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terça-feira, 12 de outubro de 2021

amália, amália e amália

 

"Tragédia" by Rui Aço

Amor a sério e de verdade ama bom e mau, alegrias e tristezas, dúvidas e certezas.
Quem ama Amália faz disso fado, ligeiro, alegre ou brejeiro, triste ou inconformado, pujante ou descontente. Como deve ser a vida e quem dela participa e não espera por ninguém para fazer o que tem de ser feito.
Assim dito, quem pinta Amália busca todas as suas facetas, como faz Rui Aço nesta exposição que vai abrir com oito trabalhos no próximo dia 23 na Galeria de Arte do Aroeira Lisbon Hotel, na Charneca da Caparica.
De Rui Aço já admiro há muito a crescente intensidade com que aborda a tela ou o papel, e a transforma num passeio determinado, alegre e desinteressado dos conceitos sociais que travam e calam a criatividade.
Em "Amália, Sísifo e Eu... Ou a Existência em busca da Essência", desce a Rainha, ou Santa, do seu pedestal e segue, com ela pela mão, pelo carreiro tortuoso da sua outra vida, a real. 
Não lhe oferece ramos de flores ou palmas, mas desenha e dá cor aos momentos que a tornaram humana e tão capaz de entender a verdadeira alma do fado. Amália é grande, mesmo na tragédia que a podia ter engolido como a tantos outros, nos implacáveis arbítrios da vida.
Neste conjunto muito belo, e também muito divertido, sobre Amália e os fados do pintor, há ousadia e despudor. E há, sobretudo, vontade de arrasar os lugares comuns que se apoderaram da sua imagem.
Rui Aço não oferece guitarras bonitinhas, nem perfis da fadista a erguer a voz aos céus. Anda com ela pela sopa da pedra que é a vida e as suas facetas menos celebradas.
O resultado é, sem dúvida, uma Amália que cede a todos os seus impulsos por também serem da sua vontade. Que nos momentos mais negros encontra coragem para renascer e fazer ecoar a sua voz na mesma frequência do que atormenta todos os mortais.
Aço poderia ter pintado mil detalhes da vida desta mulher que, como um arquétipo, representa parte da vida de todos, aqui e além mar. Mas escolheu oito, que é um número perfeito, das oito virtudes que se conquistam com o trabalho correcto. 
Amália, curiosamente, deriva de amal (trabalho). E estes trabalhos de Rui Aço são, sem dúvida, uma conquista e uma oferta exuberante que faz à diva. Viva!

sábado, 28 de dezembro de 2019

viventes praticantes

"enchanted trees" by MMF
Um olhar descomprometido é, por vezes, quanto basta para alterar o nosso entendimento das coisas de todos os dias. Olhamos e vemos, como numa epifania, uma linha diferente, uma cor em que nunca reparámos, um movimento que nos encanta e embala.
É quanto basta para voltarmos a sentir apreço pela vida e pelo que nos rodeia. Com uma receita tão simples, como podemos cansar-nos disto? Como não adiar a despedida deste envolvimento constante com tudo? Como permitir a zanga ou o cansaço das coisas?
Este mundo é um infinito caldeirão de experiências e de criatividade posta em prática. Posso mesmo afirmar que sou uma vivente praticante.

quinta-feira, 2 de maio de 2019

propósitos

"may fishy sea" by MMF
Por convicção, não me apetece ser um tubarão e ter de estar sempre a exibir força e predominância. É muito mais fácil e agradável ser um peixinho ao sabor da maré e levar a vida com mais leveza. Os tubarões têm de estar sempre a provar qualquer coisa e não têm o dom da descontração ou a capacidade de aceitar naturalmente o que o destino lhes reserva.
Essa coisa de imaginar um propósito maior e mais glorioso é um dos mais mortíferos preconceitos que existem. Perigoso e castrador. Não deixa espaço para gozar e admirar as coisas simples da vida. Estar por cá já é um propósito suficientemente grande e tudo o que surge a seguir são bónus múltiplos.

quarta-feira, 27 de março de 2019

ciclones da vida

MMF - "Moçambique 2019"

