sexta-feira, 28 de julho de 2017

misteriosos triângulos de fruta



É tudo uma questão de laranjas, rosas e maçãs. As primeiras bem podem ser os frutos da árvore do conhecimento, em vez da maçã comida no Paraíso, que afinal simboliza o pecado de se querer conhecer, o que não faz sentido nenhum. Já as rosas, escondiam os pães no regaço da Rainha Santa. Nada é o que parece e há sempre uma outra forma de explorar a realidade. 
Na minha versão, o sumo de laranja, o perfume da rosa e a tarte de maçã, com ou sem gelado de natas, resumem praticamente todos os segredos deste peculiar trio. 
No entanto, se me lembrar que a atmosfera terrestre é como uma camada de película plástica a envolver uma laranja, encaro seriamente a possibilidade de acabar de vez com os fogos de artifício, a desmatização e a criação intensiva de animais, responsáveis todos eles pelo dano provocado na fína película de plástico que envolve a nossa laranja universal.
O milagre das rosas é um dos meus favoritos, visto demonstrar que podemos tranformar qualquer coisa noutra coisa qualquer. O problema é saber se é mesmo o que se quer. 
No campo dos pecados, o melhor é ficarmos por uma simples dentada inocente na maçã e deixarmos de prestar atenção às más línguas desta vida. E não esquecer a canela na tarte.
Aí está o que resume este misterioso triângulo de frutos. 

A laranja doce foi trazida da China para a Europa no século XVI pelos portugueses. É por isso que as laranjas doces são denominadas "portuguesas" em vários países, especialmente nos Balcãs (por exemplo, laranja em grego é portokali e portakal em turco), em romeno é portocala e portogallo com diferentes grafias nos vários dialectos italianos. 

A rosa (do latim rosa) é uma das flores mais populares no mundo. Vem sendo cultivada pelo homem desde a Antiguidade. A primeira rosa cresceu nos jardins asiáticos há 5 000 anos. Na sua forma selvagem, a flor é ainda mais antiga. Celebrada ao longo dos séculos, a rosa, símbolo dos apaixonados, também marcou presença em eventos históricos importantes e decisivos. Fósseis dessas rosas datam de há 35 milhões de anos.

"Maçã" originou-se do termo latim mala matiana, que significa "maçãs de Mácio"O centro da variedade do gênero Malus é no leste do Turquia. A macieira era talvez a mais antiga árvore que tenha sido cultivada, e seus frutos foram melhorados com a seleção ao longo de milhares de anos.

quinta-feira, 27 de julho de 2017

coexistência


Hoje são árvores, vibrantes. agradeço-lhes que permitam o uso dos meus pulmões. "it's coexistence or no existence" (Bertrand Russell)

quarta-feira, 26 de julho de 2017

a estação do veneno


Abriu a época da má criação, dos ataques, do veneno; e dos elogios cegos. Daqui até às eleições, cidadãos que na maioria das situações exibem um comportamento perfeitamente natural, invocam o que de mais primário existe e atacam violentamente qualquer um que não concorde com o seu líder de eleição.
Pior, os líderes fazem exactamente o mesmo, tornando pré-campanhas e campanhas eleitorais numa competição de insultos e mesquinhices que não acabam. Para ajudar à festa, os média competem na arte de transformar afirmações danosas, ou não, em matéria ainda mais baixa e indigna de atenção. 
Todos acreditam terem público para isso. E depois preocupam-se com os resultados da abstenção...
Quem, no seu prefeito juízo se engaja numa batalha tão sem sentido?

Se não se lembram, é bom salientar que as campanhas eleitorais são sobre as pessoas e o seu bem-estar. Sobre a forma de produzir mais e mais organização e justiça, cuidar de todos e dos seus interesses comuns, de amenizar e alegrar a vida como prioridade.
Mais, é sobre a escolha de pessoas que possam fazer isso mesmo, sem olhar para os cargos públicos como uma forma de enriquecimento pessoal e apenas isso.
É para que o território seja um espaço organizado, limpo e agradável para todos. Onde os erros são reconhecidos, estudados e emendados para que ninguém sofra desnecessariamente com as consequências.
São sobre o que torna a vidas das pessoas melhor e não sobre quem deita abaixo o maior número de adversários. Não são uma competição, mas um trabalho de propostas que todos devem examinar e colaborar para pôr em prática.

