quinta-feira, 19 de abril de 2012

desobediência

Art image by Marita M. Ferreira
Há coisas que nunca conseguirão ter a minha simpatia, como o terrorismo, o abuso, o lado negro da vida, a amargura, o desespero, a histeria. Também não posso ter simpatia por ideias como a do ministério do interior espanhol, que equaciona a resistência passiva como crime. Fui educada como muito boa gente, a respeitar a autoridade e a pensar sempre que atrás da ordem está sempre algum benefício. Não vejo, no entanto, nenhum mérito em obedecer, quando me estão a atirar para um poço.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

quem tem medo do lobo mau?

Art image by Marita M. Ferreira
O medo sugerido é uma grande arma. Porque se nos pintam um cenário terrível, imaginamos o pior. Nem sequer o que os nossos inimigos conseguem imaginar como pior para nós, mas aquilo que nós próprios sabemos de que temos medo.
É o que acontece quando o Governo e as muitas troikas exteriores nos dizem que a crise está má e ainda vai piorar. Infelizmente, o Governo é democraticamente eleito por nós, para nos governar, mas apenas governa segundo os interesses dos outros. Os governantes são, por isso, pagos por nós, mas assalariados de corporações internacionais. E com elas nos ameaçam, com o maior dos descaramentos.
Ora, o que aconteceria se não aceitássemos o cenário de terror do Governo? Que aconteceria se deixássemos de pagar a dívida que nos impuseram? O apocalipse?
Não. Nem sequer isso. Claro que ficávamos mal, sem o crédito alheio, mas mal já nós estamos e ainda vamos ficar pior. Mas podemos escolher entre ficar mal, mas sermos donos do nosso destino, ou ficar mal e nunca sermos donos de nada, condenados a ser os fantoches de todas ascorporações internacionais que põem e dispõem da nossa vida e do nosso esforço.
O mundo acaba? Não. O País acaba? Não. As dificuldades acabam? Não. Mas acaba a pressão e aquilo com que tem de se lidar é muito mais humano, muito mais pragmático, muito mais certo.
Alguém alguma vez ouviu dizer que um país desapareceu do mapa por não ser capaz de pagar a dívida externa? Não, pois não? As pessoas desse país morreram todas? Desapareceram no espaço escuro? Não. Então o que lhes acontece? Nada, absolutamente nada. Continuam na bancarrota, mas os chupistas escolhem outros países para extorquir e deixam-nos em paz uns tempos.
Por isso, quem tem medo do lobo mau? O Governo? Então que tremam eles dos pés à cabeça. Os outros podem encolher os ombros e abandonar a brincadeira, porque deixou de ter graça.

segunda-feira, 19 de março de 2012

filhas e pais

Inhaminga, 1966
Hoje é dia do pai e também o aniversário de uma das minhas irmãs, Ana Margarida, a segunda a contar da esquerda, na fotografia. Foi a única que nasceu em casa, em Vilanculos (Moçambique), com a ajuda do meu pai como parteiro. Há cinquenta e um anos, quando toda a gente se juntava para ir para a praia, a minha mãe ficou para trás e, com ela, o médico e o meu pai, para o ajudar. Na altura, o hospital tinha menos condições do que a casa para o parto. O dia do pai tem, por isso, um significado especial cá em casa e é partilhado entre os dois, filha e pai. Ainda hoje, de volta do bolo de aniversário, se recordou a história do parto e outras aventuras de pais e filhos. A autora da fotografia acima é a minha mãe, que se revezava no serviço da máquina quando havia fotografias de família para fazer.

