sábado, 16 de fevereiro de 2019

muito mais

"muito mais" by MMF
Todas as pessoas têm o direito de viver as suas vidas sem serem forçadas a acreditar que há pequenos grupos de outras pessoas que têm o direito de decidir por elas e de explorar as suas capacidades para o seu benefício egoísta.
Parar para terem tempo de pensar nisso é um direito e uma obrigação. Para perceberem que existem muito pequenos grupos de outras pessoas que as fazem acreditar que devem obedecer cegamente a regras por elas criadas e que só servem para usufrutos abusivos desses grupinhos.
Os governos dos países, por exemplo, tornaram-se nessas coligações de indivíduos que, obedecendo a pares seus na crença de nasceram para se aproveitar de todos os outros, impõem regras e "verdades" absurdas sobre todas as coisas.
O planeta, a água, os alimentos, o ar e o espaço não se regem pelas leis e regras dos grupos de governantes ou dos açambarcadores de riqueza. Têm um equilíbrio muito bem delineado e, quando ele se altera, não vale a pena apertar as regras para salvaguardar os resultados defeituosos das formas de estar que parecem conceder apenas a alguns o usufruto de um mundo em que todos têm, originalmente, os mesmos direitos.
As obrigações podem ser resumidas ao simples respeito por tudo o que nos rodeia, e por todos, pela compreensão de que nada existe em isolamento, mas em colaboração.
É muito surpreendente assistir à permanente crença e obediência de todos a postulados que não lhes servem, que sentem como errados, mas que parecem ser totalmente incapazes de rejeitar. Só ficamos na mão desses grupinhos porque lhes entregamos a responsabilidade de nos governar e de nos explorar. 
Talvez porque a tentação da preguiça e da fuga à responsabilidade seja mais apetitosa do que a perspectiva de arrumarmos a nossa casa segundo as nossas crenças primordiais.
Ou porque nos recusamos a acreditar na intuição que nos sopra ao ouvido, todos os dias, que isto e aquilo não está certo. E isso parece ser o suficiente para nos paralisar em relação aos abusos cada vez mais cegos de uns poucos.
Uma pessoa não é o que definem governos, empresas, países, sistemas de exploração maciços. É um mundo inteiro, infinitas vezes superior a menorizantes conceitos descritos em alíneas e artigos de regras que têm de ser reduzidas a um mínimo de palavras para caberem e serem fáceis de consultar em manuais. Para serem fáceis de consultar por outras pessoas que acreditam que podem "na ordem" ditada por gente sem consciência ou imaginação.
As pessoas são muito mais do que se obrigam a sofrer. Há, com certeza, escolhas muito mais inteligentes e prazenteiras do que estas que pensamos estar a fazer pela nossa cabeça e não pelos ditames de interesses alheios.
Somos anjos resignados a viver em infernos que devem ser devolvidos aos respectivos remetentes, sem mais delongas.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

amor às carradas

"all the love we can get" by MMF
Amor às carradas, é tudo o que vos desejo. Sem intuitos comerciais, mas com uma intenção muito clara e consciente. E aos que acham que a coisa é completamente lamechas, amor em muitas carradas. Só para que saibam. Só para que engulam a vergonha e deixem de ser pirosos, a negar aquilo por que suspiram a vida toda. Claro que é irritante ver gente apaixonada, sobretudo se não somos nós e ainda por cima estamos na retranca porque não durou para sempre. Paciência. Ponham-lhe tempo em cima que voltam à parvoeira de desenhar corações e produzir mensagens completamente idiotas. Porque a idiotice também nos sabe bem. Ora bem!

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

onde está a indignação?