Será que há um alinhamento específico de astros ou de circunstâncias que tornem, da noite para o dia, pessoas absolutamente normais em abismos de anormalidade, má educação e irracionalidade? Que pesadelos nos assaltam nesta estação do veneno?

segunda-feira, 24 de julho de 2017

sometimes, roses

'sometimes, roses' - pen on paper, by MMF
Só há uma forma de expressar e libertar emoções: pô-las cá fora. A riscá-las no papel ou a deixar que transbordem em tudo o que trazem, bom ou mau. A vida e o tempo se encarregam de lhes encontrar o equilíbrio e significado. Tudo o resto sao macaquices aprendidas à laia de vernizes, filtros, bloqueios. Mas sabe bem dar-lhes livre curso e não nos amedrontarmos com elas. Todas as rosas têm os seus espinhos. E perfumes delicados. Rosemos... 

sábado, 15 de julho de 2017

estranhos caminhos

'strange ways' by MMF
Estranhos caminhos são os que estão por experimentar. Não são erros, mas realidades que escolhemos explorar ou deixar para trás. São conceitos criados por nós e prontos a utilizar, modificar, enriquecer, abandonar. São estranhos, como filhos que vemos pela primeira vez e não reconhecemos. No entanto, são nossos e ganham existência a partir da nossa iniciativa, das nossas acções, vontades, desejos e escolhas. Por que nos parecerá sempre tão duro aceitá-los? Parece-nos difícil ultrapassar os condicionamentos sociais e culturais, aqueles que julgamos serem a nossa personalidade e, afinal, não passam de noções que nos são incutidas por outros, que também já os receberam de outras gentes. Mas apreciar a verdadeira capacidade que temos de criar, expandindo o conhecimento e a consciência, ampliando conceitos e cenários, não é pura e simplesmente magnífico? Estranhos caminhos são estes que criamos com tanta facilidade que nem os reconhecemos quando surgem à nossa frente, Não são desafios. São possibilidades que já concretizámos e que apenas aguardam mais uns segundos de avaliação e decisão para se transformarem de novo em estranhas possibilidades, continuamente em aberto.

quarta-feira, 12 de julho de 2017

tudo o que venha a baile

by Eiko Ishioka (homenageada hoje pela Google)

Às vezes apetece escrever sobre nada. Não nada mesmo, mas sobre qualquer coisa que surja, sem filtros. Ou sobre a bonita homenagem que a Google faz hoje a Eiko Ishoka, que foi a criadora dos fantásticos figurinos do Drácula de Bram Stoker.
Voltando ao escrever sobre nada: é quase como escrever sobre tudo, com todas as possibilidades em aberto. Gosto de me sentir assim, live para explorar tudo o que venha a baile.

segunda-feira, 10 de julho de 2017

mudança: vamos a isso?



É um facto que somos incapazes de governar as nossas vidas com a coerência e a eficácia que desejaríamos. Senão vejamos: passamos a vida a lamentar-nos e a implorar por mudanças.Tanto o fizemos, que elas estão aí à porta: em casa, nas relações, nas instituições incapazes de funcionar cabalmente, na vida social e política, em que são cada vez mais evidentes as incoerências e a falta de respostas, em todo o planeta, que explode em demonstrações de insustenabilidade.
Toda a gente fala agora de um novo paradigma, mas ninguém o enuncia de facto. Porque o pressentem, porque já está a acontecer, mas são essas mesmas pessoas que lhe resistem, sem se dar conta que, para que este novo paradigma resulte, não podem continuar a repetir as mesmas velhas fórmulas.
Foram essas fórmulas, rotinas, vícios de pensamento que produziram o caos e a incoerência a que assistimos hoje. Por isso, repeti-los só cria mais do mesmo. O novo paradigma é uma mudança de hábitos e de pensamentos, dentro de nós, socialmente, globalmente.
E quem estiver à espera que polícos e líderes resolvam tudo, está no antigo paradigma e só vai sofrer com este. Está na altura de acreditar no poder individual que temos e de corrigirmos o que nos aflige. De acreditar que a mudança só nos beneficia e, afinal, fomos nós que passámos décadas a protestar e a pedi-la.
Ora, cá está ela e só temos de a abraçar e a compreender como a materialização dos muitos pedidos de ajuda que temos vindo a fazer. Vamos a isso?

