sexta-feira, 26 de julho de 2019

cat friday

"cat friday" by MMF
Sexta-feira 26 (ou duas vezes 13) e eu aqui a ver onde se meteu o gato preto do vizinho. Não corro o risco de passar por baixo de uma escada, mas não sei se conta o esconso onde estão os caixotes com livros. Abrir o guarda-chuva dentro de casa também não é uma necessidade premente e partir espelhos não calha em caminho. Creio pois que estou safa e posso gozar com genuína tranquilidade a sexta venusiana. Como sou, aparentemente, uma subespécie gerada a partir de uma costela crua e melosa, não vou aliviar-me às casas de meninas. Posso sempre sair com as amigas para uma noite de gatas.

sexta-feira, 5 de julho de 2019

ouvintes


Há sons que chegam como as trombetas do Apocalipse. Fazem-se ouvir uma vida inteira, mas o hábito de os ter sempre presentes torna-nos incapazes de os ouvir. Quando começam a destacar-se dos outros sons entendem-se como ruído, porque a percepção precede normalmente a consciência da sua existência.
O processo de ouvir tem, como tudo, uma receita gradual e com tempos certos, como uma sinfonia estruturada, mesmo exibindo de início falta de um fio condutor. 
Os sons começam por surgir como escolhos, na corrente vertiginosa que compõe as coisas desta vida. Requerem alguma atenção, mas nada que faça sentido e, portanto, são peças descartáveis num puzzle que não apetece pôr em ordem.
Quando atingem um número assinalável de ocorrências, é impossível ignorá-los. Mas pode sempre ignorar-se o sentido que eventualmente possam fazer. O resultado é uma inquietação crescente, como uma dor que aumenta sem ser devidamente cuidada. Os ouvintes desatentos acabam por se ressentir do que para eles é um ruído intrusivo e de código desconhecido.
Os ouvidos físicos estão viciados noutros sons, que fazem grande sentido na ordem habitual das coisas. Quando se começam a ouvir os sons que implicam outras ordens, é como se de uma infecção se tratasse e devêssemos atacá-la com muitos antibióticos.
O problema é que não existem pílulas milagrosas para silenciar os ouvidos que despertam para sons de outra ordem. Há que aprender a entender e a usar em nosso proveito essa nova forma de ouvir. Aceitar que somos ouvintes mais complexos e mais conscientes.
Só então ganham sentido essas trombetas reveladoras. Afinal, o caos deste mundo tomou forma através do verbo divino e qualquer ouvinte deveria sentir-se lisonjeado com o que é, de facto, uma epifania.

[ouvinte - adjetcivo e substantivo de dois géneros: 1. que ou aquele que ouve; ouvidor; 2. substantivo de dois géneros; aluno que assiste à aula sem estar matriculado na escola ou na disciplina.]    

quinta-feira, 13 de junho de 2019

no B-plan-et?


É um facto. Não há plano B para o planeta, nem para ninguém. Não quando passam meses e anos de divulgação de imagens que mostram inundações de plásticos e de fenómenos climatéricos e outras heresias e continuemos todos a coleccionar embalagens de supermercado e a comentar casualmente essas coisas como se fizessem parte de uma realidade paralela.
As nossas tentativas de destruição maciça do planeta estão a surtir efeito. Só que, com mais ou menos plástico, o planeta vai continuar. Vai assistir ao nosso fim, vai reciclar-se e preparar-se para a próxima vaga de parasitas. Mais ou menos conscientes. Logo se vê.
Portanto, preparemo-nos. Estamos a assistir ao fim de um ciclo que não soubémos corrigir ou governar. Estamos a fazer o que criticamos aos políticos, a quem passámos carta branca para arruinar as nossas vidas. A cada um a sua forma preferida de masoquismo, como diria o outro.
Isto é importante? Não deve ser. Vamos continuar a debitar opiniões e julgamentos nas redes sociais. A invejar quem fica com mais um biscoito do que nós e a sonhar acordados com vidas de sonho em crostas de plástico flutuantes. Ou ciclones, degelos ou deslizamentos.
O planeta está sempre a mudar. E nós a sonhar que não precisamos de o fazer. Afinal, o sonho comanda a vida, não é? E os mandantes devem saber o que estão a fazer, certo? E toda a gente tem imensa consciência agora que as redes sociais divulgam tudo, verdade? E que o conhecimento só vai até à página cinco de gurus que para os escrever frequentaram alguns fins-de-semana de formações prestadas por sábios formados em ciclos igualmente breves de sabedoria reader's digest.
De facto, não há nenhum possível plano B quando nem sequer um A chega às dez páginas de resumo. 

