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sexta-feira, 22 de maio de 2020

arte, para que te quero?

"leaves" by MMF

Diz Jeremy Irons, na pele de Alfred Stieglitz (num filme biográfico sobre Georgia O'Keeffe) que o artista só se torna famoso quando um rico compra a sua obra. Até lá, por melhor que seja, é ignorado por todos.
Nestes tempos excepcionais os artistas aproveitaram para lançar um alerta sobre as condições em que desenvolvem o seu mister, pedindo que não os esqueçam e que também são vítimas das circunstâncias que paralisaram a economia mundial. Mas, na verdade, não é um vírus que paralisa os artistas e a suas actividades. 
Se é uma das pessoas que agora partilha os apelos para o reconhecimento da arte e da cultura, é provável que também faça parte das pessoas que acreditam que ser artista é uma condenação à pobreza e à precariedade.
A não ser que o artista seja uma personalidade pública. E aí caiba na categoria das pessoas que passam, com toda a facilidade, de bestiais a bestas. Só porque a admiração tem a capacidade de se transformar muito rapidamente em ódio e ressentimento, quando os seus alvos não correspondem à idealização que fazem deles. 
A maioria das pessoas não gosta de ser contrariada nos seus desejos, nem admite outra originalidade de comportamentos que não seja a sua.
Porque os artistas são como as mulheres que se atrevem a mostrar a sua beleza de uma forma mais livre: estão a pedi-las.
A maioria das pessoas gosta de ouvir música, de ver filmes, de partilhar imagens, textos e ideias nas redes sociais para mostrar que são pessoas interessantes. Acontece que, interessantes a sério são os artistas que criam essas peças.
Interessante é também o raciocínio que leva as pessoas a atacar os abusadores que ficam com a parte de leão da riqueza do mundo, mas não se importam de usar e abusar das criações dos artistas sem outra consequência emocional que a da pena e da solidariedade virtual.
O abuso que aprenderam a aceitar como normal, e que não se importam de praticar com os artistas é, no fundo, uma forma de discriminação. Como a que afecta as pessoas pelas suas orientações sexuais, religiosas, idade ou etnia. 
Só que neste caso não suscita nenhuma emoção violenta, agressividade ou medo. Pelo contrário. As manifestações artísticas suscitam empatia, prazer, satisfação. Só não geram respeito ou reconhecimento de um valor material.
Nenhum ministério ou ministro da cultura logrou esse reconhecimento e a sua respectiva solução. Nenhum ministério ou ministro da educação jamais considerou sequer a preparação de matérias que corrigissem essa discriminação.
A natureza especial da arte e dos artistas é uma espécie de bem intangível só reconhecível depois da morte (e portanto, pelo reconhecimento da falta que faz). Até lá é como se não existisse para os artistas. Mesmo quem é capaz de gerar dividendos com a criação artística vê o resultado e o reconhecimento do seu trabalho.
O artista não. A sua condição é sinónimo de uma exploração que deixou de se tolerar em relação à escravatura e aos menos bafejados socialmente. Mas o estigma está aí e não há quem o desafie. Batem-se palmas, mas acabado o espectáculo vai tudo às suas vidas. E às partilhas de música, filmes, imagens que preenchem a vida de todos. Menos a dos artistas.