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

silêncio

"Silence" - MMF jan 2017
Quando o silêncio surge como uma explosão e o observador se torna súbita e maravilhosamente consciente do momento, da magnitude de que faz parte. Do que oculta um ténue véu de pensamentos que nos dispersa. E da força interior que é a verdadeira natureza de qualquer vida. 

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

a arte de crescer

"Na companhia da morte" - Tic-Tac (Teatro Amador de Ciências), Porto
Uma pesquisa no Google sobre artes mostrou resultados sobre actividades artísticas e artes marciais. As primeiras eram as pretendidas mas, surpreendentemente, a linearidade do motor de buscas acabou por fornecer um fio condutor sobre as duas coisas.
Os agentes artísticos reclamam com frequência sobre o pouco público que vai ver o seu trabalho e do pequeno número de espectáculos que cada obra acaba por realizar. 
Sem minimizar o problema da sobrevivência, artistas e praticantes de artes marciais têm muito em comum.
Quem procura e pratica uma arte marcial fá-lo para seu próprio benefício, desenvolvimento pessoal e conhecimento. Faz tudo para se aperfeiçoar e sabe que os benefícios se seguirão. A satisfação que retiram de cada vez que mostram a sua evolução é garantida.
Do mesmo modo, o trabalho para um espectáculo é imenso e precedido de muitos anos de preparação. O resultado é igualmente aperfeiçoado ao longo do tempo e cada um deles manifesta as etapas do desenvolvimento do artista na sua disciplina de eleição.
O público, esse, numeroso ou não, também cresce com as construções nascidas da criatividade e entrega de cada apresentação.
O aperfeiçoamento pessoal está sempre presente para todos os intervenientes, em todas as formas de criação que observamos ou manifestamos. E o ganho é real, em uma ou muitas vezes que se repita o processo.
A vida e o trabalho enriquecem-se com a consciência do impacte que temos sobre uma ou muitas pessoas quando os exercemos e exprimimos com entrega e honestidade.

sábado, 7 de janeiro de 2017

sabendo a que sabe a natureza

"knowing how nature feels" - MMF jan 2017
Dentro de nós está a infinita parte do que somos. A matéria-prima capaz de transformar o mundo real na mais surpreendente das maravilhas ou num inacreditável inferno. Há que determinar todos os dias, todos os momentos, a orientação a dar à experiência que queremos manifestar. Escolho púrpuras e laranjas, explosões de cor com o respectivo eco emocional. Escolho a vida intensa do meu interior às tristes manifestações interiores. Termino e começo todos os dias com o maior dos agradecimentos pelas minhas escolhas. Sabendo a que sabe a natureza. 

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

prayers

"Prayers" - Jan 5, 2017
Desenhos, aguarelas, telas são orações. Não se devem entender como actos aleatórios de criatividade. Os dias em que não criamos são dias em que desperdiçamos a oportunidade de olhar para nós e honrar o potencial que temos. E quando manifestamos essa fonte inesgotável e a dedicamos a alguém, estamos a partilhar o que de melhor há em nós e revemos nos outros.

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

à espera de tudo


Sonolências benignas atacam quando chega a altura de fazer uma lista de desejos, votos ou compromissos para o próximo ano. Naturalmente. Porque o que queremos é tudo. Tudo o que somos e desejamos, para nós e para os outros. Como é possível pôr isso numa lista? Sem esquecer coisas importantes que por aí vêm e que ainda nem suspeitamos o que são?
Como adivinhar o que nos vai acontecer ao dobrar uma esquina, com quem nos vamos cruzar ou os desejos que estão tão escondidos cá dentro que nem sequer sonhamos que lá estão?
É mais fácil descansar a cabeça e esperar que tudo aconteça sem as distrações dos improváveis delírios da imaginação. O que nos acontece todos os dias é bem mais surpreendente do que se pode esperar e há que estar livre para ver tudo sem reservas. 