quinta-feira, 8 de março de 2012

tranquilidade

Deve ser desta luz estupenda, deste excesso de estímulo. Os portugueses, mais ou menos como os outros povos latinos, não têm o hábito da tranquilidade. Estão sempre em modo irrequieto e inquieto, com as vidas cheias de tragédias e imprevistos, sem o hábito do controlo e sem lhe reconhecer as qualidades.
A verdade é que, não perder a cabeça ou não deixar que os acontecimentos se apropriem de nós, condicionando-os à nossa vontade e não à contrária, nos concede pulso e domínio, controlo e menos enredos.
Basta o que basta e um pouco de tranquilidade dá-nos, pelo menos, oportunidade de pensar e de avaliar tudo sem estar debaixo de fogo. Não há que confundir paixão com o caos. Pelo contrário, a paixão tem sempre um objectivo, um fim, um objecto. E é nesse sentido que gosto de caminhar, não às cegas por acontecimentos e desenvolvimentos que me são impostos por outros.
Um estado previdente deveria obrigar os seus cidadãos a uma hora de recolhimento tranquilo por dia. E com isso certamente reduziria os seus orçamentos de saúde pública e de organização para níveis mínimos. Ninguém consegue levar uma vida satisfatória sem um momento de tranquilidade ajuizadamente aposto à sua rotina diária.

quarta-feira, 7 de março de 2012

excessos e défices

Por vezes, neste país soalheiro, falta o sol. Faltam também a alegria, a confiança, a necessidade de, quase em silêncio e mansamente, contemplar o que nos passa diante dos olhos. Talvez seja, precisamente, o excesso de luz, a constante exposição a esse estímulo que tanto atrai os nórdicos e nos deixa à beira de um ataque de nervos.
Há alturas em que é preciso distinguir entre a paixão e a agitação, a tranquilidade que se perde com a crença de que a falta de controlo é espontaneidade.
Não há mal algum em não agir permanentemente, não responder cegamente a todos os estímulos e impulsos. A vida pode muito bem ocorrer sem se assemelhar às estridências e sublinhados de uma ópera italiana.
Devia, sobretudo, evitar-se o barulho e a necessidade de transformar uma gota de água num maremoto. Mas para isso é preciso acreditar que nem tudo que se passa na nossa vida e à nossa volta é, necessariamente, um presságio do Apocalipse.
Por mim, ficava-me hoje pelo optimismo que nos imprimem os primeiros raios de sol e, avisadamente, guardar-me-ia do resto como de um excesso de medicação.

domingo, 4 de março de 2012

invictus

Para a mana Bomba e para o seu invictus viking G.:

Out of the night that covers me,
Black as the pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.


In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.


Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds and shall find me unafraid.


It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll,
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul.


("Invictus" - by William Ernest Henley)

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

esperança, coragem e êxito

Não há ninguém mais duro consigo mesmo que um português. De onde vem tamanho espírito crítico, não sei. Mas desconfio que, de tanta mistura de origens, se tornou fácil e natural apontar o dedo ao vizinho.

sábado, 25 de fevereiro de 2012

combinações imprevisíveis

Os pais transmitem aos filhos o que acham correcto. A combinação disso e do que eles já trazem consigo é praticamente imprevisível. O importante é que todos estejam a fazer o melhor, no limite das suas capacidades e das circunstâncias. Mas o desafio também nos faz crescer, apesar dos ocasionais murros no estômago. A Natureza é como um gato à espreita da melhor oportunidade para se lançar sobre nós.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

mais mais abril

Zeca Afonso morreu há vinte e cinco anos. Foi professor no então Liceu Pêro de Anaia, na cidade moçambicana da Beira, e um dos professores a interrogar-me durante o exame de admissão. Tinha eu nove anos e vi-me grega quando, depois de me perguntar por que razão perdera Portugal o Brasil, descartou a minha resposta para me esclarecer: Mamou demais na vaca! Anos depois, à entrada no mesmo liceu, às sete da manhã para mais um dia de aulas, vimo-nos de súbito fechados dentro dos páteos e cercados pela PIDE e pela polícia. Alguém tinha pintado uma cruz suástica na entrada do liceu e continuado a obra pelos corredores, com frases dos Vampiros, de Zeca Afonso, escritos nas paredes. A vaca continua a ser explorada hoje e precisávamos de outro Abril em Portugal, na Grécia, na Europa e em muitos outros lugares. Venham mais cinco!

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

grega e passada

Copyright by rumoresdenuvens 2012
A língua portuguesa tem coisas muito peculiares. Será que a expressão vejo-me grega para já estava a anunciar a actual conjuntura?

