terça-feira, 14 de abril de 2015

corações que não batem

Foto MMF
A certa altura entenderam as finas cabeças dirigentes que o centro das cidades devia ser preservado, afastando-se dele o trânsito e aumentando taxas e estacionamentos pagos para que as pessoas entendessem, de uma vez por todas, que o que de bom ali existia tinha de ser apreciado e, como tal, o seu usufruto taxado de acordo com o seu valor.
Cascais, cujo centro foi até há apenas um par de décadas um coração palpitante onde todos se encontravam e trocavam utilidades várias, transformou-se numa área que ninguém, além de desprevenidos turistas, frequenta.
Um cidadão de Cascais desce e sobe a rua Direita, o Largo Camões, a Valbom ou o Visconde da Luz ocasionalmente, quando algo de premente a isso o obriga e, se tem a infelicidade de parar para um café, paga-o como se de um ignorante estrangeiro se tratasse.
O centro passou a ser um local em que os quarteirões se transformaram em gigantescas rotundas, com o trânsito a passar atabalhoadamente da entrada para a saída do burgo, sem muitas alternativas para parar ou estacionar, a menos que se tenha uma carteira cheia e capaz de assumir o pagamento mínimo de um carro parado nos locais de estacionamento que invadiram tudo, tornando impossível que uma rua tenha alguma vez dois sentidos.
Não se julgue, no entanto, que o centro melhorou exponencialmente com estas medidas, porque quem tenta por ali passar de carro vê-se em palpos de aranha para se desenvencilhar do trânsito, com um surpreendente número de carrinhas e camiões de descargas a dificultar a passagem a qualquer hora e em qualquer lugar.
As caravanas de autocarros turísticos que estacionam em todas as vias também são uma praga que, com certeza, merecia melhor solução do que ocupar a frente da baía e da Cidadela, ou outros locais com vista que deviam ser mantidos livres para usufruto de todos.
Não foram pensadas as melhores soluções para o centro histórico de Cascais e, surpreendentemente, o poder instituído e a oposição insistem, depois de provas dadas em contrário, que impedir um fluxo normal de cidadãos a essa área esvaziou-a de interesse, uma vez que não são os edifícios, as calçadas, as palmeiras e a beira-mar que fazem a beleza de um local, se não os seus observadores e a empatia que criam com os locais.
O centro de Cascais tornou-se, portanto, o Shopping Cascais, onde as pessoas estacionam de graça, fazem compras, tomam café, comem o que lhes apetece, passeiam sem torcer os tornozelos na calçada esburacada, pagam as suas contas e regressam a casa em segurança. Ou o espantoso Cascais Vila, casado com o tenebroso terminal de autocarros e a inexplicavelmente suja e insegura passagem subterrânea que vem da estação de comboios.
Quando impedidas de gozar de forma livre um local, as pessoas encontram outros e fazem muitos quilómetros para se afastarem do que as sufoca.
O centro histórico da vila mais bem cotada do País tornou-se numa passagem para turistas e carteiristas, estes últimos na sua condição oficial de delinquentes ou de policiadores do bem público maior, que já ninguém sabe exactamente o que é nem onde está, depois de curtas e inexplicáveis passagens por cofres públicos.
Tentar obrigar as pessoas a pagar por uma riqueza, uma beleza e uma história que são elas que fazem, enquanto observadoras e participantes desses fenómenos, é um conceito fútil e, portanto, destruidor.
O coração das cidades só bate através do coração dos seus cidadãos. Impedi-los de se sentirem bem e livres nos centros que eles criaram e a que deram vida é fazer fugir a alma de qualquer local.