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

espíritos iluminados

'Christmas Fun' - pen on paper (105x149 mm)

Este ano o Festival das Luzes (Hanukkah) calha a 25 de Dezembro. Nos dias escuros de inverno, acende-se todos os dias uma vela para iluminar o mundo. Jesus também veio para trazer uma nova luz à nossa visão da vida. 
Nicolau, o bem-humorado Pai Natal, desperta a nossa boa disposição e esperança nos sonhos. Como crianças, acreditamos mais nesta altura. Renovamos o espírito da luz e deixamos que nos lembre a fé no potencial da vida.
Partilhamos refeições e presentes com os amigos e a família. Damos e recebemos. Aceitamos, ou permitimo-nos receber, essa luz que procuramos todos os dias, as ideias e os sonhos que perseguimos durante a vida. Descobrimos, no último mês do ano, que é de novo possível alimentar esperanças e deixarmo-nos inundar por essa parte do nosso espírito que mantém a luz acesa dentro de nós.
Lembramo-nos, uma vez por ano, do verdadeiro sentido da vida, do amor que se expande sempre e que tudo torna possível. É a inspiração que nos transporta para um novo ciclo a transbordar de possibilidades e escolhas diferentes.
Uma luz que não se apaga, mas que se esquece quando nos deixamos embalar pela parca e árida visão materialista do mundo. Por que não acabar e começar este e o próximo ano mantendo a nossa chama acesa?
Boas Festas, espíritos iluminados.

domingo, 16 de outubro de 2016

no limbo do domingo

Fotografia: Maria Isabel Mota
Domingos são aqueles dias de limbo, entre o lazer do fim-de-semana e a preparação para a agitação de um novo ciclo de trabalho. Entre o passado e o futuro, a pausa e a acção.
Aqui e agora, são momentos de escolha, de decisões, de karma (acção) a determinar os efeitos que se seguem.
Grandes oportunidades de crescimento pessoal e espiritual surgem logo na sexta-feira (viernes, vendredi ou o dia de Vénus), em que termina o trabalho e se corre para o oposto, o prazer; sábado (dia de Saturno), em que se descansa e se maturam as ideias e os sentimentos pessoais; e domingo (sunday), o dia do Sol e do reencontro com a lucidez e a acção.
Nada melhor do que um dia nublado e preguiçoso para nos presentear com a tranquilidade necessária para preparar mudanças. E o auxílio da fase da Lua para completar o processo.

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

excessos e conflitos

Fotografia de Maria Isabel Mota
O conflito nasce sempre da noção que temos de estarmos separados. Como indivíduos, como corpos diferentes, é difícil lembrarmo-nos de que pertencemos todos à mesma consciência, ou ao mesmo material divino, poderoso e ilimitado.
Quando o conflito surge, o alerta é para a demonização que estamos a fazer do outro, ou dos outros. Não nos vemos como indissociavelmente ligados, a outra escala, e que a beleza está em, apesar da possibilidade da experiência pessoal, não deixarmos de ser um.
A extrema identificação com alguma coisa é sempre uma limitação. Um clube de futebol, um país, uma região, uma raça, uma religião, têm balizas definidas que as separam das outras coisas. E nessas balizas não cabem mais do que alguns pormenores.
É um erro confundir algumas identificações com o potencial ilimitado de que dispomos. E essas identificações excessivas, pouco dispostas à maleabilidade, é que suscitam o conflito. 
Assim como as rochas que, com a sua aparência de invencibilidade, se sujeitam à erosão de ventos, águas e areias, também sofremos na pele o desgaste dos limites que nos impomos. No final, como as rochas, desfazemo-nos no pó e no resto dos elementos, voltando à natureza que nos deu corpo, mais uma vez parte indissociável do todo.
Devíamos entender o conflito como a nossa resistência ao entendimento do nosso papel no conjunto das coisas. E ter a coragem de alterar de imediato a nossa postura, para eliminar o sofrimento e o desgaste em que nada se ganha.
Pensar ainda que, como consciência colectiva, não é só a nós que prejudicamos com os nossos limites. Como uma infecção, contaminamos tudo à nossa volta. Inocentes, espectadores passivos e quem participa do conflito. Todos perdemos.
Evitar o conflito é assumir que os resultados jamais serão os que esperamos, uma vez que não há acordo possível. Não será então mais inteligente prescindir dos limites excessivos e rendermo-nos a uma paz sem sofrimentos adicionais?

