segunda-feira, 11 de setembro de 2017

o triunfo dos homenzinhos

© rumoresdenuvens 2017
Já não há homenzinhos desagradáveis de lápis azul a riscar letrinhas no papel. Tornaram-se obsoletos, substituídos por gente muito mais importante: donos de pretensos órgãos de comunicação social que partilham a estranha crença de que são donos de tudo. São igualmente desagradáveis e homenzinhos, mas usam bons fatos e as unhas tratadas, em vez de roupa modesta e cinzenta e mãos sujas de tinta de impressão. 
Há quem diga que são poderosos porque podem, porque são de organizações secretas e obscuras, de partidos políticos influentes, ou empresas milionárias, ricos de nascença, porque têm amizades influentes, ou se associam ao grande capital, etc.
Até pode ser tudo isso, mas a verdade é que estes homenzinhos não são é pessoas de bem. Acreditam que umas quantas oportunidades e muitos mais atropelos lhes conferem direitos e privilégios que ninguém tem.
Por exemplo: decorre a pré-campanha eleitoral mais discreta de que há memória desde os tempos da ditadura. São autárquicas, mas o menino bonito das televisões é um ex-primeiro ministro, talvez pela grande escassez de ideias e argumentos que lança para o éter, enquanto visita locais em que não se passa nada.
Será a era dos telejornais das alforrecas? Da matéria gelatinosa, pegajosa e falha de conteúdo? Salpicada com muitos incêndios e borrascas, que parecem vir de encomenda para a abertura dos noticiários... O Crime, o Correio da Manhã e o 24 Horas fizeram, afinal de contas, escola e sucesso, apesar do desprezo público a que foram votados pelos mesmos jornalistas que hoje os copiam.
Voltando à eminente campanha eleitoral, sem menção de nota pelos serviços noticiosos, limitam-se a um o outro debate cuja finalidade é dar alguma vantagem aos candidatos favoritos dos donos de tudo isto. Mesmo assim, escasseiam, não vão os visados conseguir estragar, mesmo assim, a fraca imagem que já trazem como bagagem.
Todos os outros desapareceram do mapa, à excepção dos cartazes nas rotundas e das arruadas organizadas localmente e jamais relatadas.
São tempos de um estranho protagonismo desses homenzinhos tão bem sucedidos que até temem a própria sombra. Tempos de censura que nem o Estado tem coragem de denunciar. Ditaduras na surra, para ninguém comprometer e não comprometerem ninguém.
É triste observar como a elite dos nossos dias é afinal um montinho de gente pequenina e com medo de ser politicamente incorrecta, uns trumpinhas que nem cortes de cabelo ridículos se atrevem a usar. Aprenderam a deletar os outros a coberto dos teclados virtuais e outras tecnologias de ponta, mas na vida real não há ponta por onde se lhes pegue.
Neste momento o seu maior atrevimento é dissolver uma campanha eleitoral e esperar que cinco mil votos sejam suficientes para manter a legalidade da governação da minoria. 
Até marcam jogos de futebol televisionados para o dia das eleições, para garantir que os poucos prospectivos votantes ainda acordados sejam convenientemente distraídos dos seus direitos e deveres. Mais valia oferecerem livremente bolinhos de maconha a toda a população no dia de reflexão antes do acto eleitoral.
É a censura dos homenzinhos, mais uma vez, e não há quem nos acuda. Desta vez estão em todo o lado, como um vírus extreminador. Sem vacina preventiva.

a importância de se chamar Gabriela

Gabriela Canavilhas

O defeito imediato que se lhe apontou à cabeça foi o de não ser de Cascais e, portanto, de não conhecer o território que se propõe governar. Gabriela Canavilhas provou rapidamente que há contras que são, afinal, vantagens: nada tomando por garantido, estudou a fundo o concelho, visitou-o, rodeou-se de quem vive e conhece a região, falou com muita gente e avançou com segurança com propostas que assume como compromissos.
Neste momento, Gabriela conhece melhor o concelho do que a maioria esmagadora dos cascalenses, que vive trancada nos transportes e nos empregos fora do concelho durante o espaço em que entra e sai de casa. 
Como mulher, constantemente menorizada pela condescendência com que os candidatos masculinos descartam a importância dos adversários do sexo 'fraco', recusa o papel de vítima e não se atrapalha no que exige dos seus rivais. Afinal, é uma discriminação perigosa, a demonstrar que há quem não tenha pejo em exibir publicamente a falta de respeito que tem por metade da população votante.
Gabriela Canavilhas sabe perfeitamente que os seus direitos não estão ameaçados apenas porque um punhado de de indivíduos acredita que as velhas crenças hão-de ajudá-los a manter indefinidamente uma ordem que exclui os interesses de todos em favor de alguns e desonra todos os valores meritórios de humanidade e serviço aos outros.
Porque é de serviço aos outros a proposta que traz para a mesa do governo de Cascais. E após dezasseis anos de maquinações partidárias do mesmo sinal na nossa terra, nem o ónus da ligação aos grandes interesses económicos lhe podem apontar. Emerge assim duplamente capaz de atacar os problemas de raiz com que o concelho se depara.
Gabriela, par feminino do arcanjo mensageiro dos Céus que esteve presente em todos os momentos prenunciadores de uma grande viragem para a Humanidade, é neste contexto a anunciadora das mudanças que, de uma forma ou de outra, ocorrerão em Cascais. 
Pois caso vos tenha falhado um dos seus belíssimos lemas de campanha, pelos velhos mapas não se chega a novos destinos, é fácil perceber como Gabriela Canavilhas abraça a mudança de paradigma (modelo ou padrão a seguir) de que tantos falam e tão poucos entendem, ou fazem tenção de pôr em prática.
Uma nova mentalidade e uma nova atitude são exigências mandatórias para os líderes actuais. Já não há complacência possível para com quem anuncia maravilhas e produz aberrações. 
Gabriela, como artista que é, tem a tenacidade e o ânimo necessários para, nestas circunstâncias aparentemente adversas, acreditar que nada está perdido quando estamos dispostos a recomeçar em qualquer altura.
Como alguém habituado a criar e a confiar no seu instinto, não lhe é difícil imaginar um Cascais completamente diverso do actual. Muito diferente do que é possível na imaginação de quem limita a criação a novas tabelas de taxas municipais e à crença de que se pode abusar impunemente dos cidadãos, em vez de os servir.
A cultura e a boa educação fazem diferença num cenário de jogo viciado em que tudo se reduz, há anos, a impulsos básicos de sobrevivência. De um lado dirigentes demasiado preocupados em manter os seus poleiros que pouco mais conseguem fazer; por outro, uma população votante massacrada por contas astronómicas e uma vida muito diferente da que mostram os anúncios sobre a qualidade de vida da região.
Nem os ricos disfrutam Cascais. Entram e saem ao ritmo das fanfarras popularuchas criadas à imagem e semelhança de quem dirige os tristes destinos da nossa terra. Aos restantes cabe a penosa tarefa de pagar cada vez mais pela estada numa zona de embustes e de banha da cobra televisiva.
Gabriela Canavilhas pode não ter eco nas televisões que apoiam os poderosos por serem dos poderosos. Mas sabe que não são esses que pagam com o seu esforço diário o estilo de vida cascalense.
Sabe que há pelo menos mais uma centena de milhar de votantes com vontade de mudar o que os outros vinte e sete mil impuseram nos últimos quatro anos. Tem uma visão para Cascais que não é um simples avancamento descontrolado.
É com o coração e com muita inteligência que se propõe mudar o que entristece e revolta o coração dos cascalenses. Que as boas obras inspirem o seu trabalho e o futuro de quem delas possa e queira beneficiar.