terça-feira, 7 de abril de 2015

adoradores do inútil a precisar de ajuda

Ilustração: MMF
Recebo, há duas semanas, chamadas da EDP Comercial que começam com uma pergunta despropositada sobre as vantagens que posso ter na minha factura de luz. Antes disso eram as chamadas das Águas de Cascais, a explicar a sorte que tinha por comunicar a leitura do contador e só pagar a água de dois em dois meses.
Na ignorância de quem escreve estes scripts embrutecidos e embrutecedores para os pobres diabos que tentam ganhar a vida com o marketing telefónico, resta-me lembrar os vampiros dos serviços públicos essenciais que os meus dados não são deles, muito menos para me assediarem e aborrecerem com questões idiotas.
Além de não terem o direito de comprar os meus dados, nem de me assediarem a horas impróprias com as suas campanhas, nada do que é meu lhes pertence para coisa nenhuma. Muito menos para me venderem serviços que mais não são do que simples estratagemas para nos porem a pagar coisas de que não precisamos.
Muito pior se torna a coisa quando compreendemos que o Governo e o Estado, entidades que sustentamos com os nossos impostos de muitíssimas formas, e que só existem para nos proteger e defender, também participam na compra e venda de dados de toda a espécie, da mesma forma que qualquer empresa sedenta de lucros põe isso em prática.
Antes dos grandes interesses económicos se assumirem tão descaradamente eram apenas considerados pelo que realmente são: uma voracidade anormal pelo armazenamento de lucros (ou poderes) que nunca terão capacidade para usar na totalidade e, portanto, desperdiçam. A ambição desmedida só dá origem a perdas igualmente desmedidas. Portanto, inúteis em género e quantidade.
Se é para isso que traficam os nossos dados, eles não vos pertencem logo à partida, nem nunca pertencerão. E isso é apenas mais uma parte da grande inutilidade que vos orienta. Pena é que o nosso dinheiro não seja gasto a impedir-vos de cometer crimes contra os outros e contra quem os pratica, visto que o resultado final é tão desolador que quem deles participa só pode estar doente e a precisar de ajuda.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Michel Houllebecq e o extremismo dos média



David Pujadas (22 Heures) faz desta entrevista uma espécie de inquisição ao trabalho do escritor. Ao que parece, ser um autor de grande sucesso obriga o romancista Michel Houllebecq a justificar todas as "intenções" da sua ficção.
Nesta sociedade obcecada com o controlo das ideias, o "grande jornalismo" perdeu de vista a sua vocação original para assumir o papel das grandes tendências deste século: ao indivíduo é exigido que se retrate sempre que se afasta da ideia decidida pelo establishment, enquanto aos políticos e figurões dominantes se sugere, timidamente, que nos elucidem sobre as suas determinações.
David Pujadas não ouve o entrevistado, ignora sistematicamente as suas respostas, tendo logo de início estabelecido que Michel Houllebecq gosta de ser polémico, e durante as suas intervenções, tem o cuidado de olhar com frequência para a câmara e assegurar que ele é a estrela da entrevista e que as suas palavras são dominantes durante a mesma.
Truques de algibeira para desacreditar o papel do escritor e a sua obra, que é uma das mais lidas actualmente. David Pujadas chega ao ponto de confundir o autor com asa suas personagens, como aquelas pessoas que, na rua, abordam os actores das telenovelas e os confrontam com os defeitos e qualidades das suas personagens.
Triste espectáculo o desta entrevista, em que o escritor é acusado de dar um presente a Marie Le Pen, com a publicação do seu último romance "Soumission", lançado este ano. Mal se ouve a resposta de Michel Houllebecq, afirmando que nem considera o "extremismo" descrito como tal.
Na realidade, ninguém está interessado em saber as razões do escritor quando tenta dar veracidade às suas personagens. O importante é convencer os seus leitores de que é um extremista e impedir os futuros leitores de comprarem a sua obra ou, fazendo-a, que a leiam sem os preconceitos do regime instituído.
No fundo o establishment sabe que o domínio das ideias é o único e verdadeiro poder, sendo pois de extrema importância condicionar o pensamento de todos através de conceitos que não são, nem inteligentes, nem verdades universais, mas apenas castradores e consubstanciadores do verdadeiro extremismo e do verdadeiro terror: a ideia de que as ideias têm de ser limitadas e que a violação deste facto constitui um perigo e, portanto, um crime.
O extremismo limita e, nesse aspecto, a ordem mundial a que estamos sujeitos é de uma castração ímpar. Michel Houllebecq pensa tão livremente quanto pode, escreve da mesma forma e, como muito bem diz, o que as pessoas pensam é com elas. E não há regime que possa impedir esse facto, embora as tentativas sejam muitas, repressivas e a maior tolice de que um ser humano é capaz.

