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sexta-feira, 3 de maio de 2019

vozes de burro

"vozes de burro" by MMF

A burrice faz-me engulhos. Não por achar que é uma coisa menor, mas por corresponder a um estado do qual as pessoas levam imenso tempo a sair. É um processo e, na maior parte dos casos, há uma urgência qualquer que nos impacienta e nos impede de ver com maior clareza o obstáculo que enfrenta o protagonista da burrice.
Os burros é que levam as culpas, claro, mas se repararmos bem, a criatura apenas não está pelos ajustes e recusa-se a fazer o que lhe impõem. E isso é de uma grande esperteza. Não participar das necessidades dos outros é uma atitude muito saudável.
Já no caso da natureza humana, invocam-se solidariedades e altruísmos para manipular a vontade individual e inventam-se normas para as tornar legais. Muito nefasto para a saúde pública.
Voltando à burrice, é um estado em que o engano do que parece mais fácil embota a capacidade de raciocínio de quem a pratica. O refúgio na teimosia e nos preconceitos é um sintoma do medo que tolhe a acção. Isso pode levar uma vida a resolver e, honestamente, a nossa vida é pouca para toda a acção que nos propomos. Quanto mais para a limitar à espera da dos outros.
Vozes de burro não chegam ao céu, como se diz. Talvez porque o céu não espere por ninguém ou porque o medo se meta pelo caminho. Vou ver se está lá a minha.

domingo, 18 de novembro de 2018

já não tenho pesadelos

"the wild wild pink flock" by MMF
Já não tenho pesadelos. Agora só se manifestam fora dos sonhos, quando olho à minha volta e os reconheço pelo que são na realidade. Antes desta epifania havia uma zona de ninguém em que os pesadelos se manifestavam e, mesmo acordada, não conseguia situá-los na realidade, ou fora dela, porque a carga de sensações que provocavam era demasiado forte para determinar com clareza a sua origem.
Agora os pesadelos não cabem nos meus sonhos, que se tornaram inspiradores e cheios de pistas a explorar assim que os olhos se abrem. São uma espécie de aditivos que me facilitam as tarefas mais pragmáticas. Estou muito satisfeita com este upgrade mental e com a lucidez que me permite.
Os pesadelos continuam a sua existência, no dia-a-dia, mas já não me inspiram terrores. Pelo contrário, agora que os situo com exactidão, consigo entender de imediato que o que e quem os provoca vive numa dimensão de promiscuidade com o terror, sem qualquer espécie de controlo sobre o que aparentemente não deseja, mas praticando-o na mesma.
As pessoas têm imensa facilidade em sonhar. Mas são como um piloto inexperiente que não sabe tirar partido dos seus voos, nem como evitar os perigos que lhe aparecem pela frente. Acho, que pessoalmente, já acumulei horas de voo suficientes para localizar os pesadelos na sua área de acção e pilotar a minha vida para longe deles no que realmente importa.
Os pesadelos surgem da interacção com as pessoas que não entendem os comandos dos seus potentíssimos aviões e por isso estão sempre a aterrar as nas lixeiras e a arrastar a porcaria para a vida das pessoas com quem se cruzam.
Gostava muito que buscassem as lições que lhes permitissem voar pelos céus e não pelos inferninhos que criam. Para seu bem e para não conspurcarem o voo dos outros. Afinal, que dúvida ainda pode haver entre um voo limpo e aterragens perigosas no meio de lixeiras a céu aberto?
Por mim, fico bem sem pesadelos e até tenho pena de não me lembrar quando é que deixei de os ter, para poder celebrar o dia. Também tenho de corrigir os bugs do programa, porque constato que passou uma data de tempo entre esse acontecimento e a minha tomada de consciência. De futuro espero que a lucidez seja automática e traga de imediato os bónus correspondentes.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

a sede fortalece a busca

fotografia de Maria Isabel Mota
o deserto não se esvazia
e a sede fortalece a busca.

O sentido que não se encontra nas manifestações exteriores a nós tem, afinal, a virtude de nos conduzir a uma outra forma de ver as coisas. Se um caminho se esgota, muitos outros se abrem e há que ter o bom senso de não fechar os olhos às possibilidades que nunca se consideraram. 
O desejo, a sede, é o que nos impulsiona na experiência da vida. E não é a escassez que o orienta, mas sim a fé na inesgotabilidade das nossas opções. Tenhamos com essa fé a lucidez de nos lembrar, todos os dias, de agir sobre essa latente e constante revolução interior, e de colher com alegria as suas flores e os seus frutos. 

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

paz


A paz é um direito. A ser reclamado com insistência. Só em paz somos capazes de recuperar a nossa lucidez e a nossa experiência de uma vida sem o massacre constante de grupos de pressão apoiados pela propaganda a que indevidamente se chama hoje informação. Paz para usufruir de um tecto, de um trabalho, de uma refeição, de experiências mais felizes. Não é tudo, mas é o princípio essencial para se atingir o resto.  

sábado, 27 de agosto de 2016

a lucidez do amor


E se for só isso? A lucidez proporcionada por uma emoção? O segredo de tudo, a porta para a compreensão do que move a vida? Mesmo quando há hormonas a ajudar à festa e a misturar o físico com o emocional? Não se dará o caso de projectarmos fisicamente as nossas necessidades emocionais? Ai que adoravelmente burrinhos somos...