quarta-feira, 6 de setembro de 2017

há coisas a avancar

(foto daqui)


Há coisas que avancam em Cascais. Avancar é um verbo novo, desses que fica em terra de ninguém e que não implica nem compromete grande coisa. Avancar, avancamos todos, não importa em que direcção, com que intensidade, profundidade e consequências. 
O que importa é avancar. Dar a ideia de que estamos todos em movimento, mesmo que seja para o precipício dos efeitos menos desejáveis. E quem avanca a mais não é obrigado. Não se tortura com estados de consciência, com problemas varridos para debaixo do tapete, com cheias, tempestades e outras calamidades. 
Avancamos todos para o universo das facilidades, da megalomania do betão e do cimento. Dos parques de estacionamento impostos a quem tem direito a ter carro mas não a um espaço livre para o estacionar. Ao enxotamento dos cascalenses para a periferia do concelho para que os turistas possam beneficiar da vista e das bicas super modernas, ao mesmo tempo que compram souvenires fabricados a Oriente.
À universalíssima água de todos nós, vendida a peso de ouro (ora cá está a explicação para tantos ricos e famosos aqui assentarem arraiais). Querem água à borla? Vão para os chuveiros das praias, que já estão pagos com as taxas municipais e também servem para limpar as caravelas portuguesas que se agarram à pele dos banhistas de Carcavelos. Há gente mesmo ignorante e incapaz de avancar...
Avanca-se sobretudo com múltiplos mega eventos em Setembro, a concorrer com a campanha eleitoral e a deixar-nos aturdidos com a oferta previamente paga pelo bolso de todos.
O que faz falta é avancar a malta. E quem avanca, seus males espanta.

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Circo, circo, circo, disse ela

Circo, circo, circo, diz ela (foto daqui)
O debate sobre as eleições autárquicas em Cascais, emitido ontem pela TVI24, teve um único protagonista: Judite de Sousa. Apresentou-se como a jornalista moderadora da conversa entre os candidatos às próximas eleições no concelho mas, de facto foi a encenadora de um dos mais tristes espectáculos alguma vez vistos em televisão.
Começou por convidar apenas três dos candidatos, ignorando os outros sob um qualquer pretexto de exclusão que entendeu não ter obrigação de explicar aos telespectadores. Foi a sua primeira infracção das regras democráticas e do código deontológico dos jornalistas.
Em igual desrespeito do mesmo código, que deve ter assinado para obter a sua carteira profissional e exercer legalmente o ofício jornalístico, numa encenação descarada e de cariz inegavelmente propangandístico, separou o actual presidente e candidato dos outros inervenientes, conferindo-lhe um destaque que fere todas as regras de igualdade e tratamento.
Não contente com as suas más e indevidas acções no exercício de um métier que merece respeito e, desta forma, desonra todos os seus colegas e evidencia falta de respeito pelo seu público, a senhora Judite de Sousa inicia a apresentação dos candidatos pelo actual presidente, vindo no final a atribuir-lhe o fecho das intervenções.
A mesma senhora encarregou-se, durante todo o debate, de interromper sistematicamente os dois candidatos da oposição, nunca o fazendo com o "seu eleito", dando-se mesmo ao trabalho de interpelar os entrevistados e fornecer respostas em seu lugar, proporciando um tristíssimo espectáculo televisivo e pessoal.
Mais do mesmo despudor antidemocrático foi o descarado resultado das respostas do actual edil, que fez questão de manifestar publicamente a condescendência com que mima os seus adversários, desvalorizando-os permanentemente como pessoas de fraco entendimento e eternamente ignorantes das realidades do concelho.
O mesmo desrespeito demonstra na sistemática ocultação da actividade autárquica passível de contestação, dificultando de diversas formas o acesso da oposição e dos cascalenses em geral à informação a que tem direito sobre as grandes decisões respeitantes à sua terra, ignorando o respeito que deve a quem lhe paga para governar e não para abusar sistematicamente do poder que lhe confere o cargo.
Bem estiveram os outros candidatos, pelo contraste imposto pela enferma prestação de Judite e do seu protegido. Mesmo não tendo beneficiado de tratamento justo ou igual. O mal condena-se a si mesmo e não vale a pena explicar esta verdade basilar a quem não tem meios de diferenciar os conceitos de certo ou errado.
Quanto à triste protagonista deste episódio, deveria ver a sua conduta analisada pela alta autoridade competente e o seu título profissional revogado pela mesma ou pelo respectivo sindicato. Prestou um serviço lamentável e passível de justificada condenação.
Ficámos também a saber, em Cascais e no País, que a comunicação social não tem vergonha de privilegiar o poder e de vender a pretensão democrática como uma desavergonhada propaganda. O mal está à solta e, pelos vistos, desesperado por uma vitória a qualquer custo.
Circo, circo, circo, disse ela (Judite, mulher de duvidosas qualidades).

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

pensar devagar


Dei-me conta de que penso devagar. No sentido em que, apesar de pensar constantemente, só raramente entendo e contextualizo o que penso. Por isso vou pensando de forma lenta, cada vez mais lenta. De que serve pensar tanto se não se entende o significado, a causa e o efeito do que se pensa?
Devo fazer o mesmo com a vida, uma vez que ela tanto depende do que pensamos. Se aproveitamos pouco de todo o pensamento que geramos, também só vivemos plenamente umas pequenas porções da vida.
E dou comigo a rir dos raciocínios. Visto esta coisa dos pensamentos tão mal pensados e tudo o que isso acarreta. Assim se avalia a fraca qualidade de qualquer raciocínio. Mesmo dos mais elaborados. Não se acedendo aos factos todos, a todas as causas que se escondem por detrás dos efeitos, só podemos rir da maior parte dos raciciocínios e conclusões que tiramos.
É muita pretensão da nossa parte convencermo-nos de que fazemos escolhas elucidadas e adequadas a todo e qualquer acontecimento. A nossa vida é muito mais parecida com um jogo de que desconhecemos a programação e que nos atira permanentemente para cenários que nunca conseguimos antecipar.
Por isso penso devagar. Nem sequer faz diferença o tempo que levamos a pensar, porque a vida é muito mais alucinada do que podemos imaginar, com tanto bilião de pessoas a pensar caoticamente por todo o lado e a determinar dessa forma as infindáveis variantes do jogo.
Vou continuar a pensar devagar. Não faz diferença a forma como pensamos ou o tempo que levamos nessa ocupação.
O que faz diferença é a forma como passamos a entender os acontecimentos. Não em todos os seus peculiares contornos, mas como bolas loucas disparadas livremente em todas as direcções. A nossa única obrigação é decidir no momento quais apanhar, usar, ou de quais fugir.
Pensar é um jogo, viver é um jogo. As regras são para inventar à medida que rolam os dados.

domingo, 6 de agosto de 2017

acabei de respirar

by Sarah Meech
Acabei de respirar fundo. Deixei que o meu corpo se enchesse todo de ar. Parecia que explodia de vida e de energia. Não prestamos suficiente atenção à alegria que é respirar e sentir como fazemos parte deste mundo. Como dependemos dele para existir e experimentar esta vida. Esquecemo-nos de quão inebriante isso é. 