sábado, 1 de outubro de 2016

memória

fotografia de Maria Isabel Mota
O teu medo diz-te que o teu ponto de atracção não inclui o desejas. (Abraham-Hicks)

A memória não é tudo o que somos. Nem sequer é fiável, porque se mistura com a imaginação para preencher as lacunas que o tempo vai deixando. É uma gaveta onde guardamos fragmentos de coisas que depois nos aparecem desligados de outros contextos que não as emoções que nos suscitam.
Ainda por cima está deslocada no tempo. Nunca se refere ao presente, que é o sítio onde estamos agora e devemos viver. E sendo um punhado de fragmentos, a razão porque insistimos em nos identificar com ela é apenas por ser uma espécie de âncora da nossa existência. Uma base de dados, um caderninho de apontamentos para não nos esquecermos de que estamos nesta vida.
São notas que não temos de repetir, embora isso nos pareça muito seguro, uma questão de carácter ou qualquer outra crença limitativa.
A memória transmitida pelos nossos pais, com o objectivo de nos proteger de coisas que ameaçam a integridade física é o que nos permite aprender a conhecer as limitações do corpo físico. Mas vêm acompanhadas das memórias pessoais deles, que não correspondem a uma experiência pessoal e, no entanto, tendem a moldá-la.
Alerta-nos para muitas situações desfavoráveis, possibilitando escolhas mais avisadas, mas mesmo assim não é tudo o que somos. Há infinitas possibilidades para viver, experimentar, gozar.
Confiar demasiado na memória ou insistir que é ali e apenas ali que devemos ficar é uma negação do possível. É uma afirmação do nosso medo de avançar. E a recusa de partirmos em busca do que desejamos.
Uma ferramenta é útil quando a dominamos e usamos para o que foi desenhada. Mas não nos passa pela cabeça definirmo-nos como um martelo ou um alicate e andar por aí a dizer que somos um ou outro. Podemos usá-los para atingir o que queremos e fazê-lo de forma criativa, mas isso é apenas uma gota num oceano.
A memória regista, não cria, não muda. Mas influencia determinantemente as nossas escolhas e decisões. É importante conhecê-la e dominar as suas qualidades, mas não viver em função dela. É apenas parte da nossa colecção de manuais de vida, não a vida toda.
Os seus registos incluem muito medo, todo passado. Não é necessário projectá-lo também no futuro, um exercício que não nos tira da cepa torta.
Se a memória passa de aviso a medo, são dois alertas que recebemos para perceber que estamos a afastar-nos do que realmente queremos. Há sempre outra forma de ver as coisas e, sobretudo, muito mais a viver além das encolhas do medo. Sem outros limites que os da coragem e da vontade. Acção!


