by MMF |
A facilidade de acesso à informação e de comunicação disponível é uma coisa maravilhosa. E parece que vai haver mais, muito mais. A capacidade de gerirmos isso criteriosamente já não é tão maravilhosa e, sinceramente, parece que pode piorar bastante. Ou não.
Um dos aspectos mais fantásticos da tecnologia que nos abre mundos é o poder que nos dá. É a descoberta do que podemos fazer com um simples telefone na mão, redes sociais, botões que nos permitem reagir em tempo real a tudo o que nos chega aos ouvidos, aos olhos e aos rápidos dedinhos que já nascem ensinados a tratar tu cá tu lá com os nossos novos apêndices.
Toda a gente "empoderada", como se diz, toda a gente a saber que importa. Isso é que é viver de acordo com todos os direitos, esses que chegam em nano pedaços de tempo à nossa consciência, prontos a usar, como uma fast food.
Chegam também com uma nova obrigação, a de agradar ao máximo de pessoas, ao máximo de seguidores, ao máximo de indivíduos desejosos de fazer cliques em corações, polegares virados para cima, mãos unidas em gratidão. Um mundo de alegrias e fofuras sem fim.
Até os políticos e os jornalistas aderiram a este mundo sem limites de coisas boas e em tolerância zero para negativismos. Os primeiros porque já aprenderam que os gostos e outros bonequinhos favorecem a sua popularidade. Os segundos porque esquecem os seus deveres deontológicos, a obrigação de verificação dos factos e da verdade.
Neste mundo de emojis felizes e carinhosos, surgiu um pacote de novos pecados: não agradar de imediato, não aplaudir causas como a do queijo que não deve ganhar bolor, não publicar constantemente selfies de intimidades desinteressantes. Entre outros.
Ressalva: partilhar emoções fortes como o cocozinho do cachorrinho acabado de trazer do abrigo, a primeira zanga com a cara metade desta semana, o penso rápido no dedo do pé, ou a t-shirt cor-de-rosa que ficou tingida com a camisola vermelha usada no Natal. Ou outras que podem parecer mais insignificantes mas que, no conforto do sofá, ganham dimensões universais.
Ou seja, todos têm obrigação de nos agradar, compreender e mimar em full time. O problema é como entrelaçamos essa fofura toda com a mesma necessidade dos outros sete biliões de seres humanos do planeta.
Agora que estamos todos tão ternamente ligados, a questão essencial é como adicionamos funcionalidade prática a este mundo arco-íris e livre de dualidades dúbias.
Claro que há sempre os trolls e os maus da fita que jamais terão direito à sua opinião e aos polegares e corações. Gente que se percebe de imediato que não têm desculpa, nem razões aue, aliás, a razão desconhece nesta correria de reacções.
A esses, claro, não faz mal nenhum privar de direitos, estralhaçar, apagar da história dos bons o mais depressa que possam os nossos dedinhos deslizar pelos ecrãs dos telemóveis.
É a nova justiça popular, essa de "apagar" sem misericórdia e com um toque apenas os miseráveis que não fazem cá falta nenhuma. Não no nosso mundinho perfeito e preguiçoso para os lados do contraditório.
A propósito, já está feita a vossa obrigação do dia? Quantos cliques derretidos em cada rede social? Atenção: não mais do que trinta por dia em cada uma delas, não vá a "rede" castigar-vos com um mês de abstenção total.
Peço já desculpa às ditas redes, que não têm obrigações de gente de verdade, de ser boas, más ou razoáveis. Afinal, só respondem mecânicamente aos demónios e aos anjoa que as usam. Esta coisa do perdão público também é uma questão a apreciar noutra roda de letras.
Deixa-me ir embora agora, ao som das flores da senhora que gosta de verniz vermelho, comprar os ramos para si mesma, escrever o nome na areia e falar sozinha horas a fio.