quarta-feira, 2 de agosto de 2017

campanhas de destruição maciça

Harmony (MMF)


Uma campanha eleitoral não é uma guerra de gangues. Não versa sobre quem tem mais podres, mas sobre o que se pode fazer por um território e por uma comunidade.
As campanhas são um sistema pensado para permitir que alguns indivíduos dêem voz aos projectos que acreditam virem a beneficiar a sua vida e a dos outros.
Não são uma arma de arremesso para tentar dar cabo da vida de outras pessoas num período determinado por lei. Não são para acender guerrilhas em vez de falar do que realmente está em causa.
Quem escolhe vomitar veneno em vez de demonstrar o que pode fazer pela sua terra não merece ser votado como digno representante da sua comunidade. Porque apenas está a demonstrar o que acha aceitável em termos de relação com os outros.
Precisamos de campanhas feitas por pessoas que ajam com educação e respeito, que mostrem o que de facto querem fazer pela terra e pelas gentes, que falem do que está em causa e das soluções com que pensam resolver questões básicas.
É urgente que as campanhas voltem a ser sobre o que torna a nossa vida boa e possível neste planeta e não sobre as lutas de poder entre egos cegos e sôfregos que acham que podem viver numa conta virtual numa offshore, em vez de apreciar a vida num espaço físico equilibrado e tranquilo.
O nosso bem-estar, a nossa felicidade e a nossa durabilidade aqui, e agora, dependem da nossa capacidade de encontrar pessoas capazes de trabalhar em harmonia com os outros e com a natureza. Capazes de recusar todo e qualquer tipo de conflito desgastador e devastador.
É impossível acreditar em quem afirma ser o melhor para uma comunidade quando as armas que apresenta são apenas as da demolição moral e emocional, em vez da inspiração com que se animam novos projectos, da motivação que recupera a fé na vida e na sua viabilidade prática.
São pessoas de bem e educadas, as que precisamos para nos convencerem a sair de casa e votar por algo com sentido, no próximo mês de Outubro. São pessoas que mantêm a noção do que está certo e do que está errado e que, sem hesitações, se recusem a participar de esquemas viciados e malfeitores que nos envenenam a sobrevivência.
Por isso, precisamos de uma campanha limpa, feita por pessoas capazes de manter o foco no que nos vai servir a todos. E não por gente raivosa e disposta a minar e a destruir, e que acredita que todos os meios justificam os fins.
Só que os fins não são apenas uma boa contagem de votos, mas sim o que vem a seguir. O que é capaz de nos tornar mais humanos e felizes na convivência e na partilha do espaço com os outros.

terça-feira, 1 de agosto de 2017

estrelas cadentes

Imagem daqui


Tenho visto pelo menos uma estrela cadente todas as noites. Nunca vi uma estrela cadente, disse-me alguém há um par de dias. Pensei em responder que é preciso olhar para cima à noite, mas era uma conversa que estávamos a ter e às tantas temos de decidir entre olhar directamente para quem temos à frente ou olhar para cima e ver estrelas cadentes.
Noutras ocasiões alguém demonstrou com entusiasmo a minha boa fortuna por ver uma estrela cadente. Como se fosse um sinal dos céus. Acontece que as estrelas cadentes não são sequer estrelas e o céu em que brilham é apenas o limite da atmosfera em que se desfazem com o atrito. Está bem... São pedacinhos de céu também.
Cadente é uma palavra muito final. Adequada, no entanto, à sensação que fica quando a luzinha desaparece, após um instante de brilho. Também não desaparece de verdade, apenas se transforma. Mas como qualquer outro fenómeno ou manifestação, é uma oportunidade breve que se vai em fracções de segundo.
Tudo ao contrário da eternidade, com a sua enunciada paz e perenidade. Ou é apenas um desejo colectivo de que a estabilidade exista, numa qualquer forma concreta? Num universo em que tudo está em permanente mudança e qualquer detalhe imprevisto abre de imediato infindas possibilidades? 
De onde vem essa loucura colectiva que nos incita a procurar a estabilidade a qualquer custo, num universo de estrelas cadentes, em que a única coisa permanente é a mudança?

sexta-feira, 28 de julho de 2017

misteriosos triângulos de fruta



É tudo uma questão de laranjas, rosas e maçãs. As primeiras bem podem ser os frutos da árvore do conhecimento, em vez da maçã comida no Paraíso, que afinal simboliza o pecado de se querer conhecer, o que não faz sentido nenhum. Já as rosas, escondiam os pães no regaço da Rainha Santa. Nada é o que parece e há sempre uma outra forma de explorar a realidade. 
Na minha versão, o sumo de laranja, o perfume da rosa e a tarte de maçã, com ou sem gelado de natas, resumem praticamente todos os segredos deste peculiar trio. 
No entanto, se me lembrar que a atmosfera terrestre é como uma camada de película plástica a envolver uma laranja, encaro seriamente a possibilidade de acabar de vez com os fogos de artifício, a desmatização e a criação intensiva de animais, responsáveis todos eles pelo dano provocado na fína película de plástico que envolve a nossa laranja universal.
O milagre das rosas é um dos meus favoritos, visto demonstrar que podemos tranformar qualquer coisa noutra coisa qualquer. O problema é saber se é mesmo o que se quer. 
No campo dos pecados, o melhor é ficarmos por uma simples dentada inocente na maçã e deixarmos de prestar atenção às más línguas desta vida. E não esquecer a canela na tarte.
Aí está o que resume este misterioso triângulo de frutos. 

A laranja doce foi trazida da China para a Europa no século XVI pelos portugueses. É por isso que as laranjas doces são denominadas "portuguesas" em vários países, especialmente nos Balcãs (por exemplo, laranja em grego é portokali e portakal em turco), em romeno é portocala e portogallo com diferentes grafias nos vários dialectos italianos. 

A rosa (do latim rosa) é uma das flores mais populares no mundo. Vem sendo cultivada pelo homem desde a Antiguidade. A primeira rosa cresceu nos jardins asiáticos há 5 000 anos. Na sua forma selvagem, a flor é ainda mais antiga. Celebrada ao longo dos séculos, a rosa, símbolo dos apaixonados, também marcou presença em eventos históricos importantes e decisivos. Fósseis dessas rosas datam de há 35 milhões de anos.

"Maçã" originou-se do termo latim mala matiana, que significa "maçãs de Mácio"O centro da variedade do gênero Malus é no leste do Turquia. A macieira era talvez a mais antiga árvore que tenha sido cultivada, e seus frutos foram melhorados com a seleção ao longo de milhares de anos.

quinta-feira, 27 de julho de 2017

coexistência


Hoje são árvores, vibrantes. agradeço-lhes que permitam o uso dos meus pulmões. "it's coexistence or no existence" (Bertrand Russell)

quarta-feira, 26 de julho de 2017

a estação do veneno


Abriu a época da má criação, dos ataques, do veneno; e dos elogios cegos. Daqui até às eleições, cidadãos que na maioria das situações exibem um comportamento perfeitamente natural, invocam o que de mais primário existe e atacam violentamente qualquer um que não concorde com o seu líder de eleição.
Pior, os líderes fazem exactamente o mesmo, tornando pré-campanhas e campanhas eleitorais numa competição de insultos e mesquinhices que não acabam. Para ajudar à festa, os média competem na arte de transformar afirmações danosas, ou não, em matéria ainda mais baixa e indigna de atenção. 
Todos acreditam terem público para isso. E depois preocupam-se com os resultados da abstenção...
Quem, no seu prefeito juízo se engaja numa batalha tão sem sentido?