sexta-feira, 27 de março de 2015

Artemisia Gentileschi: uma história de grande actualidade



Num meio dominado por homens, a pintora Artemisia Gentileschi teve de provar a sua inocência como vítima de violação por parte de um pintor contratado pelo pai para lhe dar aulas. Uma história de grande actualidade, visto que apenas uma ínfima percentagem de mulheres consegue, nos dias de hoje, ver os seus direitos plenamente reconhecidos. E em que o feminismo é um termo ainda vergonhoso para qualquer dos géneros, especialmente para o feminino. A obra de Artemisia Gentileschi deixa antever toda a revolta que deve ter sentido e os seus fantásticos dotes artísticos.

terça-feira, 24 de março de 2015

absolutamente felizes

Melucha, Marita, Ana Margarida (foto: M.V. Moreno Ferreira - Vila Paiva de Andrade, Gorongosa)
Usamos o passado para calcular o futuro e, dessa forma, devíamos fixar-nos em momentos absolutamente felizes, como este, de uma infância vivida sem a pressão de memórias desagradáveis. Dessa forma não envenenávamos o presente e evitávamos o pavor de futuros que só desatinam na nossa cabeça.

quinta-feira, 19 de março de 2015

dia do pai, dia da mana


Tudo começou em Vilanculos (ou Vilankulos, segundo a moderna grafia moçambicana), há cinquenta e quatro anos. A quarta de cinco manas nasceu em casa, que na altura era um sítio mais seguro do que o hospital local. O médico contou com a ajuda de um parteiro especial, o meu pai. Por isso celebramos a dobrar esta data.

sábado, 7 de fevereiro de 2015

os Peter Pan e os maus argumentistas

Greek Finance Minister Yanis Varoufakis, speaks on his phone during the vote for the president of Greece’s parliament in Athens. Photograph: Petros Giannakouris/AP
As portuguesas votariam em massa num Varoufakis, sim senhores. Votavam na careca, na ausência de gravata, na roupa casual, no sorriso sempre bem disposto. Votariam nele até começar a usar óculos, fatos cinzentos, gravatas estúpidas e até abandonarem a crença de que tudo pode ser diferente, assim o queiramos acreditar.
O Syriza pode seguir o mesmo caminho que os outros, pode ficar enterrado no poder muito maior do que a vontade local, mas também pode gabar-se de ter ressuscitado a esperança e a fé de quantos querem acreditar que tudo pode ser diferente. Os seus dirigentes-Peter Pan estão a encantar os pobres e oprimidos, os que ainda anseiam sonhar e não se vergar aos entediantes interesses financeiros alheios.
Enquanto os gregos sonham e esperam que um milagre se abata sobre as suas rebeldes cabeças, os portugueses asistem, impávidos, à esperteza suicida de políticos, bancos e empresas que sobem preços, despedem, manietam os cidadãos e, com ar de heróis de BD nonsense, declaram que estão a endireitar a vida do País.
Porque todo o acto é voluntário, mesmo se inconsciente, acredito que os cidadãos lusos têm em mente uma espécie de solução final, não de campos de extermínio, mas de deixar o caminho livre a quem tão bem se extermina por si só. Porque no final de todos os impostos e novas regras hitlerianas de uma economia que se tornou pirata e corsária contra si própria, com todos os seus alucinados anoezinhos da engenharia financeira a correr todos para o mesmo lado, os portugueses estão preparados para assistir ao fim do mundo com uma sandes de atum e um copinho de água da companhia tirada da torneira de uma repartição pública.
A escolha de capítulos a assistir é magnânima: bancos a chorar as centenas de milhares de casas vazias subtraídas às famílias, empresas cheias de intenções de produção sem consumidores à vista, governantes com polícias de todo o tipo à espera de cair sobre cidadãos que nem sequer têm como quebrar a lei.
É o cerco virado para si próprio, tropas de assalto preparadas para se abater sobre coisa nenhuma, pois não resta o que roubar, apreender, confiscar.
Cabboum!, diria o último quadrinho da BD nonsense, e: The End!
Há gente mesmo incapaz até de criar bons argumentos...