"ninguém?" by MMF

Talvez seja só eu a ver estas coisas de se 'comercializarem' pessoas em casamentos, ofertas de homens e mulheres para namoros e, agora, cinco garotas por agricultor... Será isto uma actividade legal porque as pessoas se oferecem e dão o seu consentimento? Só por isso se colocam em situações indignas à frente de um país inteiro? Será realmente aceitável permitir que as pessoas se exponham à escolha dos outros, se submetam a argumentos para as filmagens e depois façam ao vivo aquilo que noutras circunstâncias seria um atentado ao pudor, proxenetismo e comércio de sexo e intimidades?
Será que a SIC acredita realmente que está a transmitir um programa sério? Ou a tentar fazer-nos acreditar que acredita em mais do que simples subidas de audiências?
A ser verdade, também ninguém acha estranho que não apareçam casais homossexuais, pessoas de outras raças que não apenas brancos ou praticamente brancos? E ninguém produz um comentário indignado à completa alarvice machista da maioria dos concorrentes masculinos?
O aspecto físico das pessoas conta, claro, mas alguns comentários dos candidatos sobre as suas parceiras fazem-nos pensar de imediato no número de mulheres assassinadas pelas suas contrapartes 'amorosas' que tão gritantes protestos têm levantado ultimamente. E nenhum para estes programas miseráveis que a televisão inaugurada pelo príncipe dos presidentes desta república? Mais uma vez, não acham isso estranho? 
Onde está a indignação de políticos e opinosos quando estas coisas se passam à frente dos nossos narizes e depois vêm filosofar sobre o que está mal na violência sobre as mulheres (e não só), a exigir que se encontrem melhores e maiores formas de as evitar?
Não vêem televisão e por isso não têm consciência das receitas que se alardeiam todos os dias a consolidar os mais tristes e miseráveis conceitos sobre as relações entre pessoas?
Em empresas de entretenimento que se arvoram em órgãos de comunicação social, onde nas redacções as mulheres ganham maioritariamente menos do que os homens, não me espanta que a carneiragem e as exigências do poder patriarcal se façam sentir sobre os seus submetidos. 
Mas não há ninguém, ninguém mesmo que se revolte, se indigne ou, simplesmente, se espante com este espectáculo lamentável que, para ser mais certeiro, passa antes do jantar e antes da família depositar os seus rebentos, sãos e salvos, na cama?
Quem sois vós, afinal? Onde estão as pessoas de bem nestas alturas e antes dos jamaicas e dos números de vítimas chegarem aos ecrãs? Esperava melhor, confesso.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

como num jogo

"como um jogo" by MMF

Como num jogo, leva-se o absurdo a um novo nível de dificuldade, no sentido em que lhes falta cada vez mais o sentido. E, no entanto, condenamo-nos a permanecer no jogo e a insistir em encontrar-lhe algum sentido. A verdade é que, se ele existe, está tão camuflado em camadas e camadas de hipóteses, que só como na lotaria e com uma improvável sorte acertamos na mouche. 
Ora veja-se, por exemplo, os serviços públicos que já nada têm de uma coisa ou outra, entregues que estão à cupidez privada; um sistema político inoperante e desacreditado, que apesar disso se mantém como uma regra de jogo de tabuleiro, em que o acaso dos dados decide arbitrariamente a jogada seguinte; uma comunicação social que virou entretenimento e, para todos os efeitos, de muito mau gosto e qualidade duvidosa; marcas e companhias internacionais de uma venalidade sem limites.
Pior ainda, jogadores que batem com a mão no peito e reclamam uma honra que não podem sustentar, num sistema desenhado para nunca terem razão, a menos que isso sirva os interesses de alguém que não tem a mínima intenção de os partilhar.
Gente, voamos num ninho de cucos em que o jogo de casino para os pobres de espírito é que está a dar. E para os outros, resta-lhes sorrir e fazer de conta que concordam, que é o que fazem os subjugados antes de cortar os bofes aos cães raivosos dos seus donos. É o princípio da sublevação, o sinal que correm ventos de mudança e, um dia, ao acordar, o mundo está às avessas e pronto para a turbulência da imposição de novas regras.
Nem sequer de novos paradigmas, porque esses são dependentes de honestas epifanias correspondentes a um apuramento de consciência, um processo pessoal que não se deve esperar de movimentos de massas.
Como num jogo, se não nos diverte, não nos serve para nada.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