Se não se lembram, é bom salientar que as campanhas eleitorais são sobre as pessoas e o seu bem-estar. Sobre a forma de produzir mais e mais organização e justiça, cuidar de todos e dos seus interesses comuns, de amenizar e alegrar a vida como prioridade.
Mais, é sobre a escolha de pessoas que possam fazer isso mesmo, sem olhar para os cargos públicos como uma forma de enriquecimento pessoal e apenas isso.
É para que o território seja um espaço organizado, limpo e agradável para todos. Onde os erros são reconhecidos, estudados e emendados para que ninguém sofra desnecessariamente com as consequências.
São sobre o que torna a vidas das pessoas melhor e não sobre quem deita abaixo o maior número de adversários. Não são uma competição, mas um trabalho de propostas que todos devem examinar e colaborar para pôr em prática.

Será que há um alinhamento específico de astros ou de circunstâncias que tornem, da noite para o dia, pessoas absolutamente normais em abismos de anormalidade, má educação e irracionalidade? Que pesadelos nos assaltam nesta estação do veneno?

segunda-feira, 24 de julho de 2017

sometimes, roses

'sometimes, roses' - pen on paper, by MMF
Só há uma forma de expressar e libertar emoções: pô-las cá fora. A riscá-las no papel ou a deixar que transbordem em tudo o que trazem, bom ou mau. A vida e o tempo se encarregam de lhes encontrar o equilíbrio e significado. Tudo o resto sao macaquices aprendidas à laia de vernizes, filtros, bloqueios. Mas sabe bem dar-lhes livre curso e não nos amedrontarmos com elas. Todas as rosas têm os seus espinhos. E perfumes delicados. Rosemos... 

sábado, 15 de julho de 2017

estranhos caminhos

'strange ways' by MMF
Estranhos caminhos são os que estão por experimentar. Não são erros, mas realidades que escolhemos explorar ou deixar para trás. São conceitos criados por nós e prontos a utilizar, modificar, enriquecer, abandonar. São estranhos, como filhos que vemos pela primeira vez e não reconhecemos. No entanto, são nossos e ganham existência a partir da nossa iniciativa, das nossas acções, vontades, desejos e escolhas. Por que nos parecerá sempre tão duro aceitá-los? Parece-nos difícil ultrapassar os condicionamentos sociais e culturais, aqueles que julgamos serem a nossa personalidade e, afinal, não passam de noções que nos são incutidas por outros, que também já os receberam de outras gentes. Mas apreciar a verdadeira capacidade que temos de criar, expandindo o conhecimento e a consciência, ampliando conceitos e cenários, não é pura e simplesmente magnífico? Estranhos caminhos são estes que criamos com tanta facilidade que nem os reconhecemos quando surgem à nossa frente, Não são desafios. São possibilidades que já concretizámos e que apenas aguardam mais uns segundos de avaliação e decisão para se transformarem de novo em estranhas possibilidades, continuamente em aberto.

quarta-feira, 12 de julho de 2017

tudo o que venha a baile

by Eiko Ishioka (homenageada hoje pela Google)

Às vezes apetece escrever sobre nada. Não nada mesmo, mas sobre qualquer coisa que surja, sem filtros. Ou sobre a bonita homenagem que a Google faz hoje a Eiko Ishoka, que foi a criadora dos fantásticos figurinos do Drácula de Bram Stoker.
Voltando ao escrever sobre nada: é quase como escrever sobre tudo, com todas as possibilidades em aberto. Gosto de me sentir assim, live para explorar tudo o que venha a baile.

segunda-feira, 10 de julho de 2017

mudança: vamos a isso?



É um facto que somos incapazes de governar as nossas vidas com a coerência e a eficácia que desejaríamos. Senão vejamos: passamos a vida a lamentar-nos e a implorar por mudanças.Tanto o fizemos, que elas estão aí à porta: em casa, nas relações, nas instituições incapazes de funcionar cabalmente, na vida social e política, em que são cada vez mais evidentes as incoerências e a falta de respostas, em todo o planeta, que explode em demonstrações de insustenabilidade.
Toda a gente fala agora de um novo paradigma, mas ninguém o enuncia de facto. Porque o pressentem, porque já está a acontecer, mas são essas mesmas pessoas que lhe resistem, sem se dar conta que, para que este novo paradigma resulte, não podem continuar a repetir as mesmas velhas fórmulas.
Foram essas fórmulas, rotinas, vícios de pensamento que produziram o caos e a incoerência a que assistimos hoje. Por isso, repeti-los só cria mais do mesmo. O novo paradigma é uma mudança de hábitos e de pensamentos, dentro de nós, socialmente, globalmente.
E quem estiver à espera que polícos e líderes resolvam tudo, está no antigo paradigma e só vai sofrer com este. Está na altura de acreditar no poder individual que temos e de corrigirmos o que nos aflige. De acreditar que a mudança só nos beneficia e, afinal, fomos nós que passámos décadas a protestar e a pedi-la.
Ora, cá está ela e só temos de a abraçar e a compreender como a materialização dos muitos pedidos de ajuda que temos vindo a fazer. Vamos a isso?

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

silêncio

"Silence" - MMF jan 2017
Quando o silêncio surge como uma explosão e o observador se torna súbita e maravilhosamente consciente do momento, da magnitude de que faz parte. Do que oculta um ténue véu de pensamentos que nos dispersa. E da força interior que é a verdadeira natureza de qualquer vida. 

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

a arte de crescer

"Na companhia da morte" - Tic-Tac (Teatro Amador de Ciências), Porto
Uma pesquisa no Google sobre artes mostrou resultados sobre actividades artísticas e artes marciais. As primeiras eram as pretendidas mas, surpreendentemente, a linearidade do motor de buscas acabou por fornecer um fio condutor sobre as duas coisas.
Os agentes artísticos reclamam com frequência sobre o pouco público que vai ver o seu trabalho e do pequeno número de espectáculos que cada obra acaba por realizar. 
Sem minimizar o problema da sobrevivência, artistas e praticantes de artes marciais têm muito em comum.
Quem procura e pratica uma arte marcial fá-lo para seu próprio benefício, desenvolvimento pessoal e conhecimento. Faz tudo para se aperfeiçoar e sabe que os benefícios se seguirão. A satisfação que retiram de cada vez que mostram a sua evolução é garantida.
Do mesmo modo, o trabalho para um espectáculo é imenso e precedido de muitos anos de preparação. O resultado é igualmente aperfeiçoado ao longo do tempo e cada um deles manifesta as etapas do desenvolvimento do artista na sua disciplina de eleição.
O público, esse, numeroso ou não, também cresce com as construções nascidas da criatividade e entrega de cada apresentação.
O aperfeiçoamento pessoal está sempre presente para todos os intervenientes, em todas as formas de criação que observamos ou manifestamos. E o ganho é real, em uma ou muitas vezes que se repita o processo.
A vida e o trabalho enriquecem-se com a consciência do impacte que temos sobre uma ou muitas pessoas quando os exercemos e exprimimos com entrega e honestidade.

sábado, 7 de janeiro de 2017

sabendo a que sabe a natureza

"knowing how nature feels" - MMF jan 2017
Dentro de nós está a infinita parte do que somos. A matéria-prima capaz de transformar o mundo real na mais surpreendente das maravilhas ou num inacreditável inferno. Há que determinar todos os dias, todos os momentos, a orientação a dar à experiência que queremos manifestar. Escolho púrpuras e laranjas, explosões de cor com o respectivo eco emocional. Escolho a vida intensa do meu interior às tristes manifestações interiores. Termino e começo todos os dias com o maior dos agradecimentos pelas minhas escolhas. Sabendo a que sabe a natureza. 