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

apologia: qualidade de vida

Sistema informático de senhas do Centro de Saúde de Cascais
Na semana a seguir ao Natal uma alergia nos olhos da minha mãe fez-me ligar para o número da Saúde 24, um serviço que funciona bastante bem e nos encaminha criteriosamente para os serviços médicos mais adequados a cada caso. O Centro de Saúde de Cascais foi o indicado, na ocasião.
Lá chegadas, a primeira imagem foi a que se reproduz acima, com o maravilhoso aparato tecnológico das senhas de atendimento engalanado com cordel, rolo de senhas e folhinhas coladas a fita-cola, uma delas escrupulosamente escrevinhada à mão. (E reparem nos fios à direita, enrolados e à mão de semear, como convém em termos de segurança...)
As pessoas chegadas ao balcão, pois não eram só as senhas apenas que não funcionavam. O sistema informático em baixo, incapaz de receber os faxes do Saúde 24; nem os telefonemas se aguentavam. Médicos não havia, à excepção dos que se passeavam à espera de casos específicos, imagina-se, uma vez que para os casos como os da minha mãe e de outros, não havia. Estavam na hora do almoço alguns, enquanto os outros não se sabia se atenderiam.
As funcionárias, à falta de argumentos, repetiam incessantemente o que podiam fazer, que era explicar que não havia atendimento, pelo menos até chegarem médicos ou qualquer milagre caído do céu. Ao pedido do livro de reclamações reagiram defensivamente, como se a culpa fosse sua. Mas não era e a queixa foi feita, mesmo com pouca confiança nos resultados que daí podem advir. Se não se faz é o mesmo que concordar que tudo fique na mesma e isso é, no mínimo, incoerente e fútil.
Novo telefonema para a Saúde 24 remeteu-nos para as urgências do Hospital de Cascais que, como é sabido, não tem urgência de oftalmologia. Daí, com alguma sorte, encaminhar-nos-iam para as urgências oftalmológicas do Hospital Egas Moniz e, se não tivéssemos mesmo sorte, repetir o processo para as urgências do Hospital de Santa Maria.
Resolvemos não arriscar e recorremos à CUF, onde ficámos três horas, como mais umas dezenas largas de pessoas, também elas fugidas de outras inexistentes soluções. Lembrei-me dos tempos idos do pós 25 de Abril, em que nem a desorganização das infra-estruturas básicas obrigavam a condições tão desesperantes.
Agora, com tanto glamour e tanta festa, tanto prémio e tanta comemoração, tanto artigo elogioso, Cascais, o concelho da riqueza e da qualidade de vida, não tem um centro de saúde operacional, nem um serviço de urgências que cubra a oftalmologia ou outras especialidades que assegurem reais situações de necessidade.
E isso é que é pobreza, porque ela se mede, não pela quantidade de pessoas de baixos ou inexistentes rendimentos, mas pela incapacidade de administrar e bem gerir o património comum e público. Apesar das subidas constantes de taxas e impostos municipais, dos discursos floreados e da propaganda das instituições. 
Igual sinal de pobreza é investir insanamente no marketing político e empresarial sem ajuizar os resultados da comparação natural que o cidadão comum faz entre o que lhe tentam impingir e as suas carências reais. A consciência de todos evolui e é sinal de escassez intelectual acreditar que só a propaganda vai resultar no apaziguamento das incongruências e das assimetrias abismais que se sentem a todo o instante. 
No final, a luz triunfa sempre, uma vez que a sombra é impossível sem ela e a contrária é, simplesmente, impossível.



segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

tudo sobre M.O.M.