mais saias

"saias II" by MMF
Ainda sobre saias, que são sempre peças elegantes, mesmo nas suas versões menores, o problema é este não ser, as mais das vezes, um mundo elegante. Há quem marche contra o seu fru-fru natural, contra a leveza com que ondulam e parecem sopesar todas as coisas. É como ver uma borboleta e, num impulso, lançar-lhe uma rede e espetá-la com um alfinete num quadro para mostrar como são lindas. 
Ó gente da minha terra, agora é que eu percebi...

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

o problema das saias

"saias" by MMF - 2019
Nunca gostei de usar saias e isso tem um bom par de razões. A primeira delas é que, só de olhar para os estampados que eram a proposta dos anos sessenta para as meninas, o pânico era praticamente garantido. Lembro-me em especial de umas bolas coloridas, enormes, que se sobrepunham, em diferentes dimensões, sobre um fundo branco e ainda hoje me assalta um calafrio. Era uma questão de gosto para a qual não era vista nem achada naquela idade em que quase tudo se decidia sem qualquer tipo de consideração pelos meus interesses. Adiante.
A segunda razão pela qual a minha aversão a saias se manifestava com grande intensidade era a óbvia situação de fragilidade em que me colocavam. As meninas usavam saias, o que parecia ser um convite natural para a manifestação de todos os tipos de indignidades pelos rapazes. Eram peças de vestuário que pareciam despertar neles selvajarias que não se lembravam de pôr em prática quando usava calções como eles.
Foi fácil constatar, pela vida fora, que o padrão não só se mantinha, como se agravava. Além das investidas hormonais descontroladas do outro sexo e que algumas mulheres replicam com igual convicção, as saias eram motivo para deixar de caminhar normalmente, não correr, não afastar as pernas, sentar de forma a que não mostrassem nada de mais, etc.
O que me levou a concluir que esse tipo de vestuário é uma espécie de condenação em vida. Um castigo que não vale a pena fomentar, porque disso já se usufrui de sobra e não se verifica a necessidade de para tal contribuir voluntariamente.
As saias tornam as pessoas frágeis e sujeitas aos caprichos de quem adora aproveitar-se de fraquezas para demonstrar a sua precária superioridade. E o que mais surpreende é ouvir a defesa que dessas peças de vestuário fazem os homens quando garantem a feminilidade, a elegância e outros atributos femininos associados, que tanto os encantam.
Atributos esses que viram vulgares motivos e símbolos de provocação sexual quando não servem apenas os seus impulsos mais básicos.
O que há para gostar quando as saias, mesmo concebidas para enaltecer a beleza, não passam de marcas como as estrelas ou os triângulos que segregavam os judeus e os homossexuais durante o Holocausto?

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

nas alturas


Hosana nas alturas, ou como só as aves poderão apreciar cabalmente este voo sobre todas as coisas, que pode perfeitamente ser a viagem espiritual que temos de imitar para pôr certas coisas em perspectiva. Valha-nos portanto Santa Abacate, que apesar de terrena, está perfeitamente de acordo com as mais avançadas tendências vegan. E se disso tudo ainda tirarmos outros adoçamentos, melhor. Portanto, Boas Festas e excelentes voos, é o que vos desejo. 

