quarta-feira, 27 de julho de 2011

os outros artistas

"Playroom", by Marita Ferreira
Os artistas que morrem na miséria são um lugar-comum. Quando isso não acontece, é esperado que se suicidem, abusem de drogas e álcool, vivam vidas de deboche e sejam incapazes de gerir as suas carreiras. De lado fica o outro lugar-comum: o da marginalização das suas capacidades por quem acredita piamente no primeiro.
Pôr em prática alguma forma de arte implica, basicamente, ficar nas mãos dos predadores que usam os lugares-comuns acima descritos para menorizar e explorar as pessoas que se dedicam a qualquer forma de arte. Galeristas, agentes, produtores, editores e outros pseudo colarinhos-brancos da área intelectual não têm pejo em usar o trabalho alheio em proveito próprio, sem prestar a devida compensação a quem o produz.
Muito se brama contra os empresários de todos os segmentos produtivos, mas estes tubarões de capa intelectual, que se choram e alardeiam a sua indignação contra os muitos atentados ao trabalho artístico, cobram percentagens inconcebíveis, fogem ao pagamento de direitos, exploram sem piedade o trabalho dos outros e desculpam com gastos astronómicos o incumprimento de condições contratadas.
Acima da lei, estes verdadeiros boémios da vida artística promovem os estilos de vida que aos artistas se atribuem, sustentados com os rendimentos do trabalho alheio, contribuindo para a sua fama, mas não para o seu proveito.
Ser artista é, assim, uma forma de ser confundido com o desregramento de quem não o é. Trabalhar honestamente para resultados que não sejam simplesmente diletantes e pretensiosos, exige disciplina, afinco e entrega total. Pouco tempo fica para festas e orgias. No entanto, quando elas acontecem, ninguém menciona agentes e empresários, mas os soantes nomes ligados a artes várias.
Entretanto temos fenómenos como editoras de grande prestígio que publicam todos os grandes poetas de língua portuguesa e nunca lhes pagam um cêntimo de direitos a pretexto de que a poesia não se vende. Fica o enigma de como pagam esses editores as suas contas. Os livros são, aliás, um mistério insondável de desgraças que sustenta, no entanto, um segmento de mercado florescente para os grandes grupos e empresas.
O mesmo se aplica às outras artes, em que não são os artistas a colher os melhores frutos do seu trabalho, pelo menos nunca antes de fazer prosperar dezenas de outros indivíduos. A lei acoberta, no entanto, as máquinas de fazer dinheiro nas áreas artísticas, consentindo na exploração do talento. Assim como o desampara sempre que uma empresa de edição ou produção encerra as suas portas, dando primazia a todos os fornecedores e esquecendo os que em primeiro lugar contribuiram para a criação de dezenas de postos de trabalho durante anos a fio.
A justiça é um conceito mental elaborado, que não afecta a maioria das pessoas, mas como agora está na moda combater os estigmas, por que não denunciar este? Artistas não são desgraçados incapazes e ao nível dos sem-abrigo. São geradores de riqueza tratados como escravos e abandonados à sua sorte e má fama sempre que necessário. A seu favor não têm sequer a segurança de fontes de rendimento fixas, mesmo que diminutas. Regulam-se os direitos de autor e há percentagens acordadas para o seu valor, mas nunca ningém acorda sobre as outras percentagens geradas pela dos artistas e autores.
Há que concordar que, viver assim, da fama e do trabalho dos outros, é que é coisa de artista.

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