Crises, desastres, ameaças, terror, políticos, poder. Tudo M.O.M. Ou seja, Mentira, Ocultação, Manipulação. É uma realidade de que estamos todos cada vez mais cientes. E não é o fim do mundo, nem especialmente desesperante.
Porque, mais importante que M.O.M., é uma pequena e consistente ideia: espírito é pensamento. E espírito é o que permanece, além da vida e das suas agruras e outros passageiros males contra os quais podemos usar o pensamento/espírito, ou a fonte de todas as coisas.
Porque todos nós somos M.O.M., não apenas os maus. Aliás, qualidades boas e más são o uso que entendemos dar a cada coisa em que pensamos. Ou seja, somos nós e apenas nós os agentes do M.O.M. Escolhemos a cada instante atribuir qualidades específicas a tudo o que nos rodeia, segundo os preconceitos, ou ideias prévias que consideramos serem inerentes a isto ou àquilo.
É claro que alguns agentes M.O.M. fomentam esses preconceitos ou ideias pré-definidas do que as coisas são, sobretudo se querem que acreditemos em crises, desastres, ameaças e terrores. O medo, julgam os M.O.M., é uma fonte de poder. Com medo, fazemos tudo o que nos dizem para fazer.
Por isso se criam guetos, minorias, grupos religiosos e outras gavetinhas cujo único propósito é distrair-nos e desviar-nos da verdadeira origem ou fonte do poder: o pensamento, o espírito ou o que quer que queiram chamar à matéria-prima em que de facto consiste a nossa natureza.
Imaginem as coisas que poderíamos fazer se não existissem M.O.M. a atulhar-nos a vista com problemas e apocalipses diários, prementes e, aparentemente, inevitáveis.
Sem os M.O.M., o pensamento é livre, assim como a sua expressão. Ou a sua materialização nas nossas vidas. Seria completamente M.A.M. (Maravilha Atrás de Maravilha). Sem a rede de complicações que nos impigem diariamente, o pensamento ocupar-se-ia exclusivamente do que lhe interessa: moldar as nossas vidas sem medo, sem interferências, sem ruído entre pensamentos e pensamentos.
Os M.O.M são como os filtros de um fogão, entupidos de gordura e de nojos. É preciso mantê-los limpos para se continuar a viver sem os ascos que provocam.
Entendendo os M.O.M., que não podemos alterar por terem origem nos pensamentos dos outros, resta-nos o óbvio: alterar o que pensamos e levar o nosso espírito para longe dos filtros sujos. Compreender que a vida é possível sem a escolha do pensamento oleoso que insiste em nos fazer escorregar e cair. Não somos só M.O.M., mas isso também está na nossa cabeça e distrai-nos de todos os nossos objectivos.
Pensar com mais simplicidade e aceitar que temos essa escolha é a melhor forma de usar a nossa liberdade e escolher a experiência que desejamos. Sejamos isso também.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

pague-se o Louvre local!

Depois de oferecer concertos megalómanos (e não especialmente melómanos) durante o verão na Baía de Cascais a uma população que nem sequer era maioritariamente do concelho, com resultados que passaram por despesas extraordinárias de segurança e de limpeza do centro da vila, a autarquia local decidiu cobrar entradas para as exposições no Centro Cultural de Cascais (três euros para quem não é do concelho e metade disso para aqui vive). E parece que não será o único espaço dedicado à cultura em que se fará tal cobrança (medida em vigor desde o passado mês de Outubro, no CCC, Casa das Histórias, Museu Conde de Castro Guimarães e Casa Duarte Pinto Coelho, pelo menos).
À entrada, se tiverem sorte, ouvirão o segurança e o funcionário ao balcão argumentar que, para ver o Louvre também se paga entrada. Comparação mais que justa, claro. Sobretudo se soubermos que um passe de dois dias para todos os museus parisienses custa quarenta e dois euros e a entrada na Tate Modern é gratuita, sendo cobrada entrada apenas para as exposições especiais. Os programas culturais em Cascais estão, claramente, ao nível dos dois exemplos citados.
Temos de compreender que o afluxo de turistas aos espaços culturais cascalenses é avassalador e importa em despesas que todos temos de partilhar. Isso faz o mais perfeito sentido depois do cuidado que os governos locais tiveram em se apropriar da gestão de todos os eventos, oferecendo condições impossíveis de bater por qualquer outro agente cultural. Agora, consolidada a política de monopólio da cultura pela autarquia, há que pagar para ver o que o poder escolhe apresentar.
Se algumas das propostas até são atraentes, a fraca frequência indica o resultado real desta política, que investe muitas centenas de milhares de euros em espectáculos gratuitos que desfiguram a qualidade de vida local, e depois cobra entradas em eventos de menor envergadura e cuja frequência devia assegurar, nem que fosse apenas pela vergonha de pedir dinheiro por actividades para as quais existem orçamentos destinados ao seu fomento.
Este caso faz lembrar o espírito de um curioso título do Mensageiro de Bragança, fundado em 1940 e sempre sob a gestão da diocese local: "Bragança ou Moscovo - Cidade ou Selva". Tudo por mor de um banho menos "vestido", tomado por um grupo de rapazolas no riacho local durante o verão, que indignou as boas famílias transmontanas e provocou igual indignação ao autor do artigo do Mensageiro.
Então se o Louvre cobra entradas, não o há-de fazer o Centro Cultural de Cascais? Isto é alguma selva? Hão-de concordar...