quarta-feira, 29 de maio de 2019

nada sério

"trivia" by MMF
Hoje não quero saber de nada sério. Daquele sério que aborrece, deprime, que cria problemas. Hoje é dia para me maravilhar com coisinhas, assim como ir a correr por um prado florido, à Franco Zefirelli no Romeu e Julieta, que depois montes de anúncios de desodorizantes perfumados replicaram.
Hoje é dia para procurar a beleza, não a física, que também é um aborrecimento que não se explica. Mais coisa de pêra madura e apetitosa, e daqueles carreirinhos de minhocas que se descobrem debaixo das pedras. Ou árvores que parecem que falam connosco quando olhamos para cima e as copas são como um chapéu de sombras frescas.
Hoje não vou prestar atenção, por exemplo, às notícias de desastres e guerras e assassinatos, escolhidas de propósito para nos porem a tomar medicamentos produzidos por multinacionais. Se bem que ver notícias horríveis e tomar drogas a seguir faça imenso sentido.
Hoje também não vou para a praia, para não ver o desfile de gente entusiasmada com a ideia de fritar ao Sol e de coleccionar maleitas de pele. Nem olhar para o mar e lembrar-me das ilhas de plástico que por aí andam enquanto continuamos a encher-nos de embalagens redundantes em todas as compras que fazemos. Deve custar muito tomar decisões sensatas quando estamos prestes a ser engolidos pelos dejectos mortais que produzimos. Deve ser pior que morrer afogado, esse enleamento em detritos que nos ameaça.
Pronto, já estraguei o meu dia de pensamentos felizes. 

terça-feira, 28 de maio de 2019

opressão

"opressão" by MMF
Há que enunciar as coisas com clareza. Honestidade também. Só dessa forma se entendem conceitos simples e profundamente esclarecedores. Como o da discriminação, por exemplo, que só tem um sentido: de cima para baixo. Ou seja, de quem pode para quem pode menos. Simples opressão, só porque sim, porque se pode, porque ninguém se atreve a contradizer um mau hábito, uma cobardia aplicada por quem está numa posição de força a quem está menos forte. Pela insuportável dor que a diferença parece provocar em quem aparentemente é muito mais forte. No entanto, a opressão é um ataque e é sabido que só ataca quem medo. E que tanto temem então os poderosos? E os que não atrevem a contestar os poderosos?
Foram precisos séculos para reconhecer que a discriminação contra os negros era uma opressão condenável. E ainda não se erradicou. Quantos mais séculos serão necessários para chamar pelo nome a opressão contra as mulheres, minorias sexuais, étnicas, religiosas ou, simplesmente mais livres de preconceitos paralisantes? Porque é paralisante falar em discriminação e não, simplesmente, em opressão. 
Em rigor, ninguém se pode considerar consciente e honesto se não entender esta verdade. O simples facto de se viver numa sociedade em que prevalece a parte masculina da Humanidade é uma prova inequívoca de que a opressão é uma forma de estar muito bem aceite. E quem é que pode, conscientemente, declarar-se livre de preconceitos sem mentir descaradamente a si e aos outros?