Os ciclones da nossa vida têm o condão de relevar o pior e o melhor em nós. Como a solidariedade exemplar por todos demonstrada na ajuda a Moçambique e a quem calhou a devastação do Idai. Há esperança, pensamos, quando a capacidade de correr em auxílio do outro se manifesta com esta grandeza.
O pior, no entanto, é esquecermo-nos de nós. O que aconteceu em Moçambique e noutros países é o que já está a acontecer em todo o mundo. A forma como tratamos o planeta que nos acolhe revela-se nestes desequilíbrios e manifestações de forças naturais.
De nada nos vale toda a tecnologia de ponta se não entendermos, de uma vez por todas que, sem árvores os nossos pulmões não funcionam, sem água não poluída não conseguimos manter qualidade de vida, sem respeito pelo solo que pisamos ele devolve-nos a violência a que o sujeitamos.
Esquecemo-nos, sobretudo, que para um Idai provocar tamanha devastação, o mal está feito e já comprometemos irremediavelmente o nosso futuro. E continuamos à espera que a delegação do poder nos outros, que já provou ser inadequada, nos salve miraculosamente.
Os ciclones não são avisos. São consequências. E na altura em que chegam é melhor que as nossas consciências se apurem e despertem de uma vez por todas. A bem das possíveis mudanças estratégicas de rumos, de formas de pensar e de viver.
O Idai não foi o único responsável pela catástrofe que se abateu sobre Moçambique. A falta de capacidade de ordenar o território e as populações, a ocupação desenfreada dos solos, o lixo e detritos acumulados, a falta de prevenção deram, ao longo de décadas, uma considerável ajuda aos seus efeitos.
Nada que não se passe em todas as outras regiões do planeta. Mesmo quando os governos consideram que têm tudo controlado. Até que um Idai se manifeste e mostre que não é apenas limpando o lixo das ruas nas cidades que se respeita a Natureza.
A prevenção começa em nós e no entendimento de que, mais um dia a usar desenfreadamente os recursos do planeta como se não houvesse amanhã, significa isso mesmo: inexistência de amanhã. Para nós. Porque a Natureza segue o seu curso e reequilibra-se, sem necessidade de nós para sobreviver. Aqui só estamos como hóspedes e toda a gente é capaz de imaginar o que acontece a quem não se porta bem em casa alheia.

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

instinto


Instinto de sobrevivência. Instinto, naquela versão facilmente explorada através da atenção prestada à respiração. E sobrevivência do que somos, de facto e que não começa nem acaba. Reduzir a expressão a esta experiência de vida também serve. Mas que sentido faz esse instinto se a sobrevivência é para o que um dia acaba e não volta mais?
No fundo, acreditamos nesse instinto superior que a todos orienta no caos da vida. Ou a vida do caos que nos resta quando é impossível abarcar todas as causas para discernir todas as consequências. Um desenho da existência com linhas limites muito convenientes. Mas para quê então um instinto que nos garante saídas extraordinárias desses limites? Afinal os limites são naturais ou são os dos sentidos que nos devolvem esta experiência?
Depois vem a sobrevivência, que não faz grande sentido se todas as coisas são finitas. Se não se observar além do que acaba. Faz muito mais sentido se a sobrevivência for de facto a existência para lá do começo e do fim, a linha da vida que não acaba e se transforma permanentemente.