domingo, 18 de novembro de 2018

já não tenho pesadelos

"the wild wild pink flock" by MMF
Já não tenho pesadelos. Agora só se manifestam fora dos sonhos, quando olho à minha volta e os reconheço pelo que são na realidade. Antes desta epifania havia uma zona de ninguém em que os pesadelos se manifestavam e, mesmo acordada, não conseguia situá-los na realidade, ou fora dela, porque a carga de sensações que provocavam era demasiado forte para determinar com clareza a sua origem.
Agora os pesadelos não cabem nos meus sonhos, que se tornaram inspiradores e cheios de pistas a explorar assim que os olhos se abrem. São uma espécie de aditivos que me facilitam as tarefas mais pragmáticas. Estou muito satisfeita com este upgrade mental e com a lucidez que me permite.
Os pesadelos continuam a sua existência, no dia-a-dia, mas já não me inspiram terrores. Pelo contrário, agora que os situo com exactidão, consigo entender de imediato que o que e quem os provoca vive numa dimensão de promiscuidade com o terror, sem qualquer espécie de controlo sobre o que aparentemente não deseja, mas praticando-o na mesma.
As pessoas têm imensa facilidade em sonhar. Mas são como um piloto inexperiente que não sabe tirar partido dos seus voos, nem como evitar os perigos que lhe aparecem pela frente. Acho, que pessoalmente, já acumulei horas de voo suficientes para localizar os pesadelos na sua área de acção e pilotar a minha vida para longe deles no que realmente importa.
Os pesadelos surgem da interacção com as pessoas que não entendem os comandos dos seus potentíssimos aviões e por isso estão sempre a aterrar as nas lixeiras e a arrastar a porcaria para a vida das pessoas com quem se cruzam.
Gostava muito que buscassem as lições que lhes permitissem voar pelos céus e não pelos inferninhos que criam. Para seu bem e para não conspurcarem o voo dos outros. Afinal, que dúvida ainda pode haver entre um voo limpo e aterragens perigosas no meio de lixeiras a céu aberto?
Por mim, fico bem sem pesadelos e até tenho pena de não me lembrar quando é que deixei de os ter, para poder celebrar o dia. Também tenho de corrigir os bugs do programa, porque constato que passou uma data de tempo entre esse acontecimento e a minha tomada de consciência. De futuro espero que a lucidez seja automática e traga de imediato os bónus correspondentes.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

bruxas e santas

"The Witching Hour" by Wendy Sharpe

Faz sentido terminar a noite como uma bruxa e iniciar o dia como uma santa. Aliás, faria sentido repetir essa rotina todos os dias, a toda a hora, sempre que nos apetecesse. É uma grande receita para a reinvenção da vida: reconhecer e aceitar com naturalidade o nosso lado mais básico e também mais vibrante, para a seguir o transmutar na subtileza do mais espiritual e igualmente poderoso.
É por isso que o dia das bruxas é tão interessante e, entre nós, seguido do dia de todos os santos, duplamente significativo. Bruxas ou santas, em papéis redutores impostos pela necessidade de controlo das mulheres, na sua versão mais poderosa e menos domada. São as mesmas bruxas e santas que abraçam os poderes mais escondidos e, afinal, mais despidos de preconceitos, para em seguida darem lugar às habilidades mais subtis e belos da verdadeira natureza humana.
É um processo natural que ainda está sob a influência dos medos atávicos que nos perseguem desde as mais remotas eras. Pode ser assustador assistir à manifestação dos magníficos poderes inatos de uma boa parte da população humana, sobretudo aquela que se quer colada a uma imagem pacífica, submissa, fraca, maternal e muitas outras coisas não forçosamente positivas.
Só que as bruxas são mesmo essa força da natureza capaz de transcender mesquinhices e votar a sua energia às tarefas mais nobres e importantes. E aí, ou como santas, são uma espécie de domicílio sagrado para todos os aflitos. 
Portanto, há que recuperar urgentemente esses papéis e reintroduzi-los na malha social dos nossos dias. Há que permitir às nossas bruxas e santas a manifestação do seu poder regenerador e pacificador, para que não se perca muito mais tempo a fazer de conta que não há soluções capazes de transformar a nossa apreciação da vida numa tarefa digna dessa experiência.