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

prayers

"Prayers" - Jan 5, 2017
Desenhos, aguarelas, telas são orações. Não se devem entender como actos aleatórios de criatividade. Os dias em que não criamos são dias em que desperdiçamos a oportunidade de olhar para nós e honrar o potencial que temos. E quando manifestamos essa fonte inesgotável e a dedicamos a alguém, estamos a partilhar o que de melhor há em nós e revemos nos outros.

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

à espera de tudo


Sonolências benignas atacam quando chega a altura de fazer uma lista de desejos, votos ou compromissos para o próximo ano. Naturalmente. Porque o que queremos é tudo. Tudo o que somos e desejamos, para nós e para os outros. Como é possível pôr isso numa lista? Sem esquecer coisas importantes que por aí vêm e que ainda nem suspeitamos o que são?
Como adivinhar o que nos vai acontecer ao dobrar uma esquina, com quem nos vamos cruzar ou os desejos que estão tão escondidos cá dentro que nem sequer sonhamos que lá estão?
É mais fácil descansar a cabeça e esperar que tudo aconteça sem as distrações dos improváveis delírios da imaginação. O que nos acontece todos os dias é bem mais surpreendente do que se pode esperar e há que estar livre para ver tudo sem reservas. 

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

espíritos iluminados

'Christmas Fun' - pen on paper (105x149 mm)

Este ano o Festival das Luzes (Hanukkah) calha a 25 de Dezembro. Nos dias escuros de inverno, acende-se todos os dias uma vela para iluminar o mundo. Jesus também veio para trazer uma nova luz à nossa visão da vida. 
Nicolau, o bem-humorado Pai Natal, desperta a nossa boa disposição e esperança nos sonhos. Como crianças, acreditamos mais nesta altura. Renovamos o espírito da luz e deixamos que nos lembre a fé no potencial da vida.
Partilhamos refeições e presentes com os amigos e a família. Damos e recebemos. Aceitamos, ou permitimo-nos receber, essa luz que procuramos todos os dias, as ideias e os sonhos que perseguimos durante a vida. Descobrimos, no último mês do ano, que é de novo possível alimentar esperanças e deixarmo-nos inundar por essa parte do nosso espírito que mantém a luz acesa dentro de nós.
Lembramo-nos, uma vez por ano, do verdadeiro sentido da vida, do amor que se expande sempre e que tudo torna possível. É a inspiração que nos transporta para um novo ciclo a transbordar de possibilidades e escolhas diferentes.
Uma luz que não se apaga, mas que se esquece quando nos deixamos embalar pela parca e árida visão materialista do mundo. Por que não acabar e começar este e o próximo ano mantendo a nossa chama acesa?
Boas Festas, espíritos iluminados.

domingo, 16 de outubro de 2016

no limbo do domingo

Fotografia: Maria Isabel Mota
Domingos são aqueles dias de limbo, entre o lazer do fim-de-semana e a preparação para a agitação de um novo ciclo de trabalho. Entre o passado e o futuro, a pausa e a acção.
Aqui e agora, são momentos de escolha, de decisões, de karma (acção) a determinar os efeitos que se seguem.
Grandes oportunidades de crescimento pessoal e espiritual surgem logo na sexta-feira (viernes, vendredi ou o dia de Vénus), em que termina o trabalho e se corre para o oposto, o prazer; sábado (dia de Saturno), em que se descansa e se maturam as ideias e os sentimentos pessoais; e domingo (sunday), o dia do Sol e do reencontro com a lucidez e a acção.
Nada melhor do que um dia nublado e preguiçoso para nos presentear com a tranquilidade necessária para preparar mudanças. E o auxílio da fase da Lua para completar o processo.

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

excessos e conflitos

Fotografia de Maria Isabel Mota
O conflito nasce sempre da noção que temos de estarmos separados. Como indivíduos, como corpos diferentes, é difícil lembrarmo-nos de que pertencemos todos à mesma consciência, ou ao mesmo material divino, poderoso e ilimitado.
Quando o conflito surge, o alerta é para a demonização que estamos a fazer do outro, ou dos outros. Não nos vemos como indissociavelmente ligados, a outra escala, e que a beleza está em, apesar da possibilidade da experiência pessoal, não deixarmos de ser um.
A extrema identificação com alguma coisa é sempre uma limitação. Um clube de futebol, um país, uma região, uma raça, uma religião, têm balizas definidas que as separam das outras coisas. E nessas balizas não cabem mais do que alguns pormenores.
É um erro confundir algumas identificações com o potencial ilimitado de que dispomos. E essas identificações excessivas, pouco dispostas à maleabilidade, é que suscitam o conflito. 
Assim como as rochas que, com a sua aparência de invencibilidade, se sujeitam à erosão de ventos, águas e areias, também sofremos na pele o desgaste dos limites que nos impomos. No final, como as rochas, desfazemo-nos no pó e no resto dos elementos, voltando à natureza que nos deu corpo, mais uma vez parte indissociável do todo.
Devíamos entender o conflito como a nossa resistência ao entendimento do nosso papel no conjunto das coisas. E ter a coragem de alterar de imediato a nossa postura, para eliminar o sofrimento e o desgaste em que nada se ganha.
Pensar ainda que, como consciência colectiva, não é só a nós que prejudicamos com os nossos limites. Como uma infecção, contaminamos tudo à nossa volta. Inocentes, espectadores passivos e quem participa do conflito. Todos perdemos.
Evitar o conflito é assumir que os resultados jamais serão os que esperamos, uma vez que não há acordo possível. Não será então mais inteligente prescindir dos limites excessivos e rendermo-nos a uma paz sem sofrimentos adicionais?

sábado, 1 de outubro de 2016

memória

fotografia de Maria Isabel Mota
O teu medo diz-te que o teu ponto de atracção não inclui o desejas. (Abraham-Hicks)

A memória não é tudo o que somos. Nem sequer é fiável, porque se mistura com a imaginação para preencher as lacunas que o tempo vai deixando. É uma gaveta onde guardamos fragmentos de coisas que depois nos aparecem desligados de outros contextos que não as emoções que nos suscitam.
Ainda por cima está deslocada no tempo. Nunca se refere ao presente, que é o sítio onde estamos agora e devemos viver. E sendo um punhado de fragmentos, a razão porque insistimos em nos identificar com ela é apenas por ser uma espécie de âncora da nossa existência. Uma base de dados, um caderninho de apontamentos para não nos esquecermos de que estamos nesta vida.
São notas que não temos de repetir, embora isso nos pareça muito seguro, uma questão de carácter ou qualquer outra crença limitativa.
A memória transmitida pelos nossos pais, com o objectivo de nos proteger de coisas que ameaçam a integridade física é o que nos permite aprender a conhecer as limitações do corpo físico. Mas vêm acompanhadas das memórias pessoais deles, que não correspondem a uma experiência pessoal e, no entanto, tendem a moldá-la.
Alerta-nos para muitas situações desfavoráveis, possibilitando escolhas mais avisadas, mas mesmo assim não é tudo o que somos. Há infinitas possibilidades para viver, experimentar, gozar.
Confiar demasiado na memória ou insistir que é ali e apenas ali que devemos ficar é uma negação do possível. É uma afirmação do nosso medo de avançar. E a recusa de partirmos em busca do que desejamos.
Uma ferramenta é útil quando a dominamos e usamos para o que foi desenhada. Mas não nos passa pela cabeça definirmo-nos como um martelo ou um alicate e andar por aí a dizer que somos um ou outro. Podemos usá-los para atingir o que queremos e fazê-lo de forma criativa, mas isso é apenas uma gota num oceano.
A memória regista, não cria, não muda. Mas influencia determinantemente as nossas escolhas e decisões. É importante conhecê-la e dominar as suas qualidades, mas não viver em função dela. É apenas parte da nossa colecção de manuais de vida, não a vida toda.
Os seus registos incluem muito medo, todo passado. Não é necessário projectá-lo também no futuro, um exercício que não nos tira da cepa torta.
Se a memória passa de aviso a medo, são dois alertas que recebemos para perceber que estamos a afastar-nos do que realmente queremos. Há sempre outra forma de ver as coisas e, sobretudo, muito mais a viver além das encolhas do medo. Sem outros limites que os da coragem e da vontade. Acção!