quinta-feira, 19 de julho de 2018

fruo, logo também existo

"fruição"
O dever antes do prazer é uma daquelas frases que parecem talhadas para os dias de hoje, em que a obsessão pela prova de que se trabalha até cair, que se dá às criancinhas tudo o que elas querem e não querem, que não há tempo para mais do que as obrigações. Em que todo o mérito se resume a cumprir os objectivos traçados por uma imensa máquina de propaganda (ou entretenimento) que acredita piamente que se não metralhar as suas aparentes verdades a uma cadência alucinada por segundo, morre na praia.
Claro que morre. É só apreciar a caótica trumpada que para aí anda. A amálgama de disparates e desconcertos que é, afinal, prova bastante que o dever sem equilíbrio é mortal para o indivíduo, para a sociedade e para o planeta. Para todo o universo, provavelmente.
O prazer não existe para ser alvo da nova inquisição que determina que apenas os festivais pop ou populares é que são aceitáveis. E que tudo o mais tem uma norma e uma conformidade traduzível num código de barras e no consentimento da maioria.
Esse afunilamento voluntário da riqueza interior de cada um, de soluções diferentes, de atrevimentos que fogem à adamastoriana organização das sociedades, tão cega como uma máquina sem condutor, é uma tristeza de deveres sem cérebro, sem alma e sem vida. Sem prazer.
A aprendizagem da fruição tornou-se uma tarefa quase ilegal, quando não sujeita às modas vigentes. O tempo não lhe é favorável com tanto dever subjacente ao que serve a tal maioria decapitada que governa os ditames do que parece ser conveniente e aceitável.
Qual o sentido de uma vida inteira a trabalhar os deveres para chegar aos prazeres prometidos, se tudo se esgota na primeira parte, sem intervalo nem segunda parte e final feliz?
O caminho do meio parece impossível no pouco inteligente enredo colectivo que acredita que todas as boas soluções passam pela adição imparável de mais e mais obrigações, mais e mais normas, mais e mais trabalho.
O equilíbrio é impossível quando nos inclinamos todos para o mesmo lado uma balança que tem o seu fiel ao centro. Nesta visão do funcionamento de todas coisas afogamo-nos permanentemente em derrocadas e a única resposta em que insistimos é mais do mesmo para ver se endireitamos o barco. Mas o naufrágio é o único cenário evidente.
A fruição, o prazer é o outro prato da balança. Existe não para ser desacreditado e desvalorizado, mas para nos devolver o equilíbrio. Através da criatividade que nos inspira, da satisfação com que nos invade e preenche, de um novo olhar sobre todas as coisas.
Nem só de pão vive o homem e não faz mal nem é pecado saltar uma refeição para ler um livro, ouvir música que não se limite a martelar como uma máquina, passear o olhar pelas artes ou explorar a natureza sem ser na pele de carneirinhos amestrados, com auto-nomeados pastores a decidir que temos todos de caminhar ombro a ombro pelas mesmas veredas que milhões de outros.
A nossa vida devia ser inteligentemente dividida em dever e prazer, durante as nossas horas vigilantes. Com uma saudável dose de desconfiança por esses bulldozers do entusiasmo do trabalho libertador que tanta gente interna em campos de duvidosa finalidade.
A fruição também liberta e não deve ser controlada pelo extremismo fanático que escraviza a vida num cemitério de obrigações inadiáveis.

quarta-feira, 16 de maio de 2018

a lógica dos direitos


Sou mais do tipo de esperar para ver o que acontece a seguir. Sobretudo em questões sobre as quais é melhor admitir que não se sabe, em rigor, nada. 
Na ausência de informação mais fidedigna, a lógica parece ser a medida mais acertada. Mesmo quando possivelmente contaminada com preconceitos ainda por reconhecer.
Por exemplo, fará sentido decidir pelos outros quando as circunstâncias a que estão sujeitos os levam a ponderar a desistência como solução? Quando se encaram condenações à morte como medidas de justiça e se matam animais diariamente como se não houvesse amanhã? Será o respeito pela vontade dos outros tão desadequado e ilógico?
A morte é o destino final de tudo e de todos, por isso é desnecessária ajuda nesse departamento. Falho no entanto em compreender por que se age dessa forma em tantos casos, todos os dias, e depois se reluta em considerar que é um direito quando o grau de sofrimento envolvido é avassalador.
É igualmente injusto esperar que alguém tenha a coragem e a lucidez necessária para decidir pelos outros. E o sofrimento é um péssimo conselheiro, que nos priva de imaginar desfechos óptimos. Mas a experiência da vida é tão pessoal como as decisões que tomamos sobre ela.
Fazemos escolhas a todo o instante e, de repente, em questões fundamentais, são os outros que querem ter o privilégio da decisão. Sabe-se lá por que divino direito.