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

o estranho mundo das causas e dos propósitos

Foto daqui
A forma como escolhemos indagar as razões dos furacões que assolam as nossas vidas define a qualidade do impacte que têm em nós. Por quê, ou para quê, são as questões. 
Enquanto na primeira (por quê, por que motivo, por que razão) se procura uma causa, na segunda é a intenção e o propósito que orientam a busca. A diferença entre estas formas de questionar a vida faz toda a diferença.
No porquê, ou na causa, tendemos a atribuir a explicação (ou culpa) a algo exterior a nós, subtraindo-nos a qualquer implicação pessoal no acontecido. Mesmo que se tenha passado connosco e, logo, haverá que questionar por que motivo nos alheamos tão convenientemente da questão.
No para quê, ou na intenção, no propósito, a questão busca de imediato a compreensão de um certo mecanismo das coisas que, com certeza, se traduz numa verdade universal e capaz de se manifestar de forma idêntica para todos.
Por um lado, não gostamos de nos identificar com as causas dos furacões, e por outro, procuramos sempre explicações universais que expliquem tudo. Por alguma insondável razão, aceitamos a incoerência de nos subtrairmos de uma questão e de nos tentarmos identificar com a outra.
O mais simples seria compreender que não faz sentido, aceitando que existem verdades e leis universais que nos afectam, e fazendo nós parte desse universo global, a tentativa de nos excluirmos do que nos acontece, e de encararmos determinadas manifestações como totalmente alheias a nós.
Entender a intenção e o propósito é muito mais importante do que procurar causas exteriores que fogem ao esquema compreensível das coisas e, portanto, ao nosso controlo. Mas se acreditamos em leis universais, por que insistimos em colocar determinados acontecimentos fora do seu âmbito? Se há verdades universais, por que razão queremos alienar delas algumas manifestações? Fará isso algum sentido?
O caos e os furacões surgem destas arbitrariedades que insistimos em defender, contra toda a lógica e todo o senso comum. Sonhamos muito com a ordem, mas teimamos em escolher pensar nas coisas como incompreensíveis e fora do seu âmbito. Complicamos por falta de fé na simplicidade.
Os furacões dão-se na nossa cabeça e teimamos em acreditar que estão lá fora, num sítio de que nos excluímos e que vemos, mas não queremos que faça parte da nossa vida. Mesmo estando à frente dos nossos olhos.
Estranho mundo o nosso, em que antagonizamos causas que elegemos em vez de propósitos. E nas quais investimos mais do que na clareza que organiza o caos. Parece tão mais fácil fazer a escolha certa...

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

grupos, separações e apegos

Green Tara, by Christine McDonnell
Há gente que embirra com grupos. Era o que faltava, rosnam quando falam de igrejas, religiões, maçonaria, claques de futebol, reuniões disto e daquilo, e opus várias.
Esquece-se da empatia natural que nos leva a juntar-nos a outros nos mais variados contextos. Da evidente necessidade de comungar coisas simples ou complicadas. De que nenhum indivíduo entra sozinho num paraíso, num céu ou nas esferas espirituais, pois essa é a mensagem que nos recorda fazermos parte de um todo que, a despeito das aparências, é a nossa essência divina, a nossa salvação ou reencontro com a inequívoca herança com o eterno: a unidade.
Essa é a verdade que preside à necessidade que temos de nos juntar em grupos e de partilhar o que temos em comum.
Quando fazemos parte de um grupo e, na sua dinâmica, introduzimos as diferenças, os pudores, os clubes adversários, as filosofias ou as religiões que antagonizamos, estamos a desprezar a sua função original e única, que é a de nos reunirmos no espírito, apesar de divididos na matéria.
Quando excluímos do nosso convívio de origem divina aqueles que têm formas diferentes de viver e de escolher é do nosso todo que separamos o que não nos agrada, mas que também faz parte da nossa identidade colectiva, da qual nunca estamos separados, mesmo acreditando nisso com os nossos olhos e emoções terrenas, materiais e limitadas.
O grupo sou eu e tu e todos os outros. O grupo é a nossa identidade única, de que todos fazemos parte e que nos leva, em primeiro lugar, a aproximarmo-nos dos outros, dos que nos completam como parte da alma colectiva que é o graal de todas as coisas.
Por isso, que sentido faz arranjarmos mais diferenças para justificar a separação, se o nosso único anseio é a comunhão e a totalidade, o contacto com o espírito eterno e infinito de que todos somos parte? Que sentido faz desligarmo-nos de alguém ou de outros grupos que reconheceremos, mais tarde ou mais cedo, que são o mesmo que nós?
Guerras santas e rivalidades são apenas uma forma de adiar o reconhecimento da plenitude, uma forma de apego ao material que temos o dever de reconhecer e erradicar como um obstáculo à felicidade.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