terça-feira, 10 de julho de 2018

discriminação silenciosa

"rare blue"
A discriminação silenciosa é uma prática insidiosa. Assente no débil pressuposto de que a existência falha na abundância de recursos para todos, é a arma dos inseguros e desconfiados da eficácia da providência.
A sua vertente mais violenta actua sem recurso aos preconceitos mais publicitados, como o género, a raça ou as crenças políticas e religiosas. Abate-se impunemente sobre as ideias e a capacidade de sonhar, de acreditar, de imaginar um mundo melhor.
Não é por acaso que a originalidade e a criação artística são vulgarmente descartados como alheamento da realidade e incapacidade de funcionar dentro das normas estabelecidas. O que o outro tem e parece escasso nos demais origina medo, defesa, discriminação e ataque.
A falha deste raciocínio é tão mais gritante quanto a génese do pensamento artístico e criativo tem como propósito imediato o contributo positivo universal. É a partir da sua proposta que se desenvolvem automaticamente processos mentais enriquecedores e de expansão para os demais.
No entanto, artistas e intelectuais continuam a ser encarados como párias incapazes de encontrar o seu caminho natural no esquema estabelecido da vida.
Impulsionam novas formas de encarar desafios e inspiram novos paradigmas e pragmatismos. Mas a escravidão das aparências e a obsessão do controlo remetem-nos para a última fila do reconhecimento social.
Na verdade, são eles os messias ignorados do progresso de todas as coisas, cujas dádivas trabalham pacientemente nos bastidores da consciência colectiva até que esta permita que manifestem o seu potencial.
A discriminação é apenas o pântano bafiento que se recusa a reconhecer as suas flores de lótus. Mas esse estado de avareza lamacenta não impede o seu florescimento e a sua beleza. 
Os discriminadores apenas insistem em aumentar irracionalmente o tempo do reconhecimento da funcionalidade e do pragmatismo dos artistas e livres pensadores. E ocupam esse imenso intervalo a criar regras e instituições que diluem a força das ameaças que acreditam existir entre eles e esses sonhadores fúteis.
Mas se são realmente fúteis, que necessidade há de os emparedar em regras e convenções labirínticas?

sábado, 26 de maio de 2018

o sentido dos santos de casa


Escrever e desenhar ajudam a pensar. Até a memorizar. A organizar o que aleatoriamente acode à mente e a encontrar um foco para fixar raciocínios. Os padrões surgem, em palavras, cores ou formas, ordenam-se, ou não, mas nunca passam sem efeito.
É uma maneira de dar sentido e alargar o pensamento. E de o expressar livremente, criando e manifestando, escolhendo caminhos que fazem sentido. 
São actividades muito pouco frívolas, que nada têm que ver com o pendor ligeiro atribuído à expressão ser artista, utilizada para classificar quase sempre de forma descartável quem se considera fora da realidade e diferente dos demais.
Essa maneira de rotular o artista não pode, na realidade, estar mais longe da verdade e do valor intrínseco do poder da criatividade, do método que ela exige e da perseverança necessária a quem aposta em novas formas de encarar a experiência.
Denota, pelo contrário, a falta de reflexão de quem assim se pronuncia sobre forças vitais que movem qualquer indivíduo. Assim disposto a expandir o seu universo mental e de vivências, pratica em prol de todos descobertas que enriquecem e libertam.
Numa sociedade sempre tão ávida de consumo de novidades, estranha-se essa menorização do artista, sobretudo quando se conhece a sua reconhecida avidez por heróis e deuses. 
O artista é um santo de casa que faz milagres, mesmo quando a cegueira dos outros o desfoca em algumas realidades mais comezinhas. Afortunadamente, o poder de emparedar os outros é uma prática com grandes limitações, já que o seu propósito é, por definição, criá-las.
Ao artista cabe a tarefa de fazer orelhas moucas às vozes de burro que jamais chegam ao céu.

sexta-feira, 27 de março de 2015

Artemisia Gentileschi: uma história de grande actualidade



Num meio dominado por homens, a pintora Artemisia Gentileschi teve de provar a sua inocência como vítima de violação por parte de um pintor contratado pelo pai para lhe dar aulas. Uma história de grande actualidade, visto que apenas uma ínfima percentagem de mulheres consegue, nos dias de hoje, ver os seus direitos plenamente reconhecidos. E em que o feminismo é um termo ainda vergonhoso para qualquer dos géneros, especialmente para o feminino. A obra de Artemisia Gentileschi deixa antever toda a revolta que deve ter sentido e os seus fantásticos dotes artísticos.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