sexta-feira, 3 de maio de 2019

vozes de burro

"vozes de burro" by MMF

A burrice faz-me engulhos. Não por achar que é uma coisa menor, mas por corresponder a um estado do qual as pessoas levam imenso tempo a sair. É um processo e, na maior parte dos casos, há uma urgência qualquer que nos impacienta e nos impede de ver com maior clareza o obstáculo que enfrenta o protagonista da burrice.
Os burros é que levam as culpas, claro, mas se repararmos bem, a criatura apenas não está pelos ajustes e recusa-se a fazer o que lhe impõem. E isso é de uma grande esperteza. Não participar das necessidades dos outros é uma atitude muito saudável.
Já no caso da natureza humana, invocam-se solidariedades e altruísmos para manipular a vontade individual e inventam-se normas para as tornar legais. Muito nefasto para a saúde pública.
Voltando à burrice, é um estado em que o engano do que parece mais fácil embota a capacidade de raciocínio de quem a pratica. O refúgio na teimosia e nos preconceitos é um sintoma do medo que tolhe a acção. Isso pode levar uma vida a resolver e, honestamente, a nossa vida é pouca para toda a acção que nos propomos. Quanto mais para a limitar à espera da dos outros.
Vozes de burro não chegam ao céu, como se diz. Talvez porque o céu não espere por ninguém ou porque o medo se meta pelo caminho. Vou ver se está lá a minha.

quinta-feira, 2 de maio de 2019

propósitos

"may fishy sea" by MMF
Por convicção, não me apetece ser um tubarão e ter de estar sempre a exibir força e predominância. É muito mais fácil e agradável ser um peixinho ao sabor da maré e levar a vida com mais leveza. Os tubarões têm de estar sempre a provar qualquer coisa e não têm o dom da descontração ou a capacidade de aceitar naturalmente o que o destino lhes reserva.
Essa coisa de imaginar um propósito maior e mais glorioso é um dos mais mortíferos preconceitos que existem. Perigoso e castrador. Não deixa espaço para gozar e admirar as coisas simples da vida. Estar por cá já é um propósito suficientemente grande e tudo o que surge a seguir são bónus múltiplos.

terça-feira, 30 de abril de 2019

as meninas vão à praia

"beach day" by MMF
As meninas vão à praia. Porque é terça-feira, ou martes, ou seja, dia de Marte. O regente do vigor, da combatividade e da acção. Portanto, as meninas sensatas vão para a praia repor a sua energia e  ficarem em condições de gozar plenamente as suas interessantes vidas. E para ponderarem na dissolução das imensas formas desinteressantes que têm de deixar de fazer parte da vida. Como as ideias feitas de todo o tipo. Como continuar a pôr o dever à frente do prazer, por exemplo. Sem prazer não há combustível para executar o dever. A ordem dos factores tem muita importância nestas coisas. Por isso, hoje é dia de ir para a praia repor adequadamente os níveis de energia. Sem exagerar, por causa dos escaldões. E sem hesitar, pois só o prazer nos redime e devolve o sentido da vida.

sexta-feira, 26 de abril de 2019

cravos da noite

"26 de Abril de 2019" by MMF
Pronto, acabou o dia da liberdade e podemos, muito tranquilamente, regressar à noite medieval de amplos abusos em que parecemos mergulhados. Ou não. Ao fim de quarenta e cinco anos, muita coisa muda na consciência colectiva. Algumas com muita saudade de um passado que se doira, porque se transforma numa névoa de certezas que hoje sabemos não durar. Outras por inevitável percepção de que o nosso mudo sofreu mutações e que há que lidar com elas.
Hoje, querendo ou não, os cravos de Abril deixaram sementes e espaço para crescerem de uma forma mais madura que nos idos de 74. Um século adiante há outra forma de ver e entender as coisas. A próxima ditadura a vencer é a das mentalidades e para isso não carecemos de tanques e outros aparatos de poder obsoletos.
As novas ditaduras aprenderam o controlo sem sair à rua, atrás dos ecrãs e da informação que generosamente lhes passamos na maravilhosa revolução dos bits e dos bites nas redes sociais e dos cartões electrónicos. Mas como todas as ditaduras, com a sua necessidade de afunilamento, não têm como despejar oceanos em garrafinhas rotuladas. Há sempre muito mais a transbordar e fora de controlo.
A vantagem dos dias comemorativos é a de os transformar em mais uma dessas garrafinhas com grande valor afectivo, que passam o resto do ano em caves escuras e frias e fora da vista e do coração de todos.
Mas se alguma coisa nos ensina a experiência, é que, se os efeitos são visíveis, o mesmo não acontece com todas as mínimas e infindas causas que os despoletam. Só nos apercebemos de um punhado de causas que conhecemos e, as outras, muito mais numerosas, pertencem a uma roleta russa que jamais podemos controlar.
Por isso tenho fé, nas sementinhas, elas próprias causas silenciosas e diligentes, que um dia se hão-de acumular e manifestar, como belas explosões de estrelinhas luminosas, com efeitos muito positivos nas noites  insidiosas com que nos presenteiam. 