quarta-feira, 28 de setembro de 2016

'Sexo Inútil', de Ana Zanatti: honestidade e senso comum

Capa da Sextante baseada numa obra de Tim Madeira e Ana Zanatti; fotografia da autora de Inácio Ludgero
A primeira razão para se ler O Sexo Inútil, de Ana Zanatti, é a facilidade com que se começa e acaba a leitura. Alguns livros, como este, têm o condão de nos manter suficientemente interessados para não descansarmos enquanto não chegamos ao fim. Não se assustem, pois, com o facto de ser um ensaio, e longo, porque se lê como um romance, embora não o seja. A autora é uma grande contadora de histórias e demonstra-o aqui muito bem.
A segunda é por ser um livro que se pode dar a ler a qualquer pessoa. Sem receio de chocar ninguém , porque tudo é dito muito directamente, mas sempre de forma muito correcta. "Apesar do meu fraco apelo por experiências radicais, a minha natureza que tende para a harmonia, a conciliação e a paz, perante a liberdade ameaçada reage explosivamente. Era assim e assim se mantém." (pp. 464), escreve a autora. A sua explosão surge, no entanto, da honestidade interiorizada, não da defesa que despoleta o ataque gratuito.
Ana Zanatti diz tudo o que deve ser dito, sem afrontar ninguém. Não se esquece de ver o outro lado e evita os julgamentos de valor que não passam também de preconceitos. E esta é a terceira razão para ler o seu livro.
Outra boa razão (quarta) para meter o nariz nesta não ficção é o facto de fazer um bom apanhado de todos acontecimentos que promoveram a visibilidade e os direitos lgbti em Portugal e lá fora, assim à laia de história muito breve. As notas são informativas, extensas q.b. e não perturbam a leitura. Além disso, a autora adiciona inúmeras referências a escritores e obras com excelentes contributos para alargar os nossos horizontes como leitores e como seres humanos interessados em fazer da vida uma experiência com sentido.
Depois, cada capítulo tem o título de um filme, o que nos obriga a pensar numa maratona cinéfila de livro na mão, a viajar pelas pequenas e grandes inspirações que deram origem a uma classificação desse tipo. Sugestivo e a adicionar como quinto motivo para se ler este livro.
O fio condutor de todo o trabalho é a longa troca de correspondência com uma jovem cujos problemas cativaram a atenção da autora. É fácil a identificação do leitor com inúmeras experiências de ambas. Mais fácil ainda se percebermos como determinadas posturas são comuns a todos nós e não se restringe ao âmbito da orientação sexual. Sexto motivo do interesse desta obra.
Por fim, destaque para a compaixão implícita nas suas quinhentas e muitas páginas. No sentido do amor pelo outro e por um honesto esforço para o entender. Na correspondência, nas entrevistas feitas com homossexuais e familiares, e nas reflexões da autora.
A mudança em nós não se dá sem o contributo dos outros e, só com essa transformação pessoal podemos almejar um comportamento diferente dos que nos rodeiam. A discriminação com base na orientação sexual é apenas mais um pretexto para conformar a nossa liberdade aos limites de crenças insensatas, que surgem de escassas ou inexistentes reflexões sobre o que pode ou não pode acontecer na nossa vida.
O sexo inútil é, por todas as razões acima, um livro útil para quem não se conforma e mantém dentro de si a noção que tudo pode ser melhor se amadurecermos ideias mais correctas sobre o que é realmente a nossa liberdade como indivíduos e como sociedade. Com honestidade e senso comum, como nos sugere Ana Zanatti.


sexta-feira, 16 de setembro de 2016

não desistir de nós

foto: Maria Isabel Mota
If I fall short, if I don't make the grades' / If your expectations aren't met in me today / There is always tomorrow, or tomorrow night / Hang in there baby, sooner or later / I know ill get it right, // Please, don't give up on me / Oh please don't give up on me / I know its late, late in the game / But my feelings, my true feelings / Haven't changed / Here in my heart // I know, I know I was wrong, wrong wrong, wrong, wrong, wrong / I'd like to make amends for the love that I never, ever, ever, ever shown / Just don't give up on me, every word is true // I'll give you my everything, all of my love,all of my love, all of my love love love / Just don't give up on me / Oh please, please, please / Don't give up on me. // I don't want you to / I know its late, but wait, please, please, please, please / Don't give up on me / Promise, will you promise / will you promise me / Please don't give up on me // We can make it if we try / I'm gonna hold on, hold on with me'
And don't give up on me, oh-ooh, -oohohoooh -baby / Oh baby, Oh baby, please, don't-give-up-on-me / Whatever you do, we gonna make it, gonna make it through / Don't you give up on me, please, please, please Promise me / Don't-give-up-on-me.
(Autores: Bucky Hoy Lindsey, Carson Whitsett, Dan Penn; intérprete: Solomon Burke)

A arte tem uma forma subtil de nos conciliar com a nossa verdadeira natureza. De revelar verdades escondidas, ou esquecidas, sincronias connosco e com os outros. Por isso nos emocionamos com as manifestações artísticas, mesmo sem entendermos porquê. Procuramos explicações inteligentes sem nos darmos conta que as emocionais já nos disseram tudo.
Uma canção de amor, aparentemente dirigida a algo ou alguém fora de nós, é afinal uma grande oração de amor a nosso favor. À nossa imensa capacidade de amar e necessidade de manter esse amor, e a esperança que lhe está associada, como uma chama sempre acesa.
Uma oração de amor também ao outro, num reconhecimento instintivo da unicidade que nos liga e se revela igualmente no amor que lhe dedicamos.
Como diz a canção, é importante não desistirmos de nós e mantermos viva uma promessa nesse sentido. Uma invocação do melhor que há cá dentro não é jamais uma oração em vão. É a esperança e a concretização, na lembrança, dessa força divina que nos move, justifica e apenas necessita de um gesto mínimo para se manifestar.



quarta-feira, 14 de setembro de 2016

causa e efeito


Perceberam agora por que está tudo mal na vida, no planeta, nas politiquices e outras mesmices? Anda tudo em cambalhota e o que se faz vira efeito e esse vira uma acção ainda mais disparatada do que a anterior. A boa notícia é que se pode parar a qualquer instante e fazer melhor para receber um efeito igualmente melhor.
Agora saiam lá de casa para depositar a vossa confiança em dirigentes que atropelam tudo e lançam o mundo no caos. Ou não e comecem a fazer o que vos interessa para mudar o que também é do vosso interesse.
Mais simples do que isto é difícil. Mas parece muito mais interessante perder tempo com especulações fúteis e aparentemente muito inteligentes, não é?