o valor da arte

Toda a gente sabe que os artistas não têm onde cair mortos. Que o melhor é arranjarem trabalho, porque o que fazem não é classificado como tal. Só depois de mortos adquirem valor e são outros que arrecadam o fruto do seu trabalho.
Mesmo assim, o valor da arte transcende o material e supera-o em tudo. O material é do pó e ao pó volta. A arte, pelo contrário, é um labor do pensamento que, como o espírito e por lhe pertencer, tem a imortalidade como atributo máximo.
A capacidade de expor novos conceitos e transportar quem a observa faz da arte um caminho para a metade do pensamento que pertence ao amor, à verdadeira criatividade e ao que tudo transcende. Essas qualidade conferem à arte um valor incalculável, demasiado alto para causar o desconforto e a insegurança que fazem com que políticos e financeiros a remetam para o canto das actividades que nem merecem ser valorizadas.
Apesar disso, todos os materialistas se vão, como pó e a arte permanece, sempre com o inegável valor que tem, de pensamento livre e capaz de mudar outros pensamentos. E uma qualidade assim não se pode modificar, nem desaparece porque muitos se esforçam por a votar ao esquecimento. Ela existe e sempre existirá, a despeito de tudo e de todos.
Quem acha que a arte não é um trabalho falha estrondosamente no cálculo do valor da vida e está cego para a riqueza que ela comporta. Que não se mede nem pelos milhões que possa render depois da morte dos seus autores.

domingo, 5 de agosto de 2012

para onde foi a cultura?

Imagem daqui
As páginas de cultura desapareceram dos jornais (depois afligem-se que eles acabem...). Aqui há uns anos, e não foram muitos, todos tinham páginas de cultura, que distinguiam entre as várias disciplinas, artes plásticas, literatura ou livros, cinema, teatro, televisão. Agora, nem online se descobrem notícias. Até o Expresso, que tanto se acha e em tempos se exibia no café para demonstrar o alto estatuto intelectual de quem o lia, carregou no Delete dessa desinteressante rubrica. As suas sugestões culturais resumem-se aos filmes, norte-ameriacanos, claro, porque já ninguém vai ao Nimas nem ao Quarteto, onde as fitas não passam em volumes de som que têm de se sobrepor ao barulho de trincadelas de pipocas e sorveduras de gasosas.
O Correio da Manhã, sempre considerado um subproduto da imprensa, é dos poucos que ainda mantém a palavra Cultura nos seus separadores, como parte do Lazer. O Público também, mas é escusado tentar divulgar o esforço de escritores, artistas plásticos e outros trabalhadores culturais, porque o enfoque é geralmente dado aos subsídios, aos famosos depois de mortos, às fundações e às guerras dos gangues organizados que se apoderaram dos postos 'culturais' ainda existentes e com direito a algum dinheiro. Não tentem encontrar aí sugestões e opiniões sobre livros, exposições, peças ou iniciativas meritórias. O artista tem de aparecer na televisão para merecer honras de artigo ou entrevista. Mesmo assim, o mais provável é que a escrita seja sobre a sua vida pessoal e não sobre o seu trabalho, que provavelmente ninguém conhece. O Diário de Notícias tem uma secção de Artes onde também é impossível divulgar seja o que for, além de óbitos célebres e onde os fait divers fazem as vezes de noticiário cultural. 
Quanto às revistas e jornais gratuitos e aos seus digests de títulos com mais de duas linhas, é melhor nem falar. Há uns anos chamavam-se Breves e Foto-legendas às notícias que hoje enchem papel com grande prejuízo para o meio-ambiente e saúde mental de quem tem a pretensão de que lê.
Queixam-se de que a imprensa está a desaparecer? Mas que fez a imprensa nas últimas duas décadas para criar e conquistar leitores? Nada. Só colhe quem semeia. Quiseram transformar a imprensa num produto altamente rentável subtraindo-lhe todas as características que a tornavam única e enchendo as redacções de estagiários não remunerados. Boa sorte.