sábado, 12 de maio de 2018

sempre gostei de barcos


Sempre gostei de barcos. São deliciosas metáforas da vida, pequenos cascos ao sabor de ondas muito maiores do que se entendem. O balanço não me incomoda, o enjoo não me acomete, e os desafios, mesmo incalculáveis e assustadores, não deixam de nos enredar em viagens que nos arrepiam de emoções.
Quanto mais pequenos, mais aliciante é o atrevimento da entrega a tudo o que não se pode controlar, maior é o reconhecimento de que a experiência nunca é suficiente, que a coragem e a confiança no melhor dos nossos instintos são as únicas armas verdadeiras que possuímos.
Todas as manhãs são uma promessa de viagens e perigos a vencer a bordo das nossas frágeis embarcações. Por isso sempre gostei de barcos e da expectativa das surpresas monumentais dos mares que enfrentamos.
Que graça tem ficar em terra e confiar apenas no conhecido?

terça-feira, 3 de abril de 2018

afinal, o prazer

"All about pleasure" by MMF
I have a place to die where I often stay, not for long and quite cautiously. It is my source and my true nature, but I also like it here where chaos is generated and we all can play the silly game we call life. Where else would I experience such a crazy, inebriating folly? [E. Mushul]

Tudo se resume ao prazer, ou ao desprazer. No final, bem vistas as coisas, a nossa balança das sensações é o que conta. Todas as situações são decididas na escala do que nos agrada ou do que produz desagrado. Uma vida simples, apesar dos floreados a que nos dedicamos para que tudo pareça mais o que realmente é.
O desprazer é tão consistente quanto o prazer. Somos tão capazes de lhe fugir como ratinhos frenéticos num labirinto em busca da saída. Que raio de mundo arquitectámos, nesta rede de impulsos e sensações arbitrárias com motivos camuflados em origens para já inatingíveis.
Fica a longa panóplia de prazeres para desvendar, dos divinais aos mais profundamente desagradáveis. E a nossa capacidade de criar inúmeras novas matizes para desafiar o tédio do conhecido.

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

pensar devagar


Dei-me conta de que penso devagar. No sentido em que, apesar de pensar constantemente, só raramente entendo e contextualizo o que penso. Por isso vou pensando de forma lenta, cada vez mais lenta. De que serve pensar tanto se não se entende o significado, a causa e o efeito do que se pensa?
Devo fazer o mesmo com a vida, uma vez que ela tanto depende do que pensamos. Se aproveitamos pouco de todo o pensamento que geramos, também só vivemos plenamente umas pequenas porções da vida.
E dou comigo a rir dos raciocínios. Visto esta coisa dos pensamentos tão mal pensados e tudo o que isso acarreta. Assim se avalia a fraca qualidade de qualquer raciocínio. Mesmo dos mais elaborados. Não se acedendo aos factos todos, a todas as causas que se escondem por detrás dos efeitos, só podemos rir da maior parte dos raciciocínios e conclusões que tiramos.
É muita pretensão da nossa parte convencermo-nos de que fazemos escolhas elucidadas e adequadas a todo e qualquer acontecimento. A nossa vida é muito mais parecida com um jogo de que desconhecemos a programação e que nos atira permanentemente para cenários que nunca conseguimos antecipar.
Por isso penso devagar. Nem sequer faz diferença o tempo que levamos a pensar, porque a vida é muito mais alucinada do que podemos imaginar, com tanto bilião de pessoas a pensar caoticamente por todo o lado e a determinar dessa forma as infindáveis variantes do jogo.
Vou continuar a pensar devagar. Não faz diferença a forma como pensamos ou o tempo que levamos nessa ocupação.
O que faz diferença é a forma como passamos a entender os acontecimentos. Não em todos os seus peculiares contornos, mas como bolas loucas disparadas livremente em todas as direcções. A nossa única obrigação é decidir no momento quais apanhar, usar, ou de quais fugir.
Pensar é um jogo, viver é um jogo. As regras são para inventar à medida que rolam os dados.