quinta-feira, 25 de abril de 2019

não se fazem revoluções sem mulheres

"Women in flying colors" by MMF
Só para começar, não se fazem revoluções sem mulheres. Muito menos quando os seus nomes e os seus actos não se mencionam, como se não importassem ou nem sequer existissem.
Não se fazem revoluções verdadeiras quando se ignora uma metade da humanidade. O que é, literalmente, desumano. Não se fazem revoluções verdadeiras, pelo menos. Faz-se de conta, com umas pitadas de mudança, mas sem ir ao fundo do tacho. Não vão vir ao de cima as verdadeiras questões que poderão estar na origem de uma revolução digna desse nome.
O verdadeiro poder é subtil. Não esmaga, nem deita abaixo. Não é uma questão de força. É só transformação. É pessoal. Não se ilude com massas, mas com a capacidade individual.
Por isso, mais uma vez, não se fazem revoluções sem mulheres. E nada vai acontecer enquanto não armarem as mulheres com as mesmas capacidades que entretanto se veneram: a força, a afirmação material de que podem ao mesmo nível que as suas contrapartes masculinas. 
Porque, infelizmente, ainda é a esse nível que opera metade da Humanidade. É no poder físico e talvez seja mesmo necessário equipar as mulheres com esse tipo de perícia para que o respeito por elas finalmente se manifeste.
Enquanto as nossas filhas não aprenderem, de pequeninas, a defender-se da força bruta, nenhuma revolução vai ter um efeito visível na sua condição de seres à mercê de outros. Enquanto não as enchermos de técnicas de domínio, que parece ser a única linguagem cuja simplicidade está ao alcance dos meninos, nenhuma revolução provocará alguma mudança significativa.
Portanto, só para começar, vamos celebrar este dia com este conceito revolucionário: não se fazem revoluções sem mulheres. Uma ideia é uma semente. Deixeimos crescer e florir estas. E podem ser cravos ou rosas, desde que sejam para as mulheres fazerem a sua revolução.

quarta-feira, 24 de abril de 2019

tudo e tão pouco

"feeling strong" by MMF
Hoje sinto-me forte. Capaz de enfrentar uma tempestade, mesmo que me leve para longe. Mesmo que ponha a nu toda a minha fragilidade. Hoje vou render-me à minha minúscula participação no grande plano global, muito consciente da importância de um grão numa imensa engrenagem. Aceitar que tanto posso ser engolida por ela, como destruir o seu equilíbrio.
Quantas vezes podemos dizer que nos sentimos assim, capazes de tudo e tão pouco? 

segunda-feira, 22 de abril de 2019

girls got dirty today

"girls got dirty today" - MMF
As miúdas sujaram-se hoje. Abandonaram as suas poses bem comportadas e aventuraram-se. Sujaram-se. Experimentaram coisas novas e divertiram-se. Saíram da sua zona de segurança. Descobriram que podem e que isso é importante. As miúdas sujaram-se com muita sagacidade. Sem ligar aos olhares dos outros, ou ao seu julgamento. Daqui a bocado voltam à sua disposição mais formal, sem sujidades, sem nada de novo. Mas hoje sujaram-se e sentiram-se bem com isso.

