Há histórias que ficam para sempre, como esta do meu pai e do irmão, durante a estada num campo de férias para catraios como eles.
Um dia, à mesa com os outros, vieram os ovos estrelados com o respectivo acompanhamento. Todos se atiraram à comida, que uma refeição é para aproveitar de uma ponta à outra, sobretudo quando a brincadeira já gastou as reservas e o apetite não falta.
Todos, menos o meu pai e o meu tio, que se mantiveram quietos, sem tocar nos talheres. Aquilo causou estranheza ao supervisor da mesa, que tratou de saber se não tinham fome. Claro que tinham, mas os dois estavam à espera. De quê, quis saber o homem.
Do açúcar, foi a resposta. Pronto, estava garantida a atenção de todos e foi-lhes exigida a necessária explicação.
É que em casa os ovos estrelados eram servidos com açúcar, claro. No campo de férias o costume foi pura e simplesmente ignorado. Ou comiam assim ou ficavam sem jantar. E os dois comeram. Mas de regresso a casa, e de novo à mesa, apresentaram o seu protesto quanto ao ocorrido no campo, com a devida indignação.
Foi então que lhes foi revelado que era assim que toda a gente comia os ovos estrelados, sem açúcar. E que se os comiam assim ali, era porque queriam e não havia razão maior para não o fazerem.
O universo familiar está cheio destes chocantes desvios das normas, tão inaceitáveis para os outros como a possibilidade de comer um ovo estrelado sem açúcar.