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

gente

Copyright by rumoresdenuvens 2012
Lixo, gregos, caloteiros, improdutivos, gastadores, desgovernados. Lê-se e ouve-se de tudo um pouco nas notícias. Parece um concurso de palavrões, a ver quem descobre um adjectivo pior para nomear gente que, na pior das hipóteses, é de facto vítima de um sistema económico que parece um jogo de monopólio de uma mão cheia de inescrupulosos chicos-espertos que arranjaram uma forma de extorquir legalmente dinheiro ao mundo inteiro.
Será de facto legal combinar uma série de normas de funcionamento das transacções de mercado e financeiras com o único propósito de, no final do jogo, ter o controlo absoluto da riqueza ou pobreza de toda a gente? Não haverá um juiz, um país, alguém que denuncie a má fé e a grotesca ganância que tornam a simples existência de milhões de pessoas um inferno?
Não haverá, sobretudo, quem se ache suficientemente livre para falar e dizer o que realmente se passa, em vez de colaborar com a propaganda da crise e contribuir de forma culposa para a persistência deste fenómeno?
Não são os cidadãos de um ou de outro país os culpados desta situação; não foram eles que gastaram e puseram as poupanças no sítio errado; mas os eleitos para por eles zelarem pela sua segurança e bom governo. Esses são, de facto, o lixo apontado pelas agências mercenárias, os caloteiros, improdutivos, gastadores e desgovernados.
Viragem à direita? Mais um ciclo de ditaduras, como reza a História? Só que a História nunca antes esteve ao alcance de um clique de computador ou de uma mensagem de telemóvel. Tal como nunca nenhum autor de ficção científica previu o aparecimento da Internet, acreditam mesmo que esta geração de políticos, que nem os bilhetes de autocarro lê, tem capacidade para prever as consequências da mesma Internet e da comunicação maciça dos dias de hoje nos ciclos da História?

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

o poder de uma relação


Sou um universo dentro de um universo. E se quero dar-me bem nessa relação, tenho de entender as suas regras de funcionamento. Para isso tenho de aprender algumas coisas. O conhecimento científico concentra-se nos pormenores para, um destes dias, chegar ao Grande Esquema de Todas as Coisas. Eu, que não sou cientista, uso modestos modelos à minha escala. Olho, por exemplo, para o João, que é um universo como eu. Quero dar-me bem com ele, por isso fico atenta aos sinais que me envia e tento alinhar a minha actuação por esses sinais. Não posso chegar ao pé do João, que é o universo, e acotovelá-lo, empurrá-lo, suprimir partes de que não gosto. Isso tem consequências que, sem dúvida, serão desagradáveis e incontroláveis para mim. Por isso, chego-me, mansa, e observo, aprendo, não faço nada que não gostasse que fizessem no meu próprio universo. E consigo a tal relação. Creio que é esse o sentido que se atribui às leis universais: procurar uma relação harmoniosa com o universo. É claro que a fé também desempenha aqui um grande papel. O meu mundo/universo só evolui na medida exacta do que eu acredito que ele se pode tornar. Se eu acreditar que o universo é uma coisa caótica e temível, então essa é a opção que faço e vou à procura da confirmação necessária. Num instante, toda a minha energia e atenção se focam nessa opção e o meu universo transforma-se, num instante, na coisa caótica e temível que me dei ao trabalho de imaginar e escolher. No entanto, há mais opções. E entre elas também está a minha possível opção de viver num universo cheio de potencial, harmonioso e feliz. O meu livre arbítrio molda, nesse caso e todos os dias, o meu universo. Tudo se resume à relação que criamos com as coisas e com os outros: uma boa escolha traz sempre bons resultados; o medo e as suas fantasias apocalípticas, traz o equivalente para a nossa vida. É difícil escolher? Nem por isso. Mas as décadas de propaganda de desgraça com que nos bombardeiam produzem frutos e fazem-nos acreditar que nada mais há senão isso. Perceber que sim, que há sempre escolha, pode ser difícil quando passamos a vida com medo que o céu nos caia em cima da cabeça. Mas façamos como o Peter Pan: viremos as costas à Maldade; não a vemos, não a ouvimos, não lhe reconhecemos a existência. O que fica? Tudo isso, mas num palco vazio, sem público, sem um espelho para lhe devolver as maldades.