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

irmãos no sonho

Imagem relacionada
"Brasil" by Timothy Raines
A eleição do capitão B para comandar os destinos do Brasil pôs um sorriso esperançoso na maioria dos brasileiros que vivem em Portugal. Acreditam que é um passo para restituir a paz e a ordem ao país. Eles, que fugiram sobretudo da violência que reina, impune, acreditam que a polícia militar, sob a orientação do capitão supremo da sua amada nação, vai sair à rua e caçar os bandidos que ameaçam o dia-a-dia da população.
Por outras palavras, os brasileiros refugiados em países mais seguros acham perfeitamente aceitável que façam a outros seres humanos o que não querem que lhes façam a eles.
Por outro lado, confessam que as grandes facções criminosas que dominam territórios estratégicos nas grandes cidades e um pouco por todo o solo brasileiro, estão infiltradas nos seus órgãos de soberania, os mesmos em que confiam para regular a actividade do novo presidente.
Vistas as coisas desse prisma, podemos confiar que, a haver guerra ao crime, serão com certeza os grandes potentados já instalados a combater-se fora das cadeiras do senado brasileiro para conquistar mais território e influência. Não será propriamente uma caça aos bandidos, mas uma guerra de gangues cujo final nem é bom imaginar.
Mesmo assim, mantém-se o sorriso de vitória e esperança dos brasileiros. E há que aplaudir essa confiança que torna o Brasil um país fantástico e promissor. Não os militares treinados para mostrar mão de ferro na terra que juram proteger e afinal pilham e subjugam como invasores. Muito menos os bandidos que confundem os seus direitos como seres humanos com licenças para arrebatar à força bruta posses materiais.
Por outras palavras, os nossos irmãos brasileiros mantêm o seu extraordinário potencial para crer num destino melhor, mas ainda não conseguiram a paz de espírito para se reagruparem e desenharem firmemente o seu sonho. Como tantos outros irmãos no sonho por esse mundo fora.

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

limões e amores

"World Full Of Lemons" by Vitaly Urzhumov

É fácil amar e ser amado. O problema está no tempo que o amor dura. Ou a paixão. Ou os dois, segundo o critério de cada um. Não tem a mínima importância se se considera a paixão amor ou vice-versa. A cada um o seu tipo preferido de amor.
O amor é para sempre, acreditamos. E é verdade. Mesmo quando metemos todos os tipos de amor no mesmo saco. Isso não é um problema senão quando bate de frente com a classificação atribuída pelos outros aos mesmos amores.
Deveríamos, por isso, ter um quadro de requalificações à mão. Porque é disso que se trata quando nos desentendemos. De qualificações diferentes. Se houver uma normalização dos tipos de amores, assim à laia da calibragem da fruta e outros conceitos práticos, gera-se uma norma e deixa de haver tanto problema.
Demasiada imaginação complica, sobretudo quando se pretende impingir a outros os frutos do nosso laborioso processo mental. O pecado está em não distinguir entre os processos dos outros e os nossos. E aí talvez funcionasse uma carta geral de direitos e obrigações dos processos individuais e colectivos.
No fundo, é tudo uma questão de organização e o amor não pode andar para aí espremido como um caixote de limões, por este e aquele, sem regra nem medida. Não senhor.