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

let it rain


"Podemos criar qualquer aliança que desejemos com o universo." Portanto, que venham, que chovam. E que correspondam exactamente ao que desejamos. Sentir é receber. 

terça-feira, 6 de setembro de 2016

a sede fortalece a busca

fotografia de Maria Isabel Mota
o deserto não se esvazia
e a sede fortalece a busca.

O sentido que não se encontra nas manifestações exteriores a nós tem, afinal, a virtude de nos conduzir a uma outra forma de ver as coisas. Se um caminho se esgota, muitos outros se abrem e há que ter o bom senso de não fechar os olhos às possibilidades que nunca se consideraram. 
O desejo, a sede, é o que nos impulsiona na experiência da vida. E não é a escassez que o orienta, mas sim a fé na inesgotabilidade das nossas opções. Tenhamos com essa fé a lucidez de nos lembrar, todos os dias, de agir sobre essa latente e constante revolução interior, e de colher com alegria as suas flores e os seus frutos. 

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

paz


A paz é um direito. A ser reclamado com insistência. Só em paz somos capazes de recuperar a nossa lucidez e a nossa experiência de uma vida sem o massacre constante de grupos de pressão apoiados pela propaganda a que indevidamente se chama hoje informação. Paz para usufruir de um tecto, de um trabalho, de uma refeição, de experiências mais felizes. Não é tudo, mas é o princípio essencial para se atingir o resto.  

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

nómadas felizes no fim do verão


Estar e bem-estar. Preguiçar finalmente de grandes emoções ou reacções. No fim do verão, com Setembro por fundo e banhos de sol tardios nas dunas. É uma sensação física que reflecte uma condição interior, a consciência de qualquer coisa que termina para dar lugar ao que por aí vem. A antecipação de um recomeço sem a pressão das expectativas.
Setembro é um mês para nos sentirmos em casa. E também para sentirmos a mudança que pode acontecer a qualquer instante. Somos nómadas felizes quando paramos para esperar em silêncio o momento de escolher um novo caminho. 

domingo, 28 de agosto de 2016

de amores com a vida


Uma história de amor com a vida, que não precisa de outro objecto senão o da sensação desta experiência. Nenhum amor é mais completo e incondicional. Neste amor não há desistências. Apenas dias que se seguem a dias de total enamoramento. 

sábado, 27 de agosto de 2016

a lucidez do amor


E se for só isso? A lucidez proporcionada por uma emoção? O segredo de tudo, a porta para a compreensão do que move a vida? Mesmo quando há hormonas a ajudar à festa e a misturar o físico com o emocional? Não se dará o caso de projectarmos fisicamente as nossas necessidades emocionais? Ai que adoravelmente burrinhos somos... 

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

recomeço

foto MMF 2016

Se ao menos todos os dias me lembrar que recomeço. Numa lembrança singular, sem mais memória. Porque a memória é uma espécie de arquivo geral sem discriminação e sem outro uso que o da culpa, como se fosse possível arcar com mais responsabilidade do que a dos efeitos resultantes de todas irresponsabilidades passadas.
Sofrendo os efeitos expiamos esses actos insensatos, arrumamos o processo. É importante entender que, expiado o passado, não devemos manter-nos lá e sim começar de fresco, todos os dias. Com um nascer do Sol, efeito aleluia, infusão de alegria logo pela manhã.
Recomeço sem pesos, sem nada. Nem expectativas fúteis, pois qualquer possibilidade, aceite assim sem pré-conceitos, sem os limites da memória ou as pretensões da imaginação por ela limitada, se torna mais extraordinária do que os julgamentos crêem ser possível.
Nada de listas, nada de planos. Apenas a aceitação do verdadeiro potencial de cada dia. Sem o azedume das memórias paralizantes, ou aquilo a que chamamos imaginação e não é senão o desespero da projecção de todas esperanças num futuro improvável.
Porque se nos deixamos entalar entre a memória e esse futuro imaginado, perdemos a única ferramenta capaz de alterar a realidade: o recomeço no presente, a acção agora, que estabelece as causas a moldar os efeitos a seguir.
A memória abafa o presente e a acção, a capacidade de reconhecer e confiar no potencial de fazer acontecer. É uma riqueza mesquinha que achamos muito preciosa e, afinal, são pesos que nos prendem a sítios e situações que já se deram e nos impedem de avançar e observar que há realmente outra forma de ver e de viver.
Por isso recomeço todos os dias, ou em qualquer momento, com uma confiança total em tudo o que ainda há para viver e criar. O desespero só acontece na prisão da memória. A fé é a cofiança de que há muito mais do que experiências passadas, se ao menos permitirmos e aceitarmos que há toda uma variedade de novas experiências que podemos escolher e ter a partir de agora.
É isso viver no presente, carpe diem e o tal salto de fé, que afinal não é cega, mas sim um sinal de inteligência pragmática e muito bem orientada.

