sexta-feira, 9 de março de 2018

a liberdade do amor



Falemos hoje de amor. Não a baboseira romântica construída a partir dos contos de fadas ou do felizes para sempre. Ou da fragilidade que nos leva a procurar no outro uma metade, em vez de o entender como uma das muitas peças de um puzzle que continuamos a ignorar e a adiar como uma visão mais realista das nossas relações.
O que procuramos nos outros é uma partilha, uma comunhão, a confirmação de que fazemos parte de um todo indissolúvel. O que habitualmente estraga essa partilha de pares ou mesmo de grupos é a falta de consciência de que, na verdade, ninguém é dispensável no conjunto pela simples razão da riqueza que traz para cada um dos outros. No entanto, a ilusão criada pelo marketing dos amores e dos clubismos exploradores dos limites discriminatórios, tudo reduz a um campo minado de desilusões e fasquias impossíveis.
O amor destas linhas pertence a uma outra esfera. A da dimensão do que nos faz sentir bem, que nos enche de felicidade e esperança. É uma forma de estar que todos os dias sofre duros golpes face aos desinteressantes preconceitos associados ao que nos vendem como amor.
Falamos de escolhas que nos afastam do medo, da paralisação de imaginar o pior e não agir sobre o nosso acertado instinto. De perceber que os outros só nos ameaçam porque nos deixamos levar por todas as parvoíces que também nos martelam a cabeça.
Este amor é a coragem de agir, de acreditar que há sempre uma outra forma de ver as coisas e que, experimentando-a, se multiplicam as nossas hipóteses de acertar e colher os frutos de coisas diferentes.
Hoje, a escolha é a do conhecimento, a desse amor-consciência que nos energiza e transforma a nossa condição de bichinhos assustados na versão, muito mais interessante, de criaturas capazes de viver mais livremente o seu verdadeiro potencial.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

aos encontrões na luz

foto MMF
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Nem oito, nem oitenta. Nem toda a gente é completamente má, nem completamente boa. Vivemos de luz e escuridão, mas isso também não quer dizer que se saiba exactamente o que se anda a fazer. Às vezes, na sombra até nos orientamos e a maior parte das vezes, na mais completa luz, parecemos uns carrinhos de choque aos encontrões uns aos outros.
Outras vezes as coisas passam-se à nossa frente e não queremos meter-nos, julgando que assumimos assim uma posição de neutralidade. Nada mais errado. Porque uma decisão é uma acção e, neste caso, deixamo-nos nas mãos das decisões de todos os outros. Isto porque, fazendo parte de um todo em que as decisões determinam os resultados, e são um efeito imparável, a nossa neutralidade determina apenas que são as acções dos outros que vão moldar esse efeito, não as nossas.
A Terra e tudo o que nela existe, incluindo a pretensiosa Humanidade, é um todo em constante movimento e evolução, determinada pelas acções e decisões de tudo e todos. A neutralidade é uma ficção que apenas permite que as tomadas de posição dos outros definam o rumo das nossas vidas.
Na verdade, quando nos recusamos a decidir é como se estivéssemos convencidos que podemos manter-nos no meio do turbilhão da corrente sem sofrer os seus efeitos.
A cada um o seu tipo de masoquismo preferido, pois até isso é perfeitamente natural e defensável, ou não seria o que nos esforçamos tanto por fazer a todo o instante.
E o que é que acontece quando tomamos consciência disso? A maioria dos alemães acreditou piamente que não se manifestando contra as acções dos nazis a sua consciência estava salvaguardada. Isso modificou a qualidade dos resultados que vitimaram milhões de pessoas por todo o lado?
Quando as pessoas afirmam que não se metem em política, quando não vão votar, quando não assistem às sessões públicas dos seus órgãos de poder local, não se informam sobre as deliberações que vão determinar o lixo que têm à porta de casa, os impostos que pagam para não terem onde estacionar sem pagar, onde se tratar em condições dignas ou como deixam de poder ver a beleza natural da terra onde vivem porque alguém decidiu ganhar dinheiro com bolhas imobiliárias. Quando acreditam que nada disso lhes interessa ou contribui para a sua felicidade, os resultados são os que aparecem nos seus sonhos?
Acreditam sinceramente que vão poder respirar com a cabeça enterrada na areia? Acreditam que o facto de sonharem acordados é suficiente para alcançar o paraíso?
Boa sorte. Viver como escolhos arrastados pelas tempestades deve ser, realmente, o Eldorado da Humanidade.

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

curto-circuitos de desentendimento


Falar sem para não é ser comunicativo; pelo contrário, é tentar evitar a comunicação. Andar sempre atrás dos outros a despejar episódios da vida própria e da alheia também não é partilhar ou socializar é massacre levado a cabo por gente que não faz a mínima ideia de como se pode estar com os outros.
Também não é sinceridade despejar tudo o que passa pela cabeça em qualquer circunstância; é apenas falta de senso comum e muito má educação.
Se as pessoas tivessem aproveitado mais a escola, evitariam muito do caos que se desenrola nas suas vidas. Por exemplo, aprendendo um pouco mais de gramática e a entender a estrutura da língua que falam e que é, afinal, um espelho da forma como pensam.
Muitos dos atritos e conflitos actuais são, sobretudo, resultado da fraquíssima compreensão da língua que a maioria esmagadora dos indivíduos tem. Não são capazes de interpretar correctamente o que ouvem ou lêem, não compreendem frases idiomáticas e, além da cultura, falta-lhes imenso vocabulário. Não lendo, além da informação que não têm, também não ganham prática de pensar de forma correcta, nem de estar em contacto com ideias e a forma como se formulam.
O resultado é, numa era de comunicação avassaladora como a que decorre, um constante ruído de mensagens que a maioria esmagadora das pessoas não tem capacidade para decifrar.
Para compensar isso, a resposta mais utilizada é criar mais ruído pessoal, como um eco e como alguns fazem quando, em presença de quem não fala o mesmo idioma, aumentam o volume da emissão de voz à laia de tradutor automático.
Ruído, sobre ruído, sobre ruído. Calem-se. Pelo menos o tempo suficiente para entenderem o imenso valor do silêncio. Para o sentirem e compreenderem a paz e a clareza que traz.
Se possível, comprem uma gramática pequenina e leiam duas páginas por dia. Alguma coisa há-de resultar do exercício que não se deram ao trabalho de fazer na escola.
Ter uma multidão barulhenta sempre agarrada aos novos meios de comunicação, sem capacidades básicas para os utilizar, não faz do conjunto uma sociedade mais informada. O retrato mais honesto é o de um gigantesco armazém de aparelhos em constantes curto-circuitos de desentendimento.