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segunda-feira, 8 de outubro de 2018

quando Cascais arde

"Cascais Fire 2018" by MMF
Se juntarmos os pontos e apreciarmos os acontecimentos recentes à luz de uma lógica fora dos preconceitos ditados pelos média ou pela nossa limitada noção de responsabilidades, ficamos com uma visão literalmente incendiária de como chegámos ao ponto de perder seiscentos hectares de pulmão entre Cascais e Sintra.
Em primeiro lugar, para sermos realistas, os nossos pulmões não nos servem de nada sem a grande mancha de verde que a Terra põe à nossa disposição para os usarmos. Em segundo, mas muito pouco secundário neste caso, de cada vez que cada um de nós toma uma decisão, é co-responsável por tudo o que acontece no planeta.
Poderíamos estar a falar do oceano de plástico ou dos fogos da Austrália ou da Califórnia, mas estamos a falar do que aconteceu aqui, no nosso quintal. Na paisagem que reclamamos protegida e, afinal, acabou arrasada porque os nossos "abraços" em slogans não são suficientes para a manter segura. Nem por sombras.
Não fazemos o suficiente para nos manter seguros. Deixar queimar os pulmões verdes e depois sacudir a água do capote a responsabilizar a protecção civil ou governos autárquicos não faz sentido nenhum. Sobretudo se os poucos votantes da região validaram os dirigentes actuais, co-responsabilizando-se portanto com as suas decisões. Ou se permitimos que empreendimentos de luxo, com lucros a curto prazo se sobreponham à vida de qualidade que afirmamos ter neste cantinho de zonas protegidas.
Somos todos responsáveis pelas decisões que levaram ao incêndio que acaba de destruir uma parte da qualidade de vida que alardeamos para esta porção privilegiada do planeta. E temos de compreender a mensagem por detrás do desastre, porque ela é uma projecção do futuro colectivo que preparámos para nós e para as gerações futuras.
Quando seiscentos hectares de floresta ardem, essa é a medida do que arde em todos nós. Arde porque somos negligentes em relação às pequenas decisões de enormes consequências na nossa vida? Arde porque inconscientemente purgamos assim muito do lixo que arrastamos todos os dias em detrimento de posturas e acções mais naturais e honestas? Arde porque ansiamos por renovação?
Arde também porque estes desfechos são tomadas de atenção que devemos entender de forma mais profunda, em momentos que devemos saber decisivos para mudar e viver de forma mais sustentável.
Quando Cascais arde é porque chegou a uma encruzilhada fulcral e cabe-nos a todos, individualmente, escolher o caminho novo e mais certo para a terra em que assentamos a planta dos pés e as raízes da nossa vida.

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

o fogo em nós

"on fire" - MMF

Os piores incêndios são os que se acendem dentro de nós. E como fazemos parte indissociável de um ecossistema que engloba o planeta e, provavelmente, tudo mais que se conhece, é impossível deixar de ponderar sobre o que arde. Ou por que e para que arde.
Na sua perspectiva mais benevolente, o fogo e as queimadas, no Verão, fazem parte de um processo de renovação, de transformação do que não mais serve para dar lugar ao renascimento natural. Dos quatro elementos, é o que rege o coração.
Quando, neste mundo de que participamos, os incêndios assumem formas catastróficas, talvez devêssemos examinar o estado dos nossos corações. A zanga que jorra de dentro e a que, com certeza, não é estranha nem separável da sua manifestação natural.
O Verão também é um tempo entendido de descanso e fruição, talvez porque necessitemos desse amansar da actividade mental e física para renovar a tranquilidade dentro de nós e não contribuir com mais achas para a fogueira que, eventualmente, nos encurrala e destrói.
A mais acertada ponderação será, portanto, sobre o nosso contributo pessoal para as catástrofes, sejam elas de fogo, de plástico, de lixo, de emissões prejudiciais ao ar que se respira. Maturar a ideia da propensão natural de atear qualquer espécie de incêndio e transformar as vontades do coração em práticas de serenidade e segurança que são essenciais à sobrevivência.
O combate ao fogo nasce dentro de nós. Evolui e prospera quando entendemos que se ganha com o abandono da cólera e com a escolha inteligente da objecção de consciência. Não faz sentido participar do que condenamos e sabemos estar errado. 
Pacificando a mente e o coração damos igual oportunidade a todos os outros elementos. Ao equilíbrio.