terça-feira, 22 de maio de 2012

os xamãs de hoje

Artwork by MMFerreira
 Na secura do materialismo dos dias de hoje, os artistas são os únicos xamãs aceites e autorizados pela sociedade. Repositórios de conhecimentos esquecidos e ligações misteriosas com mundos paralelos de imensa riqueza, materializam-nos em manifestações artísticas que nos devolvem visões surpreendentemente belas, equilibradas e arrebatantes da realidade.
Em oposição a quem considera a arte fútil e inútil, quando vejo as multidões que acorrem a concertos, espectáculos e outras realizações criadas por gente capaz de ver e viver além da parca economia de sobrevivência, regozijo-me sempre com a eterna capacidade para sonhar e reinventar a realidade de que são capazes os artistas.
Toda a gente sabe que a arte não dá de comer porque o ouve repetidamente ao longo de toda a vida. No entanto, poucos são os que resistem ao arrebatamento de uma canção, de uma representação, de uma pintura, de palavras ditas e escritas.
É magia, sim, essa forma de comunicar com o que dentro de nós explode quando se encanta com uma peça artística. É magia essa coisa de pegar em sentimentos, objectos inertes, irracionalidades e transformá-los em coisas que fazem sentido, sendo embora intraduzíveis mesmo quando é nas palavras que desenrolam a beleza pela qual todos suspiram.
É magia essa capacidade de apelar com tanta autoridade ao que dentro de cada ser humano grita por algo mais.
O artista é o xamã que, com olho mágico, escrutina a alma e arranca dela ansiedades incontroláveis, desejos profundos, novas visões. Momentaneamente despojado das amarras materiais, mergulha no inconsciente colectivo como um caçador de pérolas para trazer à superfície minúsculas porções de riqueza.
Pode passar uma vida inteira sem o reconhecimento material do seu trabalho ou dos seus pares, mas dedica teimosamente toda a sua energia ao que é a sua função nesta vida. O seu trabalho aparentemente irracional e louco completa lacunas e é em geral tolerado. De vez em quando, censurado, porque também há quem nele intua a capacidade de uma arma. Não das que tiram vidas, mas das que a renovam e revolucionam.
Sem o peso do controlo humano que onera crenças e religiões, o xamã-artista circula quase livremente entre nós, contribuindo decisivamente para a contínua transformação de ideias e conceitos. É um visionário cujo rótulo de inutilidade é, de facto, o seu melhor escudo contra o controlo do estabelecido.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

os outros artistas

"Playroom", by Marita Ferreira
Os artistas que morrem na miséria são um lugar-comum. Quando isso não acontece, é esperado que se suicidem, abusem de drogas e álcool, vivam vidas de deboche e sejam incapazes de gerir as suas carreiras. De lado fica o outro lugar-comum: o da marginalização das suas capacidades por quem acredita piamente no primeiro.
Pôr em prática alguma forma de arte implica, basicamente, ficar nas mãos dos predadores que usam os lugares-comuns acima descritos para menorizar e explorar as pessoas que se dedicam a qualquer forma de arte. Galeristas, agentes, produtores, editores e outros pseudo colarinhos-brancos da área intelectual não têm pejo em usar o trabalho alheio em proveito próprio, sem prestar a devida compensação a quem o produz.
Muito se brama contra os empresários de todos os segmentos produtivos, mas estes tubarões de capa intelectual, que se choram e alardeiam a sua indignação contra os muitos atentados ao trabalho artístico, cobram percentagens inconcebíveis, fogem ao pagamento de direitos, exploram sem piedade o trabalho dos outros e desculpam com gastos astronómicos o incumprimento de condições contratadas.
Acima da lei, estes verdadeiros boémios da vida artística promovem os estilos de vida que aos artistas se atribuem, sustentados com os rendimentos do trabalho alheio, contribuindo para a sua fama, mas não para o seu proveito.
Ser artista é, assim, uma forma de ser confundido com o desregramento de quem não o é. Trabalhar honestamente para resultados que não sejam simplesmente diletantes e pretensiosos, exige disciplina, afinco e entrega total. Pouco tempo fica para festas e orgias. No entanto, quando elas acontecem, ninguém menciona agentes e empresários, mas os soantes nomes ligados a artes várias.
Entretanto temos fenómenos como editoras de grande prestígio que publicam todos os grandes poetas de língua portuguesa e nunca lhes pagam um cêntimo de direitos a pretexto de que a poesia não se vende. Fica o enigma de como pagam esses editores as suas contas. Os livros são, aliás, um mistério insondável de desgraças que sustenta, no entanto, um segmento de mercado florescente para os grandes grupos e empresas.
O mesmo se aplica às outras artes, em que não são os artistas a colher os melhores frutos do seu trabalho, pelo menos nunca antes de fazer prosperar dezenas de outros indivíduos. A lei acoberta, no entanto, as máquinas de fazer dinheiro nas áreas artísticas, consentindo na exploração do talento. Assim como o desampara sempre que uma empresa de edição ou produção encerra as suas portas, dando primazia a todos os fornecedores e esquecendo os que em primeiro lugar contribuiram para a criação de dezenas de postos de trabalho durante anos a fio.
A justiça é um conceito mental elaborado, que não afecta a maioria das pessoas, mas como agora está na moda combater os estigmas, por que não denunciar este? Artistas não são desgraçados incapazes e ao nível dos sem-abrigo. São geradores de riqueza tratados como escravos e abandonados à sua sorte e má fama sempre que necessário. A seu favor não têm sequer a segurança de fontes de rendimento fixas, mesmo que diminutas. Regulam-se os direitos de autor e há percentagens acordadas para o seu valor, mas nunca ningém acorda sobre as outras percentagens geradas pela dos artistas e autores.
Há que concordar que, viver assim, da fama e do trabalho dos outros, é que é coisa de artista.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Os xamãs de hoje