domingo, 6 de agosto de 2017

acabei de respirar

by Sarah Meech
Acabei de respirar fundo. Deixei que o meu corpo se enchesse todo de ar. Parecia que explodia de vida e de energia. Não prestamos suficiente atenção à alegria que é respirar e sentir como fazemos parte deste mundo. Como dependemos dele para existir e experimentar esta vida. Esquecemo-nos de quão inebriante isso é. 


segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

silêncio

"Silence" - MMF jan 2017
Quando o silêncio surge como uma explosão e o observador se torna súbita e maravilhosamente consciente do momento, da magnitude de que faz parte. Do que oculta um ténue véu de pensamentos que nos dispersa. E da força interior que é a verdadeira natureza de qualquer vida. 

domingo, 28 de agosto de 2016

de amores com a vida


Uma história de amor com a vida, que não precisa de outro objecto senão o da sensação desta experiência. Nenhum amor é mais completo e incondicional. Neste amor não há desistências. Apenas dias que se seguem a dias de total enamoramento. 

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

quinta-feira, 5 de junho de 2014

arte intensa

By NemO’s in Milano, Italy.
Hão-de querer arrumar-vos numa caixinha muito clean, embrulho perfeito e bonitinho, para massificação; apresentar-vos como animais de estimação lavados, escovados e bem treinados, para trotar em exposições; fazer todo o possível para mostrar como o vosso génio é polido, como um naco de carvão que vira diamante e perde o bruto para ganhar em faces muito lisas e adequadas aos olhos de quem mais aprecia o brilho do que a força que lhe dá origem.
Artistas e obras de arte são forças da natureza, ecos da realidade que não se molda a convenções. São jorros de verdade que se libertam pelas mãos de quem presta atenção ao que genuinamente importa na vida. Não sofrem de contenções impostas e antes aceitam o que a inspiração, o que é por direito inerente a toda a vida, lhes apresenta com generosidade. E retribuem de forma igualmente generosa, partilhando connosco a sua arte.
Intensa e de extremos é a obra destes xamãs dos nossos dias. Para eles não há meios termos e até a suavidade traz consigo uma intensidade insuspeitada. A vida é sempre curta para quem sabe que todos os momentos contam e que o fulgor não pode deixar de lhe pertencer.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

uma escolha basta

foto daqui
Gosto de dias de sorte e, portanto, das quintas-feiras, regidas por Júpiter e pelas suas alegrias. Esta quinta-feira li finalmente o texto de Alexandra Lucas Coelho sobre o país que não é de um presidente ou de um partido. E lembrei-me do mítico Peter Pan, que tem uma mensagem jupiteriana sobre o que é ou não nosso.
No mundo do rapazinho que não envelhece, vira-se as costas à bruxa má e aos pesadelos e eles desaparecem. Porque não se lhes prestando atenção, definham, perdem a força.
Seguindo este raciocínio mágico, que é afinal uma poção mágica e uma parábola encantadora sobre a forma como podemos livrar-nos do mal, às quintas-feiras (e nos outros dias) não vejo nem ouço notícias. Não presto atenção quando começam a falar na crise, nas doenças e noutras misérias. Erradico a propaganda do mal.
E não estou com isto a entrar num mundo de fantasia, porque o mundo é o que dele fazemos, fantasias incluídas. O mundo está na nossa cabeça e, se lá cabem terrores indizíveis relatados pela indústria de entretenimento em que se tornou o jornalismo mundial, por que não também dar lugar a algumas formas de felicidade criadas pela nossa vontade?
No fundo, toda a nossa vida se resume à escolha do que nos prende mais a atenção: o lado negro ou o nosso, colorido de acordo com as nossas cores? Porque a maior e a mais verdadeira ilusão é que a escolha não está nas nossas mãos, mas sim na de outros. Quando uma escolha basta para decidir o caminho que mais nos agrada, que mais tem que ver connosco.
Escolher o lado bom e amável da vida não é optar por fantasias e ilusões. É simplesmente negar aos outros o controlo da nossa vida através de fantasias e de ilusões que não nossas.
Uma escolha basta para conduzir a forma como vivemos pelas nossas normas e não as alheias. Quando aprendemos a valorizar mais o nosso bom senso e menos a falta que os outros têm dele, estaremos, como Peter Pan, a ignorar o lado mau da vida para, livremente, começar a viver a nossa.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