quarta-feira, 28 de setembro de 2016

'Sexo Inútil', de Ana Zanatti: honestidade e senso comum

Capa da Sextante baseada numa obra de Tim Madeira e Ana Zanatti; fotografia da autora de Inácio Ludgero
A primeira razão para se ler O Sexo Inútil, de Ana Zanatti, é a facilidade com que se começa e acaba a leitura. Alguns livros, como este, têm o condão de nos manter suficientemente interessados para não descansarmos enquanto não chegamos ao fim. Não se assustem, pois, com o facto de ser um ensaio, e longo, porque se lê como um romance, embora não o seja. A autora é uma grande contadora de histórias e demonstra-o aqui muito bem.
A segunda é por ser um livro que se pode dar a ler a qualquer pessoa. Sem receio de chocar ninguém , porque tudo é dito muito directamente, mas sempre de forma muito correcta. "Apesar do meu fraco apelo por experiências radicais, a minha natureza que tende para a harmonia, a conciliação e a paz, perante a liberdade ameaçada reage explosivamente. Era assim e assim se mantém." (pp. 464), escreve a autora. A sua explosão surge, no entanto, da honestidade interiorizada, não da defesa que despoleta o ataque gratuito.
Ana Zanatti diz tudo o que deve ser dito, sem afrontar ninguém. Não se esquece de ver o outro lado e evita os julgamentos de valor que não passam também de preconceitos. E esta é a terceira razão para ler o seu livro.
Outra boa razão (quarta) para meter o nariz nesta não ficção é o facto de fazer um bom apanhado de todos acontecimentos que promoveram a visibilidade e os direitos lgbti em Portugal e lá fora, assim à laia de história muito breve. As notas são informativas, extensas q.b. e não perturbam a leitura. Além disso, a autora adiciona inúmeras referências a escritores e obras com excelentes contributos para alargar os nossos horizontes como leitores e como seres humanos interessados em fazer da vida uma experiência com sentido.
Depois, cada capítulo tem o título de um filme, o que nos obriga a pensar numa maratona cinéfila de livro na mão, a viajar pelas pequenas e grandes inspirações que deram origem a uma classificação desse tipo. Sugestivo e a adicionar como quinto motivo para se ler este livro.
O fio condutor de todo o trabalho é a longa troca de correspondência com uma jovem cujos problemas cativaram a atenção da autora. É fácil a identificação do leitor com inúmeras experiências de ambas. Mais fácil ainda se percebermos como determinadas posturas são comuns a todos nós e não se restringe ao âmbito da orientação sexual. Sexto motivo do interesse desta obra.
Por fim, destaque para a compaixão implícita nas suas quinhentas e muitas páginas. No sentido do amor pelo outro e por um honesto esforço para o entender. Na correspondência, nas entrevistas feitas com homossexuais e familiares, e nas reflexões da autora.
A mudança em nós não se dá sem o contributo dos outros e, só com essa transformação pessoal podemos almejar um comportamento diferente dos que nos rodeiam. A discriminação com base na orientação sexual é apenas mais um pretexto para conformar a nossa liberdade aos limites de crenças insensatas, que surgem de escassas ou inexistentes reflexões sobre o que pode ou não pode acontecer na nossa vida.
O sexo inútil é, por todas as razões acima, um livro útil para quem não se conforma e mantém dentro de si a noção que tudo pode ser melhor se amadurecermos ideias mais correctas sobre o que é realmente a nossa liberdade como indivíduos e como sociedade. Com honestidade e senso comum, como nos sugere Ana Zanatti.


sexta-feira, 16 de setembro de 2016

não desistir de nós

foto: Maria Isabel Mota
If I fall short, if I don't make the grades' / If your expectations aren't met in me today / There is always tomorrow, or tomorrow night / Hang in there baby, sooner or later / I know ill get it right, // Please, don't give up on me / Oh please don't give up on me / I know its late, late in the game / But my feelings, my true feelings / Haven't changed / Here in my heart // I know, I know I was wrong, wrong wrong, wrong, wrong, wrong / I'd like to make amends for the love that I never, ever, ever, ever shown / Just don't give up on me, every word is true // I'll give you my everything, all of my love,all of my love, all of my love love love / Just don't give up on me / Oh please, please, please / Don't give up on me. // I don't want you to / I know its late, but wait, please, please, please, please / Don't give up on me / Promise, will you promise / will you promise me / Please don't give up on me // We can make it if we try / I'm gonna hold on, hold on with me'
And don't give up on me, oh-ooh, -oohohoooh -baby / Oh baby, Oh baby, please, don't-give-up-on-me / Whatever you do, we gonna make it, gonna make it through / Don't you give up on me, please, please, please Promise me / Don't-give-up-on-me.
(Autores: Bucky Hoy Lindsey, Carson Whitsett, Dan Penn; intérprete: Solomon Burke)

A arte tem uma forma subtil de nos conciliar com a nossa verdadeira natureza. De revelar verdades escondidas, ou esquecidas, sincronias connosco e com os outros. Por isso nos emocionamos com as manifestações artísticas, mesmo sem entendermos porquê. Procuramos explicações inteligentes sem nos darmos conta que as emocionais já nos disseram tudo.
Uma canção de amor, aparentemente dirigida a algo ou alguém fora de nós, é afinal uma grande oração de amor a nosso favor. À nossa imensa capacidade de amar e necessidade de manter esse amor, e a esperança que lhe está associada, como uma chama sempre acesa.
Uma oração de amor também ao outro, num reconhecimento instintivo da unicidade que nos liga e se revela igualmente no amor que lhe dedicamos.
Como diz a canção, é importante não desistirmos de nós e mantermos viva uma promessa nesse sentido. Uma invocação do melhor que há cá dentro não é jamais uma oração em vão. É a esperança e a concretização, na lembrança, dessa força divina que nos move, justifica e apenas necessita de um gesto mínimo para se manifestar.