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

raias voadoras

"raias voadoras" by MMF
Vem aí o dia das bruxas, ou o dos santos, e os céus estão cheios de raias voadoras que também podiam ser discos, dependendo da relação que mantemos com uns e outros ou os dias a que se referem.
Num jogo de tabuleiro teríamos pouquíssimas hipóteses de conciliar estas possibilidades todas, no sentido em que as dinâmicas têm aquela característica das óperas, sempre a oscilar entre o bem e o mal e os estereótipos. Creio bem que foi por isso que acrescentaram aos tabuleiros cartas e regras que complicam a trama do jogo para lhe darem um toque mais irracional e nos avisarem que a vida nem sempre segue as regras normais e ter de encarar novas realidades exercita-nos no sentido de não estar sempre a repetir os mesmos menus.
No caso das raias voadoras é precisamente o mesmo pacote que nos despejam em cima. Por que não observá-las noutros contextos, noutras cores, noutras formas? E por que razão hão-de largar os  seus ambientes naturais e elevar-se nos ares uns minutos? Porque abafam e precisam de lufadas de ar fresco? Ou porque são umas loucas suicidas que não têm a mínima noção do perigo e das convenções?
É precisamente o caso das bruxas, que se atrevem sempre ao que não devem. Ou dos santos, que insistem em cercar-se de auréolas de coisas boas quando se sabe, com toda a certeza que as coisas más são mais do que abundantes e circulam por aí como se não houvesse amanhã.
É tudo um exercício de imaginação, para expandir as nossas escolhas. E algumas pessoas não gostam nada de ampliar horizontes, mas depois queixam-se que nada muda ou tem solução.
E pur si muove ou eppur si muove, como terá dito o relutante Galileu, provavelmente muito baixinho para não contrariar os que se acham santos mas no direito de caçar bruxas.
Enfim, santos de casa não fazem milagres e as bruxas também são acusadas de não deixar as fadas fazer coisas boas. É tudo uma questão de pontos de vista e, do meu, nada disto faria sentido sem as raias voadoras a cruzar os céus como discos ou frigideiras mágicas. 

terça-feira, 23 de outubro de 2018

anjos como nós

'secret keepers' - 2012 (watercolor)
Há anjos como nós, que de vez em quando se cruzam no nosso caminho e nos enchem de sinais e sensações que nos são familiares e estranhos ao mesmo tempo. Ou é o tempo dos anjos que se mistura com o nosso e parece então que fica fora do lugar ou da sequência que lhe damos habitualmente.
Há anjos que só nos aparecem para correcções de rota, por instantes, para voltarem a pôr-nos no caminho certo. Outros que nos acompanham a vida inteira e nem sequer se fazem especialmente notados. E ainda uns que nos arrebatam como se nada mais no mundo importasse.
Agrada-me muito esta ideia de viver num mundo de anjos que surgem como lufadas de ar fresco, ondas poderosas ou rios de emoções e sensações em que é obrigatório mergulhar e disfrutar para entender o verdadeiro sentido da vida.
Como anjos, cada um de nós faz parte dessa dança encantada em que o mundo se transforma quando nos deixamos levar por coisas boas e entusiasmos vários. Por coisas que lamentamos muito quando deixamos fugir, sem nos apercebermos que elas voltam, talvez com outras roupagens, mas sempre com a clara intenção de nos obrigarem a reflectir e a viver qualquer coisa importante.
É muito agradável manter uma saudável consciência de sermos anjos que se dão com outros anjos. Mesmo sem asas ou poses celestiais. Apenas com uma honesta vontade de participar de uma visão angelical de todas as coisas.