terça-feira, 16 de abril de 2019

o sentido das coisas

"o sentido" by MMF
Isto podia ser um salmo: todas as coisas fazem sentido, mesmo que a minha lucidez não chegue senão para uns salpicos. E podemos ver sinais em tudo. Como por exemplo no incêndio da Notre-Dame. Numa segunda-feira regida pela Lua e pelo poder feminino, só pode ser para nos lembrar, neste mundo patriarcal, que nada é eterno, nem o menos efémero dos poderes.
Hoje, terça-feira, regida por Marte, masculino e guerreiro, esperemos que não haja para aí mais nenhum líder mundial a armar-se em garnizé e a armar mais um pé de vento para comprar mais iates e jactos que nunca poderá gozar sem a presença de cinturas de segurança. Por exemplo.
Amanhã, quarta-feira, regida por Mercúrio que é o homem das comunicações e do comércio, e também dos ladrões, esperemos que não haja mais desfalques bancários, porque não há economia doméstica que resista a tanta ladroagem.
Já na quinta-feira, rainha jupiteriana da boa sorte e bom dia para quem precisa de remendos médicos, deseja-se que não haja greve de enfermeiros, médicos e coisas que tais. Já repararam que a lotaria das quintas é a mais pobre? Nem a jogar nos entendemos.
Sexta-feira de Vénus é, claro, o dia dos prostíbulos ou do mercado de todas as luxúrias. Não percam, porque só voltam a ter outra oportunidade na semana seguinte. Não é um ritmo fantástico, mas deve-se talvez ao facto de os deuses entenderem que não é a quantidade que traz a felicidade...
Sábado é para descansar, à imagem e semelhança do Criador. Sensato depois das sextas-feiras heróicas e eróticas (assim queiram os deuses). E Domingo é o dia do Sol. O sacana do Adão deve ter aberto a pestana depois de ter caído na ratoeira da serpente (Eva, não te rales que a gente sabe quem leva sempre as culpas) e se ter escancarado num mundo hostil, nuzinho como numa dessas revistas para meninas curiosas.
Estão a ver o sentido das coisas?

quarta-feira, 27 de março de 2019

ciclones da vida

MMF - "Moçambique 2019"

Os ciclones da nossa vida têm o condão de relevar o pior e o melhor em nós. Como a solidariedade exemplar por todos demonstrada na ajuda a Moçambique e a quem calhou a devastação do Idai. Há esperança, pensamos, quando a capacidade de correr em auxílio do outro se manifesta com esta grandeza.
O pior, no entanto, é esquecermo-nos de nós. O que aconteceu em Moçambique e noutros países é o que já está a acontecer em todo o mundo. A forma como tratamos o planeta que nos acolhe revela-se nestes desequilíbrios e manifestações de forças naturais.
De nada nos vale toda a tecnologia de ponta se não entendermos, de uma vez por todas que, sem árvores os nossos pulmões não funcionam, sem água não poluída não conseguimos manter qualidade de vida, sem respeito pelo solo que pisamos ele devolve-nos a violência a que o sujeitamos.
Esquecemo-nos, sobretudo, que para um Idai provocar tamanha devastação, o mal está feito e já comprometemos irremediavelmente o nosso futuro. E continuamos à espera que a delegação do poder nos outros, que já provou ser inadequada, nos salve miraculosamente.
Os ciclones não são avisos. São consequências. E na altura em que chegam é melhor que as nossas consciências se apurem e despertem de uma vez por todas. A bem das possíveis mudanças estratégicas de rumos, de formas de pensar e de viver.
O Idai não foi o único responsável pela catástrofe que se abateu sobre Moçambique. A falta de capacidade de ordenar o território e as populações, a ocupação desenfreada dos solos, o lixo e detritos acumulados, a falta de prevenção deram, ao longo de décadas, uma considerável ajuda aos seus efeitos.
Nada que não se passe em todas as outras regiões do planeta. Mesmo quando os governos consideram que têm tudo controlado. Até que um Idai se manifeste e mostre que não é apenas limpando o lixo das ruas nas cidades que se respeita a Natureza.
A prevenção começa em nós e no entendimento de que, mais um dia a usar desenfreadamente os recursos do planeta como se não houvesse amanhã, significa isso mesmo: inexistência de amanhã. Para nós. Porque a Natureza segue o seu curso e reequilibra-se, sem necessidade de nós para sobreviver. Aqui só estamos como hóspedes e toda a gente é capaz de imaginar o que acontece a quem não se porta bem em casa alheia.