a vida como uma lanterna chinesa

"Inner Garden Beauty" (acrílico sobre tela - 90 x 90 cm) - MMFerreira
Imaginemos que a vida, o universo, a história, tudo o que conhecemos e podemos vir ainda a conhecer está armazenado no tubo de papel de uma lanterna chinesa, uma dessas com pregas que se desenrolam para lhe dar volume antes de se pendurar com uma lâmpada lá dentro. Imaginemos que, ao espreitar lá para dentro, vemos tudo o que fomos, o que somos e o que suspeitamos que ainda viremos a saber. Vemos também os sítios onde estivemos e onde ainda gostaríamos de ir. Os nossos amigos e os inimigos, os animais, as plantas, os rios e oceanos, as estrelas e tudo o que o conhecimento pões ao nosso alcance. 
É um mundo imenso, tudo dentro do tubo de papel da lanterna chinesa. Tudo o que podemos imaginar, conceber, lembrar, incluindo o espaço com as suas constelações, buracos negros e transformações e todas as nossas vidas e as que provavelmente andam por aí sem que saibamos da sua existência.
Imaginemos agora que achatamos a lanterna, com tudo o que lá tem dentro. Ficamos com um disco de papel espalmadinho e pronto para ser guardado em qualquer canto. Diminuiu drasticamente de tamanho, mas o que lá estava dentro continua no mesmo sítio, só que arrumado de outra maneira. E fora dele, continua o resto da vida, tudo o que ainda não conseguimos apreender ou imaginar.
Isso põe tudo em perspectiva, está visto.


quarta-feira, 24 de julho de 2013

o dinheiro e as eleições (ser em vez de ter)

