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sexta-feira, 24 de julho de 2020

silêncio intermitente


Hoje estou mesmo contente por ser sexta-feira. Esta semana foi exigente. Estou a precisar de um fim-de-semana calmo, contemplativo, silencioso.
(anda por aqui uma daquelas fantásticas máquinas camarárias que limpam ruidosamente os cantos aos passeios) (noutros dias são as máquinas de jardim) (e os autocarros que vão levar as crianças da escola à praia, que não desligam os motores enquanto esperam que as organizem para saírem a passeio) (ontem era uma grua a despejar contentores de recolha de lixo das obras) (para não falar nos berbequins, marteladas e toda a panóplia de ruídos invasivos que o restauro das casas exige) (e os diálogos em voz excessivamente alta entre os empreiteiros e os trabalhadores) (conversas intermináveis ao telemóvel, como se, de facto, o ganho esteja na repetição compulsiva de miudezas)
Agora está em voga o jejum intermitente. O corpo acumula lixo e é preciso depurá-lo. A poluição também é sonora e haveria que a depurar também. Metade das ansiedades ia-se embora com um bom plano de silêncio intermitente.
Parece que não nos fartamos de poluir, de muitas formas diferentes. O ruído é o segmento de poluição mais pesado que existe, porque parece que ninguém dá conta da sua existência.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

xtupida!

Se meto tudo em todo o lado e coloco onde devia pôr, para que serve esse teimoso verbinho com pretensões a insubstituível? Porque no colocar é que está o ganho, visto que pôr não se lhe compara em quantidade e sonoridade silábica.
Já agora, meto sim, para que saibam, visto que pôr dentro de é significado que já não assenta neste outro verbo, de forma alguma, nem sequer para as últimas gerações de professores e outros doutos universitários.
Mais uma vez, para que serve o insignificante pôr? Só se for para sufixar em pôr-ra!, e ganhar em óbvia utilidade vernácula e imediata.
Estranho? Nem pensar, num país em que o negócio da Educação se tornou num chorudo retorno de euros sem exigências de quaisquer mais-valias sociais ou culturais.
O que é preciso é meter o comer na mesa e não queimar a vista com coisas que não pagam a renda a ninguém. E, pelo caminho, controlar a rotunda e fazer orelhas mouchas a esses que acham que sabem tudo. Ou não é verdade que o comer se cozinha todo em cru, como toda a gente sabe, e que os legumes da sopa se torturam?
Além disso, também digo a ela que ouvistes muito bem e que vais de carrinho se vens práki engrupir-me com o acordo outrográfico. Táxe?
Portanto, pôr, pôr, isso é que nem pensar.

sábado, 6 de junho de 2009

um coração cheio de reais



As editoras portuguesas estão amuadas com as suas congéneres brasileiras que andam a comprar os direitos de obras em língua portuguesa para todo o mundo e assim as impedem de editar autores em Portugal, deixando os leitores interessados entregues às edições em português do Brasil. (Ver aqui)
A culpa, dizem, é do acordo ortográfico. Que julgavam? Que os brasileiros se deram ao trabalho de dinamizar a aprovação do dito porque gostam do sotaque? Os corações verdes e amarelos pensaram foi nos reais. E o resto é ingenuidade e amuo que só nos faz perder mais tempo.
Durante mais de trinta anos não houve a mínima preocupação em pensar numa estratégia que permitisse investir também no mercado dos PALOP. Não houve capacidade para pôr aos cinco livros de cada vez à venda nas principais cidades dos territórios que já foram portugueses. Mas os armazéns das editoras estão cheios de sobras de muitas edições, cujo caminho provável é a venda ao quilo, para a reciclagem.
Em vez de comprarem os direitos para a língua portuguesa no mundo, bastavam-lhes os direitos para aqui, a pensar nas dificuldades que haveria em entrar no mercado brasileiro e ignorando as ex-colónias portuguesas, mesmo após as boas intenções criadas com a CPLP.
A poupança tem as suas desvantagens, assim como a preguiça de pensar um pouco além do nosso quintal.
Não muda nada, é claro, porque o que fazem os editores brasileiros podem fazer os portugueses. Podem alegar que o mercado é muito maior, que já há muitos editores com sotaque, etc. Mas também há dificuldades económicas muito maiores do que cá e, no entanto, multiplicam-se em iniciativas e ganham terreno onde por cá nem se tenta.
Os brasileiros pensaram no mercado de Moçambique e de Angola? Também os espanhóis, os franceses, os chineses e todos quantos possam chegar lá. Vamos entrar no jogo ou vamos ficar a chorar no canto, amuados como meninos mimados e habituados a chantagens emocionais?

