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sexta-feira, 26 de setembro de 2025

uma centena de anos e de histórias


 Se ainda estivesse entre nós, o meu pai faria hoje cem anos. Um século parece muita coisa mas apesar do tanto que acontece nesse espaço de tempo, não é nada. Passa num instante e somos sempre surpreendidos pela efemeridade de todas as coisas.
Hoje, apesar de tudo o que nos deixou, a mim e às minhas irmãs, continua a somar histórias nas nossas lembranças. Quando falamos nele e recontamos alguma coisa passada com ele, ou reutilizamos a sua experiência no dia-a-dia para encararmos e resolvermos os pequenos e grandes desafios da vida. Nessas alturas ligamos as nossas histórias às dele e acrescentamos-lhes alguns pontos, como se faz quando contamos um conto. As novas versões são sempre enriquecidas, como se as experiências dele e as nossas fossem sempre renovadas, recicladas e transformadas. Sem limites senão os da expansão. Nada se perde.
Escolhi esta imagem porque me lembro sempre que uma das suas actividades favoritas era fotografar e as flores eram recorrentemente apanhadas pela sua lente e depois reproduzidas em slides projectados nas tertúlias familiares depois do jantar. A par dos filmes Super 8 da Kodak dos anos sessenta do século XX.
Eram flores a sua oferta favorita para a minha mãe nos seus dias especiais. Nos outros ela também cultivava o gsto por as plantar e cuidar enquanto cresciam.
O azul do fundo da imagem é uma homengem ao F. C. do Porto, que seguia discretamente pela televisão, por que na família havia, pelo menos, mais dois clubes venerados. Já as folhas são numerosas e diversificadas como a família e as suas histórias.
E na vida nada mais se passa de maior valor que os contos e pontos e o intrincado mapa de todos que só se complica ou fortalece ao longo dos anos. Portanto, parabéns, parabéns, parabéns, pelos cem anos que nunca foram de solidão e deixaram uma saudade sem medida.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

a vida moral dos autómatos


A vida moral dos autómatos é impecável: não saem da linha, cumprem as regras, todas as questões são a preto e branco, não se questionam, nem questionam ninguém.
Nenhuma resposta é desagradável quando se evitam as perguntas traiçoeiras, que põem em causa as regras estabelecidas, mesmo quando se revelam manifestamente inadequadas ao bem-estar de todos.
Ser um autómato feliz e moralmente resolvido pressupõe ver, ouvir e falar o menos possível. Desviar os olhos quando se observa um erro de programação capaz de arruinar décadas de felicidade contida em meia dúzia de parâmetros jamais verificados ou contestados.
A vida moral dos autómatos é plenamente justificada pelo que outros decidem como uma formatação adequada. Pouco mais é preciso para sustentar a sua felicidade.
Imaginem, no entanto, que determinadas situações, não planeadas ou simplesmente inesperadas, provocam um curto-circuito nestes compostos de regras pré-programadas. O resultado são autómatos a bater mal, desajustados das funções que lhes foram acometidas e, portanto, perfeitamente inúteis.
A sua condição de autómatos jamais lhes permitirá a liberdade de sacudir as regras e assumir uma nova programação. Ditaram-lhes a vida dessa forma, limitada, com um punhado de funções apenas, excluindo outras razões e alternativas.
Resta-lhes a reciclagem, a redução final às suas partes aproveitáveis. Sem consideração pelo resto que eventualmente poderão ser, pois o seu contrato prévio de funcionalidade neste mundo só contempla a utilidade para outros. Jamais a sua.
É tramado ser um autómato moralmente impecável.