Na secura do materialismo dos dias de hoje, os artistas são os únicos xamãs aceites e autorizados pela sociedade. Repositórios de conhecimentos esquecidos e ligações misteriosas com mundos paralelos de imensa riqueza, materializam-nos em manifestações artísticas que nos devolvem visões surpreendentemente belas, equilibradas e arrebatantes da realidade.
Em oposição a quem considera a arte fútil e inútil, quando vejo as multidões que acorrem a concertos, espectáculos e outras realizações criadas por gente capaz de ver e viver além da parca economia de sobrevivência, regozijo-me sempre com a eterna capacidade para sonhar e reinventar a realidade de que são capazes os artistas.
Toda a gente sabe que a arte não dá de comer porque o ouve repetidamente ao longo de toda a vida. No entanto, poucos são os que resistem ao arrebatamento de uma canção, de uma representação, de uma pintura, de palavras ditas e escritas.
É magia, sim, essa forma de comunicar com o que dentro de nós explode quando se encanta com uma peça artística. É magia essa coisa de pegar em sentimentos, objectos inertes, irracionalidades e transformá-los em coisas que fazem sentido, sendo embora intraduzíveis mesmo quando é nas palavras que desenrolam a beleza pela qual todos suspiram.
É magia essa capacidade de apelar com tanta autoridade ao que dentro de cada ser humano grita por algo mais.
O artista é o xamã que, com olho mágico, escrutina a alma e arranca dela ansiedades incontroláveis, desejos profundos, novas visões. Momentaneamente despojado das amarras materiais, mergulha no inconsciente colectivo como um caçador de pérolas para trazer à superfície minúsculas porções de riqueza.
Pode passar uma vida inteira sem o reconhecimento material do seu trabalho ou dos seus pares, mas dedica teimosamente toda a sua energia ao que é a sua função nesta vida. O seu trabalho aparentemente irracional e louco completa lacunas e é em geral tolerado. De vez em quando, censurado, porque também há quem nele intua a capacidade de uma arma. Não das que tiram vidas, mas das que a renovam e revolucionam.
Sem o peso do controlo humano que onera crenças e religiões, o xamã-artista circula quase livremente entre nós, contribuindo decisivamente para a contínua transformação de ideias e conceitos. É um visionário cujo rótulo de inutilidade é, de facto, o seu melhor escudo contra o controlo do estabelecido.