sábado, 16 de fevereiro de 2019

muito mais

"muito mais" by MMF
Todas as pessoas têm o direito de viver as suas vidas sem serem forçadas a acreditar que há pequenos grupos de outras pessoas que têm o direito de decidir por elas e de explorar as suas capacidades para o seu benefício egoísta.
Parar para terem tempo de pensar nisso é um direito e uma obrigação. Para perceberem que existem muito pequenos grupos de outras pessoas que as fazem acreditar que devem obedecer cegamente a regras por elas criadas e que só servem para usufrutos abusivos desses grupinhos.
Os governos dos países, por exemplo, tornaram-se nessas coligações de indivíduos que, obedecendo a pares seus na crença de nasceram para se aproveitar de todos os outros, impõem regras e "verdades" absurdas sobre todas as coisas.
O planeta, a água, os alimentos, o ar e o espaço não se regem pelas leis e regras dos grupos de governantes ou dos açambarcadores de riqueza. Têm um equilíbrio muito bem delineado e, quando ele se altera, não vale a pena apertar as regras para salvaguardar os resultados defeituosos das formas de estar que parecem conceder apenas a alguns o usufruto de um mundo em que todos têm, originalmente, os mesmos direitos.
As obrigações podem ser resumidas ao simples respeito por tudo o que nos rodeia, e por todos, pela compreensão de que nada existe em isolamento, mas em colaboração.
É muito surpreendente assistir à permanente crença e obediência de todos a postulados que não lhes servem, que sentem como errados, mas que parecem ser totalmente incapazes de rejeitar. Só ficamos na mão desses grupinhos porque lhes entregamos a responsabilidade de nos governar e de nos explorar. 
Talvez porque a tentação da preguiça e da fuga à responsabilidade seja mais apetitosa do que a perspectiva de arrumarmos a nossa casa segundo as nossas crenças primordiais.
Ou porque nos recusamos a acreditar na intuição que nos sopra ao ouvido, todos os dias, que isto e aquilo não está certo. E isso parece ser o suficiente para nos paralisar em relação aos abusos cada vez mais cegos de uns poucos.
Uma pessoa não é o que definem governos, empresas, países, sistemas de exploração maciços. É um mundo inteiro, infinitas vezes superior a menorizantes conceitos descritos em alíneas e artigos de regras que têm de ser reduzidas a um mínimo de palavras para caberem e serem fáceis de consultar em manuais. Para serem fáceis de consultar por outras pessoas que acreditam que podem "na ordem" ditada por gente sem consciência ou imaginação.
As pessoas são muito mais do que se obrigam a sofrer. Há, com certeza, escolhas muito mais inteligentes e prazenteiras do que estas que pensamos estar a fazer pela nossa cabeça e não pelos ditames de interesses alheios.
Somos anjos resignados a viver em infernos que devem ser devolvidos aos respectivos remetentes, sem mais delongas.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

amor às carradas

"all the love we can get" by MMF
Amor às carradas, é tudo o que vos desejo. Sem intuitos comerciais, mas com uma intenção muito clara e consciente. E aos que acham que a coisa é completamente lamechas, amor em muitas carradas. Só para que saibam. Só para que engulam a vergonha e deixem de ser pirosos, a negar aquilo por que suspiram a vida toda. Claro que é irritante ver gente apaixonada, sobretudo se não somos nós e ainda por cima estamos na retranca porque não durou para sempre. Paciência. Ponham-lhe tempo em cima que voltam à parvoeira de desenhar corações e produzir mensagens completamente idiotas. Porque a idiotice também nos sabe bem. Ora bem!

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

onde está a indignação?