o 
Imagem daqui
Acumular dinheiro tornou-se, na nossa sociedade, um símbolo de sucesso, de poder, de coisa meritória. Há gente diligente que desperta todos os dias com vontade de fazer coisas e põe isso em marcha com acções que produzem riqueza. Essas pessoas são ricas, não apenas em dinheiro, mas no total das suas vidas, que aproveitam para pôr em marcha de todas as formas que consideram úteis e válidas.
Outras pessoas confudem simplesmente o dinheiro com os seus anseios. Em vez de acumularem as coisas que provavelmente os fariam felizes, confundem o símbolo com a finalidade das suas vidas.
O único motivo pelo qual achamos que precisamos de dinheiro é para suprir o desejo que sentimos por coisas que nos podem causar satisfacção e felicidade.
Quando os políticos e outras figuras destacadas da sociedade falam em dinheiro e riqueza estão a referir-se directamente às nossas possibilidades e capacidades para sermos ou não felizes. Usam o símbolo para nos aliciar ou assustar em relação à forma como sentimos a vida. Agradável se tivermos dinheiro, horrível se não for esse o caso.
A geração de riqueza que tantos discursos apregoam não é a multiplicação dos euros ou dos dólares, fracos substitutos das nossas emoções e da nossa vontade de sermos felizes. E são fracos não porque sejam maus, pois são apenas um símbolo neutro, a que nós atribuímos uma boa ou má conotação, conforme o nosso discernimento em determinado momento.
O discurso da riqueza que actualmente se faz é para convencer toda a gente que alimentar um sistema baseado na multiplicação do dinheiro é o grande sentido da vida. Que sem isso tudo o resto desaparece. E, na verdade, se de repente todo o dinheiro desaparecesse, ninguém sucumbiria e, provavelmente, outro símbolo surgiria, ou seria criado, para medir o valor das coisas e das trocas entre as pessoas.
Acontece que as pessoas se sentem cansadas de estar sempre a ser medidas por um símbolo sobre o qual não têm controlo. Que um pequeno grupo monopoliza e manipula para manter toda a gente miserável e na expectativa da felicidade.
O que está mal na política e nos seus representantes é o constante adiar da vida para um futuro que poderá ser melhor se todas as irracionais exigências monetárias forem cumpridas, quando a felicidade está em viver hoje de acordo com o que todos temos e que o dinheiro nunca poderá comprar: a vida e a muito mais terrena capacidade para a gozar agora, com tudo o que ela nos oferece.
Muitos são os candidatos que se apregoam da mudança e contra o actual estado da Nação, da Europa e da crise mundial. O certo é que, até agora, todos eles falam na riqueza que é preciso gerar em tempo de crise, perpetuando os medos e as promessas com muitas palavras que até parecem novas e de esperança. Mas nenhum consegue chamar os bois pelos nomes e propor uma verdadeira mudança.
A única que até agora apresentou uma alternativa concreta é a candidatura de Isabel Magalhães e do movimento por ela criado, o Ser Cascais. Com frequência, refere o Ser em vez do Ter, verbalizando com muita simplicidade o que todos queremos: ser considerados para lá do símbolo do dinheiro e dos seus jogos, recuperados no valor que todos carregamos, sem excepções.
Uma única voz diz o que é necessário para mudar de facto e arranjarmos um novo e satisfatório símbolo para os nossos desejos e para a nossa felicidade. E isso só se consegue ouvindo com atenção Isabel Magalhães e a sua simples proposta: sejamos!
O movimento Ser Cascais não tem dinheiro e não propõe esse símbolo como meta para atingir a felicidade dos cidadãos. Propõe o acesso directo a ela e ao sucesso, independentemente do estado da Nação e da sua adesão negativa a um símbolo que já todos identificam como um negro carrasco sobre as cabeças das pessoas em todo o mundo.
Seria de esperar que uma proposta tão assertiva fosse, no mínimo, replicada pelos outros intérpretes da política. Para o que seria preciso que entendessem a sua própria escravidão ao símbolo e ao significado que lhe atribuem. Mas isso não acontece, porque são pessoas que não se levantam todos os dias com gratidão por estarem vivas e com entusiasmo por cada momento em que são, em que existem. São pessoas que sentem o jugo e a pressão, não tendo muito mais consciência do embuste em que incorrem do que os demais cidadãos.
No caso de Isabel Magalhães, o Ser em vez do Ter, e da sujeição implícita, basta para justificar a enorme fé que tem na vida e nas capacidades de cada indivíduo. O seu trabalho não é político no sentido convencional e degradado do termo. É o de apontar um caminho e exibir os seus bons resultados pessoais como exemplo de que uma atitude diferente compensa e recompensa.
É uma mudança de consciência que já está à nossa frente. Não chega avisar os políticos que as pessoas já estão conscientes dos seus jogos e dos seus logros. Impõe-se mudarmos a nossa atitude e gozar os frutos dessa mudança, de Ser em vez de Ter. 
A diferença está em ser de imediato como se deseja ou procurar ter qualquer coisa que só pode ser um fraco símbolo ou substituto do que realmente queremos.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

sede

Under the light (oil on canvas) - Marita Moreno Ferreira
Debaixo de água e a sentir sede. No sítio e no momento certo e não perceber. Mas sempre a sentir sede de tudo, de mais, de vida até não ser suportável.
Há um torpor nesta nossa vida que não se entende, que quase não se vence. Há uma ideia de querer viver que nos impede de fazer isso mesmo. Uma vida que se tem e que se vive, mas que parece sempre, sempre que podia ser diferente.
E pode, se abandonarmos o pensamento para nos rendermos ao que nos está a acontecer. À sede que nos arrasta e nos consome, apesar da resistência. Temos medo do rio, da corrente, da força das ondas, da vertigem, da queda livre, de um clímax, quando tudo o queremos é justamente isso.

domingo, 31 de março de 2013

energia

Ilustração MMFerreira
Gosto de chegar a cara às plantas, às flores, à relva e sentir aquele formigueirinho quase imperceptível, a energia que anda à roda das coisas. Gosto de a sentir no vento que também traz outras energias e nos agita de novo para a vida. Antes preocupava-me a falta de energia e o cansaço, até perceber que nunca falha à nossa volta, que é inesgotável e que basta saber por onde anda para recarregar baterias. Amanhã, segunda-feira, vai haver mais, vai haver tudo de novo, energia, alegria e vida, muita vida.