do que está de facto a acontecer.
Viramo-nos para a nossa versão idealizada do misticismo em busca de salvação, esperando ainda e porque quem espera sempre alcança, sendo o que se alcança uma miragem de um oásis num deserto que não nos inspira nunca uma total confiança.
Portanto, não prestamos grande atenção ao que o momento presente nos mostra, gastamos todo o nosso precioso tempo a cirandar entre passado e futuro, incapazes de firmar os pés no presente, de parar e de concentrar os nossos sentidos no segundo que passa e que é o ponto de partida de tudo o resto. Nada mais interessa, nada mais é controlável, nenhum outro momento é tão importante como aquele em que podemos tomar a decisão de mudar os contos de fadas do passado e do futuro e começar a viver. A aproveitar a vida como ela se proporciona na realidade.
Ora, se alguma coisa o conhecimento das religiões e dos misticimos nos ensina, é que essa a forma de disfrutar a existência plenamente é possível e está à disposição de qualquer um. Os métodos têm muitas roupagens, aparentemente diferentes, mas convergem todos no essencial: há uma outra forma de 'ver' a realidade; há todo um mundo além dos nossos escassos cinco sentidos, para entender e descobrir o sentido da vida.
A nossa escolha, no entanto, é ignorar a sensatez dessa informação. Por uma razão bem clara: é verdadeiramente assustador compreender que fazemos parte de um todo, de que dependemos e que depende de todos os nossos ínfimos passos para se manifestar da forma a que assistimos todos os dias.
É realmente difícil de engolir que não podemos alancar todas as responsabilidades a um ou vários deuses, que determinam sozinhos as causas e efeitos de todas as nossas acções, do nosso carma ou do nosso fado.
É quase insuportável compreender que a nossa responsabilidade no que se passa connosco, e no mundo que estamos permanentemente a criar com as nossas escolhas e actos, é afinal a grande mão divina na nossa existência. E não dessas criaturas de superpoderes que a nossa imaginação criou para viver irresponsavelmente o seu dia-a-dia.
Há provavelmente mais forças além das nossas, há com certeza um mecanismo superior de equilíbrio que se sobrepõe ao nosso instinto suicida de deixar rolar tudo pela encosta abaixo e seja o que deus quiser. 
E para início do entendimento, há sem dúvida uma consciência global e em que podemos encontrar a clareza suficiente para agir de acordo com os nossos melhores instintos e experimentar felicidade e harmonia em vida, sem atirar para outra misteriosa existência o desejado paraíso.
Podemos começar por não destruir outras partes do mundo que sustentam o nosso corpo nesta existência, como a flora de que dependem os nossos pulmões para subsistir. Podemos resistir a correr atrás de uma economia imaginada por quem não distingue a realidade da ficção, dos mundos virtuais em que para uns ganharem outros têm de perder.
A nossa acção neste momento é a fundação do que se passa a seguir e, se queremos que isso seja bom, então temos de produzir coisas boas. Sementes boas dão frutos bons e esse é todo o mistério necessário à vida. Só nesse equilíbrio de causa e efeito teremos a paz necessária para pensar e usufruir de uma existência de sonho e não de pesadelo.
Somos constantes criadores da nossa realidade, com as nossas acções e os nossos pensamentos. É essa a experiência que queremos viver e é bom que a moldemos de acordo com os melhores propósitos e as melhores intenções. Conscientemente.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

a consciência de Bruno



"A ordem e o poder da luz e das trevas não são iguais, pois a luz difunde-se e penetra as trevas mais profundas, mas as trevas não alcançam as mais puras regiões da luz.Assim, a luz compreende a treva, domina-a e conquista-a, através do infinito." - Giordano Bruno, 1591
A consciência do que é de facto a realidade custou a Bruno a sentença de morte pela igreja que devia disseminar essa mesma consciência. O medo e a sede de controlo têm levado a melhor sobre as religiões que, na ausência de fé nos seus próprios ensinamentos, transformam a vida no inferno que deviam evitar.