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

quando Cascais arde

"Cascais Fire 2018" by MMF
Se juntarmos os pontos e apreciarmos os acontecimentos recentes à luz de uma lógica fora dos preconceitos ditados pelos média ou pela nossa limitada noção de responsabilidades, ficamos com uma visão literalmente incendiária de como chegámos ao ponto de perder seiscentos hectares de pulmão entre Cascais e Sintra.
Em primeiro lugar, para sermos realistas, os nossos pulmões não nos servem de nada sem a grande mancha de verde que a Terra põe à nossa disposição para os usarmos. Em segundo, mas muito pouco secundário neste caso, de cada vez que cada um de nós toma uma decisão, é co-responsável por tudo o que acontece no planeta.
Poderíamos estar a falar do oceano de plástico ou dos fogos da Austrália ou da Califórnia, mas estamos a falar do que aconteceu aqui, no nosso quintal. Na paisagem que reclamamos protegida e, afinal, acabou arrasada porque os nossos "abraços" em slogans não são suficientes para a manter segura. Nem por sombras.
Não fazemos o suficiente para nos manter seguros. Deixar queimar os pulmões verdes e depois sacudir a água do capote a responsabilizar a protecção civil ou governos autárquicos não faz sentido nenhum. Sobretudo se os poucos votantes da região validaram os dirigentes actuais, co-responsabilizando-se portanto com as suas decisões. Ou se permitimos que empreendimentos de luxo, com lucros a curto prazo se sobreponham à vida de qualidade que afirmamos ter neste cantinho de zonas protegidas.
Somos todos responsáveis pelas decisões que levaram ao incêndio que acaba de destruir uma parte da qualidade de vida que alardeamos para esta porção privilegiada do planeta. E temos de compreender a mensagem por detrás do desastre, porque ela é uma projecção do futuro colectivo que preparámos para nós e para as gerações futuras.
Quando seiscentos hectares de floresta ardem, essa é a medida do que arde em todos nós. Arde porque somos negligentes em relação às pequenas decisões de enormes consequências na nossa vida? Arde porque inconscientemente purgamos assim muito do lixo que arrastamos todos os dias em detrimento de posturas e acções mais naturais e honestas? Arde porque ansiamos por renovação?
Arde também porque estes desfechos são tomadas de atenção que devemos entender de forma mais profunda, em momentos que devemos saber decisivos para mudar e viver de forma mais sustentável.
Quando Cascais arde é porque chegou a uma encruzilhada fulcral e cabe-nos a todos, individualmente, escolher o caminho novo e mais certo para a terra em que assentamos a planta dos pés e as raízes da nossa vida.

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

a tirania do som


Aqui a pensar no poder do som. Há quem diga que as pedras de grandes monumentos como as pirâmides foram transportadas e empilhadas com a ajuda de dispositivos de som. A Bíblia também testemunha que o Verbo deu origem ao mundo. Por outro lado, os países mais desenvolvidos parecem ser muito mais silenciosos do que os festejam as suas desgraças com carnavais e movidas de todo o género.
A falta de consciência sobre o nível de ruído que se produz é, sem dúvida, um sintoma de que algo não vai bem no reino humano. De que não se pausa para escutar nada nem ninguém, quanto mais o som do corpo que habitamos, o que precisamos de ouvir e se abafa em gritarias de todo o tipo.
Gritar é uma coisa desagradável e basta passar por uma escola num intervalo para entender que algo vai mesmo mal quando o que caracteriza um centro de suposta aprendizagem é o volume de som indiscriminadamente produzido pelos jovens estudantes.
O que se anda a ensinar, afinal? Que o mundo é uma cloaca ruidosa e assustadora? Que os conteúdos multimédia mais ruidosos são mais importantes do que os que reflectem sobre temas que nos ajudam a entender o mundo que nos rodeia.
O som tem poder, sim. Sobretudo o de nos alienar, monopolizando um sentido essencial. Mesmo as imagens, sem som, se esvaziam de sentido e são percebidas de forma completamente diferente sem a tirania que nos invade os ouvidos.
Será difícil entender por que razão quem não ouve parece ter uma postura completamente diferente perante a vida? E por que se crê ser necessário viver sob o domínio dos megafones e de infindos discursos sem sentido? 
Em determinado ponto, alguém decidiu que a melhor forma de imposição era a de afogar toda a gente em ruído e assim fechar as portas ao silêncio que nos ajuda a centrar e a pensar de forma correcta.