sábado, 31 de janeiro de 2009

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

meia chávena de café com leite

Não sei quem é que inventou essa tolice redutora da proactividade, que só serve para manter dependências obscuras nas relações laborais. Provavelmente, algum tiranete saído da nova vaga de neo-escravos da produção em massa com aspirações a mago das boas práticas executivas.
Mais desconfio que devem pôr aditivos no café e no chá, para manterem os colectivos neurónios numa espécie de sintonia ansiosa: agradar-agradar, mostrar-provar, pro-actuar, pro-mostrar, agradar-agradar.
Fico-me, pessoalmente, por uma meia chávena de café com leite de manhã, em silêncio. O resto do dia é para me sentir bem, para de vez em quando para ouvir o vento e assistir à distância aos frenesins dos outros.
Será que têm consciência da figura que fazem na correria por vidas que nunca quiseram?

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

entre extremistas

Um novo ataque terrorista em Bombaim faz as parangonas dos meios de comunicação social em todo o mundo. Entre a crise provocada pela ditadura da economia e estes actos igualmente extremistas, há gente anónima que tenta manter as suas vidas a um ritmo normal, nesta guerra de poderes que cilindra inocentes.
Não há, contudo, nada de inocente no massacre aparentemente aleatório entre estes dois extremismos: o da voraz economia orientada para a exploração intensiva de todos os recursos humanos e materiais, e o da alucinada resposta de terroristas, nacionalistas ou lá o que valha.
Afectam-se vidas e felicidades em nome de ideais que não são, felizmente, os da maioria das pessoas. A vida continua longe da luta de poder e cabe-nos a nós, gente anónima, prosseguir as nossas vidas longe dos conflitos megalómanos criados por quem, com toda a certeza, não tem tempo a perder com as pequenas alegrias e conquistas de uma vida normal.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

qual crise qual nada

Ai a crise, ai a guerra...
Que seria da economia sem uma guerra?
Dos transportes ao fardamento, manutenção, alimentação, alojamento, armamento, IT e engenharia, uma guerra é um maná para os negócios.
E depois da guerra, a reconstrução continua a ser uma boa oportunidade de negócios.
Quando a economia está boa, não são precisas guerras.
Não sei para que é tanto alarido quando tudo se planeia tão cuidadosamente em torno das melhoras ocasiões para fazer dinheiro.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Os xamãs de hoje

Na secura do materialismo dos dias de hoje, os artistas são os únicos xamãs aceites e autorizados pela sociedade. Repositórios de conhecimentos esquecidos e ligações misteriosas com mundos paralelos de imensa riqueza, materializam-nos em manifestações artísticas que nos devolvem visões surpreendentemente belas, equilibradas e arrebatantes da realidade.
Em oposição a quem considera a arte fútil e inútil, quando vejo as multidões que acorrem a concertos, espectáculos e outras realizações criadas por gente capaz de ver e viver além da parca economia de sobrevivência, regozijo-me sempre com a eterna capacidade para sonhar e reinventar a realidade de que são capazes os artistas.
Toda a gente sabe que a arte não dá de comer porque o ouve repetidamente ao longo de toda a vida. No entanto, poucos são os que resistem ao arrebatamento de uma canção, de uma representação, de uma pintura, de palavras ditas e escritas.
É magia, sim, essa forma de comunicar com o que dentro de nós explode quando se encanta com uma peça artística. É magia essa coisa de pegar em sentimentos, objectos inertes, irracionalidades e transformá-los em coisas que fazem sentido, sendo embora intraduzíveis mesmo quando é nas palavras que desenrolam a beleza pela qual todos suspiram.
É magia essa capacidade de apelar com tanta autoridade ao que dentro de cada ser humano grita por algo mais.
O artista é o xamã que, com olho mágico, escrutina a alma e arranca dela ansiedades incontroláveis, desejos profundos, novas visões. Momentaneamente despojado das amarras materiais, mergulha no inconsciente colectivo como um caçador de pérolas para trazer à superfície minúsculas porções de riqueza.
Pode passar uma vida inteira sem o reconhecimento material do seu trabalho ou dos seus pares, mas dedica teimosamente toda a sua energia ao que é a sua função nesta vida. O seu trabalho aparentemente irracional e louco completa lacunas e é em geral tolerado. De vez em quando, censurado, porque também há quem nele intua a capacidade de uma arma. Não das que tiram vidas, mas das que a renovam e revolucionam.
Sem o peso do controlo humano que onera crenças e religiões, o xamã-artista circula quase livremente entre nós, contribuindo decisivamente para a contínua transformação de ideias e conceitos. É um visionário cujo rótulo de inutilidade é, de facto, o seu melhor escudo contra o controlo do estabelecido.