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

sobre fogos e consciência


Vemos apenas um por cento (ou muito menos) do que na realidade existe. Acreditamos que rodamos pacíficamente em torno do Sol, quando na verdade circulamos a uma velocidade difícil de imaginar atrás dele. Achamos que há espaço vazio entre nós e o que existe à nossa volta. Não temos consciência da energia que nos enforma, nem da sua interacção com a energia dos outros e de tudo o que nos rodeia. Temos uma paupérrima percepção do que é realmente a vida e ainda pior das razões pelas quais existimos nesta e noutras formas.
Somos escassos. Nos nossos modos, na nossa forma de pensar, na curiosidade com que devíamos orientar a existência. Ver para crer é uma máxima perigosa quando as limitações são reconhecidamente a coisa coisa mais abundante de que nos munimos durante a vida.
Não por falta de escolha, mas porque não prestamos qualquer atenção ao que se passa no presente. Achamos que devemos dar muita atenção ao passado, que depende de uma forma de memória de que não conhecemos realmente os contornos e usamos mais ou menos como nos dá jeito e com a ajuda de muita imaginação para preencher as brancas. 
Preocupamo-nos um horror com o futuro, como se ele realmente existisse no presente, desperdiçando um tempo precioso a adiar dessa forma a vida de todos os dias.
Mais grave ainda, acreditamos que devemos expiar culpas passadas, nossas e colectivas, sem nenhuma alternativa ao que está feito e não tem remédio. Sem sequer pôr a hipótese de que a culpa não interessa nada, porque o passado produz efeitos, mas os efeitos que produzimos não agindo agora sobre o que nos prejudica é que nos condenam. Sem perceber que as acções passadas não deviam induzir culpa, ams sim acções presentes que nos libertem dos efeitos criados no passado.
Não acreditamos em milagres, mas no fundo, esperamos todos que eles aconteçam porque, por alguma incompreensível razão, algo nos diz que isto não pode ser tudo, que tem de haver alguma coisa que iguale o paraíso existencial com que sonhamos e conversamos todos os dias nas nossas cabeças. 
A verdade é que não somos educados para questionar o que os outros nos transmitem como sendo um conhecimento seguro dos factos básicos da vida. Pelo contrário, somos consistentemente encorajados a aceitar a experência dos outos como o pilar básico da nossa. Não pôr isso em causa é mesmo considerado uma espécie de bóia de salvação para todas as situações. Como se a imaginação de que dispomos para preencher a nossa ignorância não existisse também nos outros e não fosse também o elemento alienador da realidade de que todos sofremos.
Porque acreditar na nossa imaginação é o único elemento de fé e esperança que nos permitimos, cegamente. Pouqíssimas vezes caímos na realidade e nos permitimos admitir o carácter suicida do desespero que nos faz aceitar a imaginação como realidade, em vez de a usarmos como um instrumento para questionar as verdadeiras causas e efeitos do que está de facto a acontecer.
Viramo-nos para a nossa versão idealizada do misticismo em busca de salvação, esperando ainda e porque quem espera sempre alcança, sendo o que se alcança uma miragem de um oásis num deserto que não nos inspira nunca uma total confiança.
Portanto, não prestamos grande atenção ao que o momento presente nos mostra, gastamos todo o nosso precioso tempo a cirandar entre passado e futuro, incapazes de firmar os pés no presente, de parar e de concentrar os nossos sentidos no segundo que passa e que é o ponto de partida de tudo o resto. Nada mais interessa, nada mais é controlável, nenhum outro momento é tão importante como aquele em que podemos tomar a decisão de mudar os contos de fadas do passado e do futuro e começar a viver. A aproveitar a vida como ela se proporciona na realidade.
Ora, se alguma coisa o conhecimento das religiões e dos misticimos nos ensina, é que essa a forma de disfrutar a existência plenamente é possível e está à disposição de qualquer um. Os métodos têm muitas roupagens, aparentemente diferentes, mas convergem todos no essencial: há uma outra forma de 'ver' a realidade; há todo um mundo além dos nossos escassos cinco sentidos, para entender e descobrir o sentido da vida.
A nossa escolha, no entanto, é ignorar a sensatez dessa informação. Por uma razão bem clara: é verdadeiramente assustador compreender que fazemos parte de um todo, de que dependemos e que depende de todos os nossos ínfimos passos para se manifestar da forma a que assistimos todos os dias.
É realmente difícil de engolir que não podemos alancar todas as responsabilidades a um ou vários deuses, que determinam sozinhos as causas e efeitos de todas as nossas acções, do nosso carma ou do nosso fado.
É quase insuportável compreender que a nossa responsabilidade no que se passa connosco, e no mundo que estamos permanentemente a criar com as nossas escolhas e actos, é afinal a grande mão divina na nossa existência. E não dessas criaturas de superpoderes que a nossa imaginação criou para viver irresponsavelmente o seu dia-a-dia.
Há provavelmente mais forças além das nossas, há com certeza um mecanismo superior de equilíbrio que se sobrepõe ao nosso instinto suicida de deixar rolar tudo pela encosta abaixo e seja o que deus quiser. 
E para início do entendimento, há sem dúvida uma consciência global e em que podemos encontrar a clareza suficiente para agir de acordo com os nossos melhores instintos e experimentar felicidade e harmonia em vida, sem atirar para outra misteriosa existência o desejado paraíso.
Podemos começar por não destruir outras partes do mundo que sustentam o nosso corpo nesta existência, como a flora de que dependem os nossos pulmões para subsistir. Podemos resistir a correr atrás de uma economia imaginada por quem não distingue a realidade da ficção, dos mundos virtuais em que para uns ganharem outros têm de perder.
A nossa acção neste momento é a fundação do que se passa a seguir e, se queremos que isso seja bom, então temos de produzir coisas boas. Sementes boas dão frutos bons e esse é todo o mistério necessário à vida. Só nesse equilíbrio de causa e efeito teremos a paz necessária para pensar e usufruir de uma existência de sonho e não de pesadelo.
Somos constantes criadores da nossa realidade, com as nossas acções e os nossos pensamentos. É essa a experiência que queremos viver e é bom que a moldemos de acordo com os melhores propósitos e as melhores intenções. Conscientemente.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

rumores de um grão de areia

Não é o Apocalipse/Revelação, não são as fileiras redentoras do Quinto Império, nem a justiça de um qualquer deus de saco cheio de promessas por cumprir. É apenas a relação de causa e efeito do que tem vindo a acontecer nos últimos anos. Nem sequer é o triunfo das teorias da conspiração, que já há muito escapou do controlo e das mãos dos conspiradores. Essa é a beleza da imperfeição: nenhum sistema é seguro, porque uma única pessoa, uma única cabeça, uma única vontade pode acender um rastilho de incalculáveis proporções. E salvé, ó deusa eterna da imponderabilidade. O mundo é e sempre foi do grão de areia.