do delírio de abuso e extorsão

by DarkPhoenix36
Que diferença existe entre as abusivas práticas de ditadores e vilões universais da nossa história global e aquilo que hoje se faz contra os vulgares cidadãos? Que tem de diferente a implementação de medidas legais que permitem que estados e empresas a perseguição de pessoas que se vêem privadas de direitos elementares de defesa e de acesso a trabalho e bens essenciais por incapacidade de cumprirem com obrigações financeiras específicas, criadas e manipuladas pela voracidade de máquinas de enriquecimento imediato, alavancadas numa mentalidade de exploração desenfreada de recursos?
Existe realmente diferença entre monstros e ditadores que se aproveitaram e do poder para perseguir indivíduos e grupos de forma sistemática e os novos gestores e governantes que, na actualidade, usam a sua capacidade de pressão para legitimar práticas desumanas contra os indivíduos?
Com que direito empresas de fornecimento de bens essenciais como água, gás, luz e comunicações se arrogam abusos que comprometem o acesso dos cidadãos a um mínimo de conforto e satisfação, sem qualquer recurso imediato a mecanismos de defesa e protecção eficazes?
Que engenharia financeira legitima a perseguição telefónica e por email de pessoas que ao primeiro contratempo se vêem impedidas de renegociar empréstimos bancários e dívidas tributárias ou de segurança social (nome manifestamente desadequado para o conceito vigente de protecção dos direitos civis)?
Será que temos de aceitar como normal um comportamento que impede cidadãos menos privilegiados de trabalhar por não disporem de meios para pagar as elevadíssimas taxas que "legalizam" o seu direito e acesso ao trabalho?
Devemos considerar normal o abuso que permite aos estados e às empresas regalias completamente opostas e a utilização maciça de meios de coerção para a extorsão de qualquer quantia a que se arroguem o direito de cobrança?
Como se pode explicar que o estado conceda à autoridade tributária a capacidade de cobrança de dívidas a empresas exploradoras de concessões de auto-estradas, depois da massificação de portagens e exclusão de alternativas de acesso púbico gratuito?
O acesso a uma justiça rápida e eficaz, outro direito inalienável, também se distancia cada vez mais dos menos privilegiados e do cidadão comum. A inversão do senso comum e da humanidade a todos devidos é a regra, num regresso a eras de trevas que nada fica a dever a períodos de má memória como invasões, sistemas totalitaristas e ditatoriais, crimes contra a humanidade e outras aberrações.
Há quem diga que se vivêssemos em ditadura não poderíamos expressar livremente a nossa opinião e o nosso descontentamento. Mas até a livre expressão se tornou uma arma para quem hoje tem meios de identificar e conhecer os descontentes, manipulando o seu acesso a outros direitos.
Também se diz que não há comparação entre outras formas de ditadura e a democracia que ainda vigora. Na verdade, o que não há é escala, em graus ou níveis, para a maldade e o que não se deve fazer. Se está errado, é errado. A escolha é simples: ou está bem, ou está mal.
A invenção dos graus de maldade que podem ser legitimamente usados é uma infeliz desculpa do Mal. O Bem nunca prejudica ninguém e as leis de protecção dos direitos civis e humanos só se pode gerir por essa simples norma por legisladores e agentes de justiça de boa e normal intenção.
E fazer porque toda a gente faz nunca legitimou nenhuma prática. E é completamente anormal e ilógico que se exija de alguém que se atire para um poço só porque a desfaçatez legislativa e de práticas criminosas o permite. Além disso, deve ser possível condenar quem propagandeia tais coisas e coage outros à participação nesse delírio colectivo de extorsão e exploração global.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