"ninguém?" by MMF

Talvez seja só eu a ver estas coisas de se 'comercializarem' pessoas em casamentos, ofertas de homens e mulheres para namoros e, agora, cinco garotas por agricultor... Será isto uma actividade legal porque as pessoas se oferecem e dão o seu consentimento? Só por isso se colocam em situações indignas à frente de um país inteiro? Será realmente aceitável permitir que as pessoas se exponham à escolha dos outros, se submetam a argumentos para as filmagens e depois façam ao vivo aquilo que noutras circunstâncias seria um atentado ao pudor, proxenetismo e comércio de sexo e intimidades?
Será que a SIC acredita realmente que está a transmitir um programa sério? Ou a tentar fazer-nos acreditar que acredita em mais do que simples subidas de audiências?
A ser verdade, também ninguém acha estranho que não apareçam casais homossexuais, pessoas de outras raças que não apenas brancos ou praticamente brancos? E ninguém produz um comentário indignado à completa alarvice machista da maioria dos concorrentes masculinos?
O aspecto físico das pessoas conta, claro, mas alguns comentários dos candidatos sobre as suas parceiras fazem-nos pensar de imediato no número de mulheres assassinadas pelas suas contrapartes 'amorosas' que tão gritantes protestos têm levantado ultimamente. E nenhum para estes programas miseráveis que a televisão inaugurada pelo príncipe dos presidentes desta república? Mais uma vez, não acham isso estranho? 
Onde está a indignação de políticos e opinosos quando estas coisas se passam à frente dos nossos narizes e depois vêm filosofar sobre o que está mal na violência sobre as mulheres (e não só), a exigir que se encontrem melhores e maiores formas de as evitar?
Não vêem televisão e por isso não têm consciência das receitas que se alardeiam todos os dias a consolidar os mais tristes e miseráveis conceitos sobre as relações entre pessoas?
Em empresas de entretenimento que se arvoram em órgãos de comunicação social, onde nas redacções as mulheres ganham maioritariamente menos do que os homens, não me espanta que a carneiragem e as exigências do poder patriarcal se façam sentir sobre os seus submetidos. 
Mas não há ninguém, ninguém mesmo que se revolte, se indigne ou, simplesmente, se espante com este espectáculo lamentável que, para ser mais certeiro, passa antes do jantar e antes da família depositar os seus rebentos, sãos e salvos, na cama?
Quem sois vós, afinal? Onde estão as pessoas de bem nestas alturas e antes dos jamaicas e dos números de vítimas chegarem aos ecrãs? Esperava melhor, confesso.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

como num jogo

"como um jogo" by MMF

Como num jogo, leva-se o absurdo a um novo nível de dificuldade, no sentido em que lhes falta cada vez mais o sentido. E, no entanto, condenamo-nos a permanecer no jogo e a insistir em encontrar-lhe algum sentido. A verdade é que, se ele existe, está tão camuflado em camadas e camadas de hipóteses, que só como na lotaria e com uma improvável sorte acertamos na mouche. 
Ora veja-se, por exemplo, os serviços públicos que já nada têm de uma coisa ou outra, entregues que estão à cupidez privada; um sistema político inoperante e desacreditado, que apesar disso se mantém como uma regra de jogo de tabuleiro, em que o acaso dos dados decide arbitrariamente a jogada seguinte; uma comunicação social que virou entretenimento e, para todos os efeitos, de muito mau gosto e qualidade duvidosa; marcas e companhias internacionais de uma venalidade sem limites.
Pior ainda, jogadores que batem com a mão no peito e reclamam uma honra que não podem sustentar, num sistema desenhado para nunca terem razão, a menos que isso sirva os interesses de alguém que não tem a mínima intenção de os partilhar.
Gente, voamos num ninho de cucos em que o jogo de casino para os pobres de espírito é que está a dar. E para os outros, resta-lhes sorrir e fazer de conta que concordam, que é o que fazem os subjugados antes de cortar os bofes aos cães raivosos dos seus donos. É o princípio da sublevação, o sinal que correm ventos de mudança e, um dia, ao acordar, o mundo está às avessas e pronto para a turbulência da imposição de novas regras.
Nem sequer de novos paradigmas, porque esses são dependentes de honestas epifanias correspondentes a um apuramento de consciência, um processo pessoal que não se deve esperar de movimentos de massas.
Como num jogo, se não nos diverte, não nos serve para nada.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

mais saias

"saias II" by MMF
Ainda sobre saias, que são sempre peças elegantes, mesmo nas suas versões menores, o problema é este não ser, as mais das vezes, um mundo elegante. Há quem marche contra o seu fru-fru natural, contra a leveza com que ondulam e parecem sopesar todas as coisas. É como ver uma borboleta e, num impulso, lançar-lhe uma rede e espetá-la com um alfinete num quadro para mostrar como são lindas. 
Ó gente da minha terra, agora é que eu percebi...