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

casual strokes

"casual strokes" by MMF - photo by Paulo Paz
O artista mostra-se, não raro, relutante no que toca à verbalização do processo que leva à sua obra. O que não admira, porque poucas coisas são mais pessoais. Da forma como surge uma ideia, um conceito, passando pelos meios que emprega para a sua materialização, às escolhas que faz durante todo o percurso que lhe é natural, tudo tem que ver com o seu processo interior. Com a forma como resolve apresentar esse processo e que corresponde a um inevitável percurso de consciência e transformação pessoal.
O ofício artístico, consciente ou não, nunca deixa de ser uma tarefa pessoal de crescimento e entendimento. Representa um estudo e uma prática concretos pelos quais se passa na viagem de conhecimento interior que todos fazemos. No caso dos artistas, ela é expressa em formas concretas e observáveis pelos outros. E é a empatia que gera, a oferta em que os outros se revêem, que torna a obra apreciada e entendida.
Este processo não é consciente para a maioria das pessoas, artistas incluídos, na medida em que muitos preconceitos sobre a prática artística a remetem sistematicamente para uma actividade menor. O artista é ainda entendido como o excêntrico, o socialmente desajustado que insiste numa forma de estar e trabalhar sem efeitos quantificáveis. Exactamente o oposto do que é a sua capacidade de realização e a frescura que traz a uma visão esquálida das nossas possibilidades.
A documentação, discussão e compreensão do processo artístico é, por isso, essencial ao seu crescimento pessoal e como agente cultural. E a fruição da obra é apenas o primeiro passo dos outros para o entendimento dos seus mecanismos individuais de evolução.
O trabalho artístico não é um capricho, mas uma ferramenta através da qual todos ganhamos e avançamos. Assim nos permita a nossa vontade e consciência.

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

às voltas nas estrelas

"starry sky" (2018)
Imaginar que andamos à volta nas estrelas. Por vezes é necessário abraçar uma imagem na nossa mente para entender que basta isso para dar uma volta à vida. Ignorar a existência de coisas desagradáveis e escolher outras que nos fazem melhor. 

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

a podar é que a gente se entende

"alive and free"
A simples verdade é, que para nosso descanso, gostamos de podar tudo à nossa volta. Não suportamos a exuberância da variedade e preferimos domar os ramos que escolhem caminhos diferentes da ordem que consideramos aceitável.
Depois queremos muito ter mais escolhas, mas vamos eliminando as que achamos estar a mais, sem gastar um momento a ponderar se não estarão defronte dos nossos olhos para alargar o nosso leque de possibilidades.
Julgamos mas depois queixamo-nos imenso de que nos ceifam as escolhas. Fazemo-lo todos os dias e não admitimos que a redução é posta em prática, em primeiríssima mão, por nós. A responsabilidade atira-se, irresponsavelmente, para os outros, para o exterior, para a rua. 
Como se não bastasse essa cegueira auto-imposta, ainda levamos a loucura ao ponto de deixarmos que um grupo de ceifeiros manipule uma entidade estatal, também da nossa responsabilidade, que todos os dias se ocupa a criar regras de normalização que nos transforma a todos em embalagens do mesmo tamanho, com o mesmo peso e códigos de barra para nada falhar ao seu controlo.
Que triste imagem temos de nós mesmos e que catalizador exponencial é o menorizante conjunto de regras que admitimos para a interacção social.
Em contacto com os outros, admitimos, relutantemente, uma mão cheia de regras de funcionamento, qual delas a mais manietante. Dentro nós ainda vamos sonhando, mas com os outros temos regras de calabouço e é assim que nos sentimos em sociedade.
Em vez de aproveitar o ímpeto de possibilidades que uma maior liberdade, bem educada, nos concederia. 

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

instinto


Instinto de sobrevivência. Instinto, naquela versão facilmente explorada através da atenção prestada à respiração. E sobrevivência do que somos, de facto e que não começa nem acaba. Reduzir a expressão a esta experiência de vida também serve. Mas que sentido faz esse instinto se a sobrevivência é para o que um dia acaba e não volta mais?
No fundo, acreditamos nesse instinto superior que a todos orienta no caos da vida. Ou a vida do caos que nos resta quando é impossível abarcar todas as causas para discernir todas as consequências. Um desenho da existência com linhas limites muito convenientes. Mas para quê então um instinto que nos garante saídas extraordinárias desses limites? Afinal os limites são naturais ou são os dos sentidos que nos devolvem esta experiência?
Depois vem a sobrevivência, que não faz grande sentido se todas as coisas são finitas. Se não se observar além do que acaba. Faz muito mais sentido se a sobrevivência for de facto a existência para lá do começo e do fim, a linha da vida que não acaba e se transforma permanentemente.