"Nós declaramos esse espaço infinito, dado que não há qualquer razão, conveniência, possibilidade, sentido ou natureza que lhe trace um limite." (Giordano Bruno, Acerca do Infinito, o Universo e os Mundos, 1584).
Uma sabedoria tão radical nos nossos dias como herética à luz dos conhecimentos da sua época. Mas o pensamento e a obra de Bruno está recheada de detalhes sobre a magnífica consciência que tinha da realidade:
"O mundo é infinito porque Deus é infinito. Como acreditar que Deus , ser infinito, possa ter se limitado a si mesmo criando um mundo fechado e limitado?" 
"Não é fora de nós que devemos procurar a divindade, pois que ela está do nosso lado, ou melhor, em nosso foro interior, mais intimamente em nós do que estamos em nós mesmos." (A ceia de cinzas, Giordano Bruno, 1583).
Giordano Bruno nasceu em Nola, Reino de Nápoles, em 1548. Morreu em Roma, a 17 de Fevereiro de 1600, queimado na fogueira pela Inquisição.


quinta-feira, 21 de março de 2013

da paz

Não gosto de extremos. Comunistas e fascistas sempre tiveram para mim o contra do totalitarismo. E eu sou pela liberdade. Também não gosto de monárquicos porque acho que ninguém precisa de se pôr em bicos de pés se tiver uma boa auto-estima, nem acredito que o nascimento conceda outros direitos do que os de existir em igualdade de termos com toda a gente. E gente que acha que sabe, pensa ou pode mais do que os outros é sempre um triste espectáculo e exemplo de si mesma. Abomino igualmente o terrorismo e a pena de morte. Não me sinto obrigada a concordar ou a participar de nenhum deles e espero nunca estar na circunstância de ter de o demonstrar. Perante a escolha de matar ou sofrer a morte, espero ter a força de espírito necessária para abraçar o meu fim sem ter de passar pelo tormento de condenar outra pessoa a isso. Não gosto de extremos, mas entendo os contrastes e contra as atitudes radicais sugiro os limites, de preferência os pessoais, que são o único território natural de quem existe. Procurei sempre a paz, mesmo quando incapaz de agir em coerência com a sua experiência. Sou tranquila, mesmo quando a paixão parece sugerir o contrário. Quem me lê com honestidade sabe bem quem sou.

terça-feira, 19 de março de 2013

os pequenos ladrões

Os pequenos ladrões - Ilustração MMFerreira
Deve ter ficado da inquisição ou dos idos tempos da pide, esta mentalidade dos pequenos ladrões que, por alguma ironia do destino, acreditam que a justiça nunca se preocupará o suficiente com eles para os perseguir. É a mentalidade do triste eleito no último escrutínio português, em que conseguiu convencer um considerável número de pessoas que era melhor do que os outros. Aproveitou o desânimo geral para criar esperanças de mudança, como qualquer vendedor de pontes sobre o Tejo ou de Rossios, instalou-se num poder que, obviamente, se encontra destituído de mecanismos de controlo, e apressou-se a contratar outros pequenos ladrões para o seu gangue. A finalidade é vender rapidamente o País aos grandes ladrões, que por falta da tão crucial honestidade pessoal também acreditam que ficarão impunes para todo o sempre, têm como objectivo controlar, dos seus escritórios virtuais, o mundo inteiro. No final desta história, vão viver felizes num qualquer bunker escondido das multidões escravizadas e enfurecidas, muito felizes com as suas incomensuráveis fortunas e aterrorizados com a possibilidade de os descobrirem e voltarem a tirar o que tão vilmente arrecadaram.
A história dos pequenos e grandes ladrões nunca é gloriosa nem feliz. Mas é especialmente triste porque os seus personagens se iludem com a ideia de que são muito mais espertos e capazes do que os outros. Alheados da realidade, são incapazes de avaliar as consequências dos seus actos e, quando isso acontece, tudo o que lhes resta é o instinto sobrevivência dos animais acossados, desesperados e em permanente fuga dos seus predadores. São alcateias que acabam por se lançar no precipício por falta de outra direcção de fuga. E, nessa altura, onde está o poder e a glória que tão desastradamente construíram?
Os pequenos ladrões são sempre infames e desgraçados, cães selvagens cujas dentadas se fincam na sua própria carne. O seu destino é sempre tenebroso porque não há futuro nem progresso na ausência de consciência. E os heróis são sempre os que chegam depois.