haja quem vos ature

Kyoto - MARLIES MERK NAJAKA
Do ponto de vista da honestidade do observador, por que haveria ser mais estranho aceitar um país de língua espanhola (castelhana -  eu se fosse aos castelhanos aborrecia-me a sério) na cplp, na mesma semana em que um tipo que foi despedido do cargo de primeiro ministro se anuncia como candidato à presidência da república?
Quase tão natural como dizer que o País é pouco produtivo e está em crise e até precisou da ajuda da troika, quando toda a gente sabe perfeitamente que ninguém empresta dinheiro a ninguém se não houver hipóteses de pagar, e muito caro. (Otários...)
Que haverá de estranho em ter um país corrupto a injectar dinheiro num banco gerido por corruptos, com o beneplácito de outros corruptos? Absolutamente, nada, claro.
Ao menos os tipos do país do espanhol (castelhano) ainda podem afirmar que o português vem do espanhol (não do Galego) e que por isso estão em casa. Isso até é lógico, mesmo que de forma retorcida e pouco simpática. Mas os nacionalismos são assim, uma espécie de discriminação que desune como o raio, mas que toda a gente acha elegante defender.
Também ninguém estranha o abatimento de aviões e consequentes actos de pilhagem em plena Europa do século vinte e picos, o continente que desenhou a civilização tal como a conhecemos. Que há para estranhar quando uns rufiões decidem que vão fazer o que decidiram e já está? Toca a sentá-los todos à mesa com os que não se consideram rufiões e bebem e comem com eles e depois dizem que assim não pode ser, mas continuam sentados com eles à mesa. Diz-me com quem andas...
Agora também rezam todos para que a chapada de criar bicho acabe na terra dita santa e em nome de dois deuses que provavelmente são o mesmo e não tem nada que ver com aquilo. Qualquer pretexto é bom para fazer uma birra e causar sofrimento, digam os livros sagrados o que disserem, que só se lêem as partes que interessam num dado momento, e mesmo essas de questionável veracidade, visto que ninguém se põe de acordo nestas alturas e a verdade tem a simples qualidade de servir a todos do mesmo modo, ou não é de todo a verdade.
Pode concluir-se que muito se teima neste diz que disse que só serve o equívoco e os impulsos para considerar que a mentira ainda continua a ser um meio credível para alcançar a paz, mesmo que a mais elementar coerência nos grite que a verdade e a paz não podem vir de erros, tal como a laranja não pode vir de um rasteiro feijoeiro.
Haja quem vos ature!

domingo, 20 de julho de 2014

o som e o pesadelo

«Ventriloquist» by Martin Wittfooth, New York
A engraçada noção que persistimos em manter do Verão associado a férias, descanso e à tranquilidade com que todos sonhamos é sistematicamente pulverizada pelas dezenas de festas populares, festivais e eventos com que, abusivamente, as autarquias e as grandes multinacionais bombardeiam tudo e todos, dia e noite, e já em todas as estações.
Péssimo investimento é comprar ou alugar casas junto dos locais habitualmente escolhidos para esse tipo de eventos, sejam eles citadinos ou de lugarejos que viram infernos durante a sua realização. Para esses casos não há lei do ruído que nos valha, não há prevaricadores, não há direitos.
Além de esmagarem a concorrência de qualquer agente cultural com os seus mega espectáculos ao preço da uva mijona ou totalmente gratuitos, impõem a sua versão de «alegria» e «vida em festa» a todos os infelizes que se lembrem de viver num raio de dois quilómetros do acontecimento.
Os motivos que levam os grandes decisores nacionais a flagelar toda a gente com este conceito de boa disposição pública só podem estar relacionados com os métodos de tortura mais corriqueiros de qualquer polícia secreta e repressiva, em que a privação do sono e da tranquilidade serviram para espremer vontades contra os direitos e os desejos dos indivíduos.
Será que a lei da causa e efeito proporcionarão aos responsáveis por este flagelo uma encarnação num mundo reduzido a uma gigantesca coluna de som a pairar pelo espaço?

domingo, 13 de julho de 2014

obediência




Autor do famoso poster de Obama, Hope, Farley começou como skater e a desenhar nas pranchas dos outros. Hoje comercializa roupa e posters, é um artista mainstream e insiste em questionar a obediência. E tu, obedeces?




sexta-feira, 11 de julho de 2014