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

sobre fogos e consciência


Vemos apenas um por cento (ou muito menos) do que na realidade existe. Acreditamos que rodamos pacíficamente em torno do Sol, quando na verdade circulamos a uma velocidade difícil de imaginar atrás dele. Achamos que há espaço vazio entre nós e o que existe à nossa volta. Não temos consciência da energia que nos enforma, nem da sua interacção com a energia dos outros e de tudo o que nos rodeia. Temos uma paupérrima percepção do que é realmente a vida e ainda pior das razões pelas quais existimos nesta e noutras formas.
Somos escassos. Nos nossos modos, na nossa forma de pensar, na curiosidade com que devíamos orientar a existência. Ver para crer é uma máxima perigosa quando as limitações são reconhecidamente a coisa coisa mais abundante de que nos munimos durante a vida.
Não por falta de escolha, mas porque não prestamos qualquer atenção ao que se passa no presente. Achamos que devemos dar muita atenção ao passado, que depende de uma forma de memória de que não conhecemos realmente os contornos e usamos mais ou menos como nos dá jeito e com a ajuda de muita imaginação para preencher as brancas. 
Preocupamo-nos um horror com o futuro, como se ele realmente existisse no presente, desperdiçando um tempo precioso a adiar dessa forma a vida de todos os dias.
Mais grave ainda, acreditamos que devemos expiar culpas passadas, nossas e colectivas, sem nenhuma alternativa ao que está feito e não tem remédio. Sem sequer pôr a hipótese de que a culpa não interessa nada, porque o passado produz efeitos, mas os efeitos que produzimos não agindo agora sobre o que nos prejudica é que nos condenam. Sem perceber que as acções passadas não deviam induzir culpa, ams sim acções presentes que nos libertem dos efeitos criados no passado.
Não acreditamos em milagres, mas no fundo, esperamos todos que eles aconteçam porque, por alguma incompreensível razão, algo nos diz que isto não pode ser tudo, que tem de haver alguma coisa que iguale o paraíso existencial com que sonhamos e conversamos todos os dias nas nossas cabeças. 
A verdade é que não somos educados para questionar o que os outros nos transmitem como sendo um conhecimento seguro dos factos básicos da vida. Pelo contrário, somos consistentemente encorajados a aceitar a experência dos outos como o pilar básico da nossa. Não pôr isso em causa é mesmo considerado uma espécie de bóia de salvação para todas as situações. Como se a imaginação de que dispomos para preencher a nossa ignorância não existisse também nos outros e não fosse também o elemento alienador da realidade de que todos sofremos.
Porque acreditar na nossa imaginação é o único elemento de fé e esperança que nos permitimos, cegamente. Pouqíssimas vezes caímos na realidade e nos permitimos admitir o carácter suicida do desespero que nos faz aceitar a imaginação como realidade, em vez de a usarmos como um instrumento para questionar as verdadeiras causas e efeitos do que está de facto a acontecer.
Viramo-nos para a nossa versão idealizada do misticismo em busca de salvação, esperando ainda e porque quem espera sempre alcança, sendo o que se alcança uma miragem de um oásis num deserto que não nos inspira nunca uma total confiança.
Portanto, não prestamos grande atenção ao que o momento presente nos mostra, gastamos todo o nosso precioso tempo a cirandar entre passado e futuro, incapazes de firmar os pés no presente, de parar e de concentrar os nossos sentidos no segundo que passa e que é o ponto de partida de tudo o resto. Nada mais interessa, nada mais é controlável, nenhum outro momento é tão importante como aquele em que podemos tomar a decisão de mudar os contos de fadas do passado e do futuro e começar a viver. A aproveitar a vida como ela se proporciona na realidade.
Ora, se alguma coisa o conhecimento das religiões e dos misticimos nos ensina, é que essa a forma de disfrutar a existência plenamente é possível e está à disposição de qualquer um. Os métodos têm muitas roupagens, aparentemente diferentes, mas convergem todos no essencial: há uma outra forma de 'ver' a realidade; há todo um mundo além dos nossos escassos cinco sentidos, para entender e descobrir o sentido da vida.
A nossa escolha, no entanto, é ignorar a sensatez dessa informação. Por uma razão bem clara: é verdadeiramente assustador compreender que fazemos parte de um todo, de que dependemos e que depende de todos os nossos ínfimos passos para se manifestar da forma a que assistimos todos os dias.
É realmente difícil de engolir que não podemos alancar todas as responsabilidades a um ou vários deuses, que determinam sozinhos as causas e efeitos de todas as nossas acções, do nosso carma ou do nosso fado.
É quase insuportável compreender que a nossa responsabilidade no que se passa connosco, e no mundo que estamos permanentemente a criar com as nossas escolhas e actos, é afinal a grande mão divina na nossa existência. E não dessas criaturas de superpoderes que a nossa imaginação criou para viver irresponsavelmente o seu dia-a-dia.
Há provavelmente mais forças além das nossas, há com certeza um mecanismo superior de equilíbrio que se sobrepõe ao nosso instinto suicida de deixar rolar tudo pela encosta abaixo e seja o que deus quiser. 
E para início do entendimento, há sem dúvida uma consciência global e em que podemos encontrar a clareza suficiente para agir de acordo com os nossos melhores instintos e experimentar felicidade e harmonia em vida, sem atirar para outra misteriosa existência o desejado paraíso.
Podemos começar por não destruir outras partes do mundo que sustentam o nosso corpo nesta existência, como a flora de que dependem os nossos pulmões para subsistir. Podemos resistir a correr atrás de uma economia imaginada por quem não distingue a realidade da ficção, dos mundos virtuais em que para uns ganharem outros têm de perder.
A nossa acção neste momento é a fundação do que se passa a seguir e, se queremos que isso seja bom, então temos de produzir coisas boas. Sementes boas dão frutos bons e esse é todo o mistério necessário à vida. Só nesse equilíbrio de causa e efeito teremos a paz necessária para pensar e usufruir de uma existência de sonho e não de pesadelo.
Somos constantes criadores da nossa realidade, com as nossas acções e os nossos pensamentos. É essa a experiência que queremos viver e é bom que a moldemos de acordo com os melhores propósitos e as melhores intenções. Conscientemente.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

notícias


Não há como iludir a saudade dos tempos em que era possível pedir um café matinal e folhear os jornais com alguma avidez pelas notícias do dia. Faz falta a ingenuidade que permitia creditar que toda a informação era importante e que o serviço do jornalismo era de uma imensa utilidade pública.
Saudade também da figura do jornalista que acreditava no seu dever de contar histórias que a todos interessava ler, comentar, discutir. Numa altura em que a necessidade de saber o que se passava acordava com o pequeno-almoço e era uma busca, Em vez da cascata impositiva de textos preparados para moldar opiniões e modos de vida.
É impossível não ter saudades da credibilidade dessas pessoas que trabalhavam sem horas para transmitir notícias prementes, em oposição aos copistas cansados que agora não têm horas nem como discriminar o certo e o errado dos textos automáticos com que preenchem os programas de edição.
O trabalho é mau, a paga é miserável, as cabeças ocupadas com a sobrevivência e as vontades constantemente violadas pelo espectro do desemprego se não houver uma cega obediência à ditadura das empresas de comunicação.
Como é que gente com vocação para explorar as novidades intermináveis de um mundo com uma crescente tendência para se revelar chega a este nível de submissão inaceitável? Como é que alguém apaixonado pela necessidade de escrever e comunicar se deixa enterrar para sempre no lodo dos cenários dantescos de uma sociedade submetida à escravização?
Quando e como é que a investigação se substituiu pela consulta de obscuras fontes online e pedidos por email com respostas sancionadas por autoridades sem nome ou rosto?
O lápis azul era uma brincadeira de crianças em comparação a esta nuvem (cloud?) de controladores de informação. 
E, no entanto, há quem ainda acredite que faz um bom trabalho e que pensa livremente quando se exprime em notícias, artigos e crónicas redondinhas, que nunca partem um prato, nem serão jamais motivo para pôr em perigo o parco, mas certinho, salário. 
É o triunfo do espírito do funcionário público de antanho, exportado com um tremendo êxito para todas as áreas do trabalho, imbatível no seu objectivo de sujeição de toda a humanidade, ou falta dela.

quinta-feira, 9 de junho de 2016

cartas de amor


Todas as cartas eram um acto de amor. Papel, sobrescrito, caneta de tinta permanente ou mera esferográfica. Escritas à mão, sem erros nem borrões, com intenções bem descritas numa linguagem impecável. A comunicação tinha sempre importância, sem abreviaturas, atalhos ou hiperligações. Nenhuma carta era banal. Tomadas a sério, eram um investimento material, de tempo e de resolução mental.  

domingo, 1 de maio de 2016

quando se é tudo

Change by Marita Moreno Ferreira
Quando se é tudo não se pode deixar de ser isto ou aquilo. A vida vai acontecendo e a única coisa que se pode fazer são escolhas, esse desígnio pessoal e pontual a que se chama livre arbítrio. Que nada mais é que uma opção momentânea a definir que rumo se toma numa ocasião específica.
Num instante somos uma coisa e no outro mudamos completamente, por vontade própria ou alheia. A mudança é uma qualidade inerente a esta vida, em que nada permanece e a seguir à noite vem o dia, o frio sucede ao calor e este de novo à falta dele, a boa disposição se arruina com um mau momento.
À noite podemos esquecer a vida e acordar de novo para a experimentar mais uma vez. Ou tentar forçá-la a dobrar-se à nossa vontade em vez de nos deixarmos levar pela corrente.